Saltar das férias para a escola: como gerir a transição e emoções associadas?

Por Filipa Pimenta, psicóloga e co-autora da colecção infantil “PACTOR Kids”

A rotina do trabalho/escola é algo que não sobrevive às férias. Nestas últimas, relaxam-se os horários, mudam-se comportamentos alimentares, as actividades lúdicas e de ócio dominam as horas que se desenrolam sem alarmes para reuniões ou toques de campainhas de escola. As regras mudam, incluindo para com os mais pequenos. Há maior permissividade, mais concessões, alguns limites afrouxam. Reinam as actividades associadas a prazer, diversão e tranquilidade: poderá haver mais tempo nos ecrãs, o dia de brincadeira e jogos é mais longo porque a hora de deitar dilata-se, há mais gelados e bolas de Berlim. Nas férias, a maior parte das rotinas poderá ver-se deslocada para além do seu habitual limite, com maior ou menor distância deste, dependendo da força da onda da permissividade ou consentimento parental.

Porém, com o regresso à escola urge o retorno à rotina anterior. A hora de deitar é afixada mais cedo, a quantidade de gelado cai drasticamente, a oportunidade de mergulhos nas ondas e de passeios durante a manhã de um dia de semana extingue-se. E, com esta mudança, podem emergir reacções emocionais mais ou menos exuberantes. Mudar de repente o chip de modo-de-férias para modo-de-escola poderá gerar, em muitas crianças, emoções como zanga, tristeza, frustração e desilusão. Adicionalmente, o regresso às aulas pode implicar igualmente a gestão de alguns medos e ansiedade, tais como, lidar com professores novos, escola nova ou novos colegas de turma, ou ainda a antecipação de interacções difíceis. Então, como regressar à rotina, promovendo uma boa adaptação à mudança e uma boa autogestão emocional?

Antecipe. Uma semana antes da escola começar, é bom programar a hora de deitar e de acordar para o mesmo horário que a criança terá quando recomeçar a escola. Isto pode ser feito gradualmente e ajudá-la-á a entrar no novo horário mais tranquilamente. Pode haver alguma resistência por parte da criança ou demonstração de zanga perante a mudança. Nesse caso, ajude-a a compreender o que está a sentir, explique porque é importante esta alteração e auxilie na gestão dessa emoção.

Gira as emoções. O reconhecimento das emoções (ser capaz de dar nome à emoção que a criança está a sentir num determinado momento) e a validação das emoções (aceitar que as emoções são normais e que podem surgir em situações específicas) comunicam à criança que sentir emoções (mesmo a zanga ou a raiva) é aceitável. De seguida, poderá comunicar claramente os limites: é aceitável sentir-se zangada porque tem de ir um pouco mais cedo para a cama, todavia não é aceitável que atire um brinquedo contra a parede por se sentir zangada (a parede e o brinquedo deverão ser estimados). Pode ainda oferecer ajuda ou conforto, por exemplo, um abraço ou cinco minutos de leitura do livro preferido antes de apagar a luz.

Pergunte. Aproveitar a compra ou organização conjunta do material escolar para perguntar como a criança se sente com o regresso à escola. Ao perguntar demonstra interesse no mundo dela e confirma a sua disponibilidade para acolher o que vier (o entusiasmo, o medo, o aborrecimento, etc.).

Escute. Se a criança exprimir durante as férias ou no regresso à escola algum receio ou ansiedade com o mesmo, não o desvalorize. Esteja disponível para ouvir e perceber concretamente o que a inquieta. O receio prende-se com que parte da escola (sala de aula, recreio, refeitório, actividades extracurriculares)? Há medo que aconteça ou se repita alguma experiência desagradável? A origem do medo/ansiedade deve ser conversada e soluções exploradas.

Explore recursos pessoais. Na presença de alguma dificuldade relatada pela criança, procure identificar antecedentes de sucesso, ou seja, situações semelhantes onde a criança foi eficaz em gerir uma dificuldade e use-os como exemplo da capacidade dela. Podem ainda, em conjunto, desenvolver um plano para superar a situação temida, caso ela volte a acontecer. Sublinha-se que a expressão de um sofrimento psicológico exacerbado, com impacto no funcionamento pessoal, académico ou social, requer o apoio de profissionais de saúde, e nesses casos, procure ajuda.

Com antecipação, disponibilidade, escuta activa e apoio, o regresso à escola e às rotinas tende a ser tranquilo.

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