Viver a escola após o confinamento: Um desafio colectivo

A educação é um acto eminentemente relacional, sendo através da interacção que aprendemos. Quando nos referimos, mais especificamente, à educação escolar, é a interacção com os professores, com os pares, com o meio, que enriquece e faz aprender as nossas crianças e jovens. Quanto mais ricas e variadas forem essas interacções, melhor será a qualidade das aprendizagens que promovem.

A ameaça da Covid-19 levou-nos a um período de confinamento que alterou significativamente os nossos padrões de relacionamento e, também, as formas de interacção escolar. A educação passou a ser, de um modo forçado, em casa, e a presença de colegas e professores passou a ser à distância, uma presença mediada por um ecrã, com todo o empobrecimento que isso traz à relação pedagógica, factor tão importante na promoção de aprendizagens bem-sucedidas.

No pouco tempo disponível entre a decisão de fechar as escolas em Portugal e a necessidade de equacionar e operacionalizar modos de ensino à distância, professores, alunos e famílias foram-se adaptando da melhor forma possível a esta nova forma de viver a escola. Mas, felizmente, e fruto de um enorme esforço colectivo, vivemos, hoje, uma situação de transição. Num momento em que se discutem planos para um pleno regresso à normalidade, é expectável que os pais e as famílias se questionem sobre a integração das suas crianças e jovens nas novas rotinas de uma escola presencial que é, neste momento, e será, no futuro, necessariamente diferente daquela que sempre conheceram.

Para que esta integração possa ser o mais bem-sucedida possível, é importante reconhecermos, antes de mais, que terá que ser assumido um compromisso colectivo entre Governo, escolas e famílias, baseado nas aprendizagens que é imperativo que realizemos com esta crise Covid, cabendo a cada um destes elementos papéis distintos, mas complementares. Ao Governo caberá continuar a repensar as suas políticas educativas e revê-las à luz de uma questão fundamental: qual é o propósito da educação? Se a resposta a esta questão for, como se espera numa sociedade desenvolvida, que a educação tem que servir, como afirmava António Nóvoa, para tornar a vida (permito-me acrescentar, de todos) mais decente, não há dúvida que a tirania dos exames e dos rankings terá que ser revista. A escola não pode continuar a servir, maioritariamente, como rampa de lançamento para as Universidades, organizando-se numa empobrecedora sequencialidade regressiva, na qual o ensino superior é quem mais ordena.

Quanto às escolas, estas terão, naturalmente, como temos assistido neste regresso progressivo, que manter as medidas de higienização, continuar a repensar a organização dos espaços de aprendizagem por forma a ser possível manter um distanciamento de segurança entre todos e, sempre que possível, recorrer às áreas ao ar livre como espaços privilegiados deaprendizagem. Mas estas mudanças, embora fundamentais, não serão os maiores desafios para as escolas. Estas terão que adoptar modelos pedagógicos que permitam ao aluno uma maior autonomia, que fomentem a aprendizagem pela descoberta, baseada em problemas e desafios, que promovam a criatividade e desenvolvam talentos. Isto, para que a impossibilidade de usar uma sala de aula e um quadro branco nunca mais se venha a colocar como um obstáculo às aprendizagens dos alunos. Este será o verdadeiro desafio, pois que põe em causa o modelo escolar tradicional que temos mantido praticamente inalterado e inquestionado ao longo dos últimos dois séculos, que consiste em manter todos os alunos a aprender no mesmo espaço, ao mesmo tempo e da mesma forma, tratando a todos (apesar das suas inquestionáveis diferenças) como se fossem um só.

Por fim, às famílias caberá o importante papel de tranquilizar sem desvalorizar os perigos, comunicar com clareza e assertividade e confiar na capacidade de adaptação e resiliência das crianças e jovens. É fundamental informá-los dos perigos que correm, sem alarmismos, e ensinar-lhes o que fazer para se prevenirem.

Assegurada esta questão, é igualmente importante fazermos ver aos nossos filhos que distanciamento social não significa distanciamento emocional. Mostrar que é preciso, para o nosso bem e de todos aqueles com quem nos relacionamos, cumprirmos com regras exigentes no convívio que temos uns com os outros, mas que esse convívio é desejável, saudável, salutar e imprescindível para que possamos continuar a crescer e a desenvolver-nos. Que esta crise não atrofie a nossa capacidade de sermos humanos, em toda a plenitude desta condição, e não nos encerre no medo irracional que paralisa. Que esta crise possa ser, para todos nós, uma oportunidade de crescimento, desenvolvimento e superação.

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