Trendwatching/OAK :: Tendências para as gerações X e Y portuguesas
Num recente estudo realizado pela OAK, que incidiu principalmente sobre as gerações X e Y portuguesas, perguntou-se aos inquiridos “qual a atitude que esperavam tomar perante a crise”. 40% dos mesmos responderam “pretendo tornar-me menos dependente de marcas, produtos ou serviços, mesmo depois da crise passar”. A essa mesma pergunta, só 3% dos inquiridos escolheram a opção “pretendo voltar aos meus anteriores hábitos de consumo, quando a crise passar”.
Estas respostas encerram em si uma sugestão poderosa: que a crise transcende o aspecto financeiro conjuntural e que evoluiu para um mindset cultural, colocando em causa os padrões de consumo da sociedade actual e futura: para muitas pessoas, há produtos que simplesmente deixarão de fazer parte das suas escolhas habituais, mesmo depois da crise passar. Há uma vontade generalizada de aproveitar os tempos actuais e reciclar a própria vida, os próprios valores.
Surgem novos ícones e valores. Muitos deles não farão ainda sentido para a sociedade mainstream. Mas imiscuir-se-ão na mesma, até pela utilização generalizada das novas plataformas de comunicação por parte dos gen X’ers e Y’ers portugueses, tornando-se cada vez mais relevantes para a população geral.
A “discrição” VS bling
Neste cenário de incerteza e descontentamento, os critérios racionais, como a utilidade ou o preço tornam-se mais relevante nas escolhas do consumidor, face à estética ou o valor emocional dos produtos. Se, em alturas de crescimento económico, os consumidores pós-racionalizavam acerca das suas escolhas de consumo – tomadas com base em decisões emocionais, mas depois fundamentadas racionalmente – torna-se cada vez mais importante para as marcas justificarem a sua eleição perante o consumidor oferecendo-lhe benefícios reais aquando do seu consumo. Actualmente, cada escolha de compra implica uma decisão mais pondera. Debate-se, na vida privada, as opções de compra, justificando-as o melhor que se consegue. A recessão torna os consumidores mais alerta acerca da real utilidade “das coisas”.
Sendo que a recessão tem também um impacto na vida pública, também os ícones de status social mudam com a mesma. Os ícones “discretos” tornam-se mais relevantes, face à ostentação generalizada dos anos recentes de consumo e crédito crescente. Naturalmente que, no mainstream, esta tendência ainda não se revela na sua totalidade; mas os influenciadores cada vez mais optam por valores “discretos”, face à cultura do bling: é, no momento, mais aspiracional a adopção de crianças, ou a tomada de uma atitude religiosa do que simplesmente usar jóias em excesso: atente-se ao comportamento de influenciadores sociais como Madonna, Angelina Jolie, Brad Pitt, que têm reflexo nas nossas vidas.
A cultura do bling não deverá morrer, especialmente nos mercados emergentes, onde o pós-modernismo ainda impera como forma de obtenção de reconhecimento social; mas a ostentação é, perante o cenário actual, uma forma de autismo, que tenderá a ser substituída por objectos e ícones mais discretos e que representem outros valores, como as causas sociais, ambientas e humanitárias às quais nos associamos.
Eco-iconic e a re-utilização como estilo de vida
Com a mutação dos ícones, o “ecológico” torna-se um valor com os quais as novas gerações gostam de se associar. Não só ao nível da consciência ambiental ou pessoal de cada um, mas também na associação social àquele tipo de valores. Ter uma consciência ambiental deixa de ser um “esforço” e passa a ser um “orgulho” e também uma forma de reconhecimento social, que em alguns círculos tem mais impacto do que os anteriores símbolos de reconhecimento económico – como o Toyota Prius conduzido pelo personagem de John Travolta, em “Be Cool”, cujo status leva a que os restantes personagens conduzam a mesma viatura, permitindo o show-off da sua consciência ambiental. Assim, é o design que torna o factor ecológico mais relevante, ao possibilitar ao consumidor a demonstração pública da sua tomada de consciência ambiental (ver mais em http://trendwatching.com/trends/ecoiconic.htm ).
Da mesma forma, a re-utilização de items torna-se mais apetecível: há uma mutação da ideia de “reciclagem” como simples forma de transformação de lixo para um mindset de reaproveitamento de materiais, conteúdo, etc. Re-vender os produtos que já não têm uso para nós, comprar bens usados em online flea markets ou trocar bens directamente com outros consumidores passam a ser comportamentos cada vez mais relevantes junto destas gerações.
Nós, as pessoas, fantasiamos acerca de deter controlo sobre as nossas vidas, e as possibilidades surgidas no universo online de reciclarmos, reaproveitarmos e trocarmos alguns objectos na sua vida – e até fazermos algum dinheiro com isso – ajudam a proporcionar a sensação de controle, de que operamos “à margem do sistema”, face ao consumismo actual onde qualquer produto que não funcione é considerado “lixo”. A recente campanha de troca de objectos usados por embalagens Coca-Cola light – sendo esses mesmos objectos reaproveitados e transformados para a Experimenta Design – capitaliza sobre este tipo de mindset.
Retro como forma de escapismo
50% dos inquiridos responderam sentir que “as coisas já não eram tão transparentes ou autênticas como há 10 anos atrás”. Curiosamente, mesmos os jovens de faixa etária compreendida entre os 23 e os 30 anos de idade mostrou estar bastante saudosista – 48% dos mesmos respondeu afirmativamente à questão.
Esta vontade de retornar a tempos mais simples é um reflexo de que a realidade presente não é do nosso agrado. O passado é encarado como uma forma de escapismo face aos constrangimentos do presente. E o retro deve solucionar essa vontade de simplicidade requerida pelo consumidor. Esta vontade de escapar ao presente explica o sucesso de conceitos baseados na originalidade do passado – desde a aposta da adidas na sua linha de modelos Originals, ao sucesso dos produtos da Ach Brito, ou do programa de ficção da RTP “Conta-me como foi”. Todos estes produtos não se limitam a ser “antigos”, mas antes a retratar um estilo de vida mais saboroso, lento, roçando mesmo o amadorismo e bem longe da incerteza e rapidez de processamento da sociedade actual.
A utilidade e a construção da marca pessoal
Quando confrontados com a pergunta “acredito que as marcas têm em conta as minhas necessidades quando desenvolvem os seus produtos e serviços”, 46% dos inquiridos responderam discordar da afirmação – de uma forma geral, não acreditam que as marcas os ouçam, o que revela um descrédito face aos benefícios que elas lhes conferem.
Assim, torna-se crucial gerar benefícios – directos e indirectos – da utilização de marcas e produtos para o consumidor. Tornar a sua vida mais útil, via a utilização de marcas, criará laços emocionais entre ambos. É errado considerar que a utilidade é somente um benefício racional e que não cria uma relação emocional entre o consumidor e a marca. Pelo contrario – ao adicionar utilidade à vida do seu consumidor, a marca estará a criar uma relação de privilegio, de “carinho” para com o seu consumidor, ao mesmo tempo dando-lhe um benefício directo na sua utilização. A cerveja “Grolsch” criou recentemente uma aplicação para o “iphone”, o “medidor de sobriedade”, que pretende avaliar o estado de embriaguez do utilizador – comunicando a marca, enquanto gera utilidade para o mesmo.
As marcas podem também impulsionar o desenvolvimento pessoal dos consumidores, como forma de gerar goodwill. Isto é especialmente relevante em alturas de recessão, onde as marcas pessoais se tornam cada vez mais relevantes, para que tenhamos melhor resultado no mercado de trabalho: A Faber & Faber, editora livreira londrina independente, lançou recentemente uma academia para aspirantes a escritor, o que é relevante para o seu target; a Business School do ISCTE vai financiar na totalidade mestrados executivos a pessoas licenciadas que se encontrem desempregadas. Isto é relevante para as pessoas e será retribuído com uma ligação emocional e, quem sabe, com consumo.
As pessoas, as tendências e a realidade local
Estas são somente algumas ideias a considerar quando pensamos em tendências e marcas. Nenhuma delas resulta de per si, avaliadas sem um contexto, uma organização, um mercado específico, mas apresentam sugestões de possíveis caminhos na construção de ideias de negócio e comunicação. São validas porque avaliadas na realidade portuguesa e filtradas segundo inquiridos portugueses.
No entanto, nenhum inquérito ou estudo conseguirá congregar, em si, a disparidade, complexidade e a agradável esquizofenia que nos torna humanos. Mas as marcas – as políticas, as pessoais, as corporativas – têm de prestar cada vez mais atenção às pessoas, porque delas depende a sua sobrevivência. Num mundo onde os órgãos de comunicação foram democratizados e onde os amadores detêm cada vez mais meios – de produção, de divulgação, de criação – a barreira entre os profissionais e os amadores dilui-se. Assim se dilui também a barreira entre o que é o marketing e o que a vida. E se o primeiro não prestar atenção à evolução da última, perderá a relevância. E, no limite, o emprego.
É o nosso dever enquanto marketeiros continuar à escuta.
Pode visualizar ou fazer download do estudo completo em: http://www.slideshare.net/OAKbrands
Para mais informações sobre tendências e marcas adaptadas à realidade portuguesa, pode contactar a OAK (www.oak-brands.com). Pode também subscrever gratuitamente os briefings mensais de tendências do trendwatching.com naquele website.
Escrito por Pedro Rocha
pedro.rocha@oak-brands.com