Será este o fim dos CMO?
Por Mário Porfírio, professor de Política Comercial e de Marketing da AESE Business School
Os primeiros meses do ano foram marcados por várias notícias de eliminação dos cargos de CMO (Chief Marketing Officer) em algumas das 500 maiores empresas americanas e logo a nuvem negra pairou no ar: “os cargos de CMO e o marketing, estão a perder a importância nas empresas”. UPS, Lowe’s, Hyatt Hotels, McDonald’s, Johnson & Johnson, Uber, Lyft, Starbucks, B InBev US, Etsy são alguns dos nomes referenciados.
Há decisões de divisão da responsabilidade por outros executivos; há decisões revertidas, como o caso da McDonald’s; e, em termos globais, são apresentados dados de um estudo que sugere que, desde 2009, o cargo de CMO nas 500 maiores empresas americanas teria passado de uma representatividade de 74% para 71%, ou seja, uma quebra anual aproximada de uma empresa por ano.
A realidade de cada empresa é muito específica e não é o propósito deste artigo elaborar sobre a estratégia de cada uma, mas. por ser um tema de relevância para a área de marketing, aproveitar para olhar para a função de marketing e para o impacto que a transformação digital tem tido no que é esperado de um CMO no contexto actual, em particular na área onde a sua actuação tem mais visibilidade, a comunicação de marketing.
A comunicação integrada de marketing surge nos anos 1990 como uma reflexão académica de como os gestores de marketing estariam a planear, organizar, dirigir e controlar todas iniciativas de comunicação de marketing de uma organização. “One sight, one sound, one voice” reflecte a ideia de que uma mensagem consistente e única, difundida num conjunto crescente de canais seleccionados para impactar os vários stakeholders da organização, permite atingir os resultados pretendidos devendo este processo de gestão ser visto de forma integrada, sem silos.
A internet e, sobretudo, o telemóvel alteraram o paradigma do consumo de media e como consequência a sua produção. Passámos de uma mensagem única e inalterável, difundida em um ou mais meios, para uma multiplicidade de mensagens e pontos de contacto, em constante adaptação, o que deu origem a outros novos canais, formatos, desafios, oportunidades e responsabilidades para as empresas.
A fragmentação da atenção por vários canais trouxe consigo uma perda de poder e autoridade dos meios, aliada a um aumento exponencial das comunicações e da sua complexidade ao passarem de unidireccionais para bidireccionais. Muitas empresas deixaram de ser apenas emissores, passando também a receptores e espectadores. A comunicação integrada de marketing passou então a ser vista como um processo de integração das interacções de comunicação de dentro para fora da empresa (ex.: publicidade), com as interacções de fora para dentro (ex.: respostas e comentários de clientes às comunicações das empresas) e com as interacções entre consumidores, o passa-palavra, (WOM – word of mouth, simpaticamente chamado muitas vezes de “word of mouse”) nas redes sociais, sites e fóruns de utilizadores.
Esta mudança de paradigma altera por completo as competências necessárias para um CMO a quem se passou a pedir que fosse um visionário de marca, um guru de marketing e do ciclo de vida dos produtos, um cientista de dados, com domínio de todas as tecnologias existentes relacionadas com a comunicação” e outras tantas competências em simultâneo, que podemos afirmar, com alguma provocação à mistura, que o marketing é tanta coisa e é tão importante para as organizações que não está a perder terreno, mas pelo contrário está cada vez mais no centro das suas actividades e estratégias de tal forma que requer uma repartição por várias funções e pessoas, fruto da complexidade e heterogeneidade das competências. Ou como diria Peter Drucker, ainda de forma mais provocadora: “Como o objectivo do negócio é criar um cliente, a empresa tem duas – e apenas duas – funções básicas: marketing e inovação. Marketing e inovação produzem resultados; todo o resto são custos.”
Claro que é sempre mais fácil dizer do que fazer e, neste caso em concreto, justificar os resultados. A tecnologia trouxe a promessa, o sonho, da atribuição, a possibilidade de medir os resultados, das iniciativas de comunicação, o tão frequentemente mencionado ROI – Return on Investment, mas a realidade é que os CMO têm dificuldade em calcular os resultados das suas acções e quanto maior o negócio e a organização pior.
Há milhares de anos, passámos de caçadores colectores para agricultores e com isso o mundo prosperou. Este foi o ponto de partida dos CMO, de uma revolução agrícola, seguida de uma revolução industrial, com uma procura incessante de previsibilidade, segurança e crescimento. Entretanto, com a incerteza passou a ser necessário inovar, explorar e experimentar – por outras palavras, deixar a quinta ou a fábrica para ir à floresta caçar qualquer coisa ou apanhar umas bagas. Nesse caminho muitos descobrem que a integração da comunicação é feita não na empresa, mas na mente do consumidor e que cada um valida as histórias que percepciona, com a realidade e as pessoas que o rodeiam.
É uma ilusão acreditar que os gestores conseguem ter o controlo da comunicação de marketing. São, sim, um maestro que dirige uma orquestra de vários músicos e os únicos que sabem onde colocar os consumidores, na plateia a assistir, mas também no centro da orquestra para terem palco e brilhar. Algo me leva a crer que serão esses que, independentemente do nome/cargo, vão continuar a contribuir para o sucesso das empresas e organizações. O futuro o dirá.