Todas as marcas podem crescer com a IA? «A aplicação é agnóstica ao sector»
A Inteligência Artificial (IA) já não é um conceito distante, reservado a filmes de ficção científica. Há muito que passou a fazer parte das estratégias das empresas e, por vezes, os consumidores poderão nem se aperceber de que estão perante uma solução assente neste tipo de tecnologia. Aliada à Analítica Avançada, pode ser usada para conhecer melhor os clientes ou para optimizar o tempo de resposta a dúvidas e questões, por exemplo.
E, de acordo com Francesco Costigliola, head of Business Intelligence & Analytics na EDP Comercial, «estas aplicações directas e indirectas têm, sem dúvidas, um impacto positivo na satisfação e lealdade dos clientes».
Foi precisamente este tema que levou o responsável a participar na sessão do AESE Alumni Learning Program sob o mote “Desafios da IA ao Marketing e do Marketing à IA”, ponto de partida para uma conversa com a Marketeer sobre as oportunidades e desafios deste salto tecnológico. O antigo líder da área de Analytics & Data Science da Fidelidade considera que, apesar das vantagens claras, ainda há obstáculos a ultrapassar para que a IA possa atingir todo o seu potencial: verifica-se, por exemplo, a «falta de uma cultura analítica instaurada na organização e alguma desconfiança na eficácia destas técnicas».
Os sectores que já se mostram mais à vontade com a IA, os benefícios desta tecnologia para o Marketing e o caminho para chegar a uma implementação a 100% são outros temas abordados por Francesco Costigliola. Acompanhe a entrevista na íntegra em baixo:
Quais são as principais mais-valias da IA para o Marketing?
A Inteligência Artificial e a Analítica Avançada podem desempenhar um papel muito relevante no Marketing e na relação das organizações com os seus clientes. Os algoritmos podem ser desenvolvidos para customizar o contacto e aumentar a relevância dos conteúdos e ofertas (modelos como propensão a adquirir um produto, subscrever um serviço, cancelar o contrato, fazer um upgrade, etc.) ou para melhorar processos com impacto directo no cliente (i.e., optimizar um processo que melhore o tempo de resposta ao cliente, disponibilizar um novo canal ou uma nova funcionalidade, etc.). Estas aplicações directas e indirectas têm, sem dúvidas, um impacto positivo na satisfação e lealdade dos clientes.
E quais os maiores desafios na sua implementação?
Um dos maiores desafios na implementação das iniciativas de IA reside, muitas vezes, na falta de uma cultura analítica instaurada na organização e alguma desconfiança na eficácia destas técnicas. Mesmo em organizações com uma cultura analítica já bastante presente nas áreas de negócio, é necessário gerir cuidadosamente as expectativas dos diversos stakeholders definindo objectivos mensuráveis e relevantes para atingir os resultados de negócio.
Que sectores podem beneficiar mais destas tecnologias?
A aplicação dos desenvolvimentos de IA é agnóstica ao sector e assentam num pressuposto comum: os dados. Para uma correcta implementação de uma estratégia de dados é fundamental investir em três áreas críticas: tecnologias de gestão de dados e analytics, governance dos dados e compliance e criação de valor para o negócio através da medição do impacto de cada iniciativa.
Há sectores que demonstram já um maior nível de adopção da IA em termos de Marketing?
No que diz respeito às técnicas de IA e analítica avançada, existem sectores como os serviços financeiros, o retalho e as empresas tecnológicas que estão naturalmente num estado mais avançado. Existem diversos factores que aceleram o nível de adopção da IA no Marketing: o grau de utilização de analítica avançada noutras áreas da organização, a necessidade de se diferenciar da concorrência, entre outros.
Além da IA, também os dados são um tema forte das estratégias de Marketing das empresas. As empresas portuguesas já estão preparadas para analisar os dados recolhidos?
A procura e a grande participação em sessões como a do “Alumni Learning Program” da AESE demonstraram que existe um forte interesse em compreender de que forma a IA pode ser utilizada como instrumento para extrair conhecimento a partir dos dados armazenados. A maioria das empresas portuguesas está preparada tecnologicamente para analisar os dados recolhidos e no mercado existem sempre mais pessoas com formação em áreas ligadas aos dados. Diria que os maiores obstáculos são os processos de governance e de qualidade dos dados definidos nas organizações. A falta de uma correcta definição de responsabilidades, finalidades de utilização e contexto ou uma qualidade de dados pouco eficaz podem criar bastantes dificuldades na análise de dados e na geração de conhecimento útil para a estratégia de Marketing.
De que forma pode a análise de dados ser útil no Marketing?
A análise de dados torna possível a identificação de novas oportunidades e o suporte às decisões de Marketing. No entanto, é bastante complexo quantificar o seu potencial devido à qualidade e relevância dos dados armazenados, à sempre crescente disponibilidade de novas fontes de dados e à falta de dados que ajudem a compreender os comportamentos dos clientes. A análise de dados permite agir directamente na atracção e aquisição do cliente através de análises comportamentais e de identificação de potenciais clientes com técnicas de look-alike; crescimento do portefólio de clientes através de modelos preditivos orientados à previsão de comportamentos de compra (cross-sell, up-sell, upgrade, etc.); na gestão dos clientes através da previsão do valor potencial de cada cliente e de modelos preditivos para retenção dos mesmos; e, por fim, na melhoria do customer engagement e da experiência do cliente através de análises do customer journey, de satisfação, de sentimento, entre outras.
Qual é o nível de investimento necessário para as empresas abraçarem tanto a IA como a análise dados?
Diria que o investimento inicial é mínimo, embora o impacto no negócio e o retorno sobre o investimento são atingidos mais a médio/longo prazo. O investimento passa por formar ou recrutar pessoas que conheçam as técnicas de análise de dados e compreendam a vertente comportamental dos clientes; possuir ou adotar a tecnologia necessária para criar um ambiente onde se possa praticar uma filosofia de “fail-fast”; e construir processos que definam uma governance analítica desde a incubação do projecto até à sua entrega e acompanhamento.
Estes investimentos, muitas vezes, passam por criar áreas de IA ou de Analítica Avançada capazes de responder aos diversos desafios lançados pela organização e de ser promotores e propagadores da cultura analítica pelas diversas áreas da organização.
Que medidas poderiam ser tomadas de forma a acelerar a digitalização, no geral, das empresas e marcas? O Estado também tem um papel a desempenhar?
Existem diversos pontos a ter em conta na definição de uma estratégia digital: (a) a transformação digital deve ser guiada pela estratégia de negócio definida e não focada numa tecnologia ou ferramenta específica; (b) é fundamental alavancar o conhecimento interno sobre o cliente de forma a poder customizar as soluções à realidade e ao contexto onde terão de ser aplicadas; (c) se o objectivo da transformação digital é melhorar a satisfação dos clientes, todos os esforços têm de ser precedidos por fase de diagnostico baseada numa extensa recolha de inputs dos clientes; (d) os leaders têm de encarar a transformação digital como uma iniciativa focada em pessoas e têm de conduzir as pessoas no processo de transformação das suas competências de forma a poderem adaptar-se às mudanças de forma gradual; e (e) adoptar estruturas organizacionais flat que, dada a incerteza do processo de transformação digital, sejam capazes de juntar diversas áreas da organização, de reagir e de tomar decisões rápidas. O Estado tem vindo a dar sinais claros sobre a vontade de impulsionar a inovação nas organizações através de sistemas de incentivos fiscais para projetos de I&D empresariais e de outras iniciativas que levam às empresas a procurar novas soluções.
Texto de Filipa Almeida