«Os recém-nascidos não trazem livro de instruções»
Quais as principais preocupações reveladas pelos pais quando estão a levar o bebé para casa?
No momento da alta hospitalar, os pais vêem-se a braços com um recém-nascido, uma nova realidade resultante de um projecto de vida onde foram depositadas muitas expectativas. As dúvidas são muitas, principalmente se estamos a falar de pais de “primeira viagem” (primeiro filho). As principais preocupações que manifestam prendem-se com os cuidados ao bebé. Salientaria: a amamentação, o peso do bebé, o sono, os cuidados de higiene, as visitas de outras pessoas nos primeiros dias e o protocolo de vigilância de saúde – periodicidade de consultas e vacinação, por exemplo.
A nível de saúde do bebé, quais os principais receios? E quais as principais dúvidas?
Da experiência de cerca de 15 anos a lidar com mães e recém-nascidos, as dúvidas relativamente à saúde do bebé mantêm-se quase inalteráveis. Prendem- se essencialmente com o saber se o seu bebé terá um desenvolvimento normal, se vai perder mais peso que o expectável na primeira semana de vida e também com o aparecimento da icterícia (tom amarelado da pele e da esclerótica provocado pela elevação da bilirrubina) que, salvo raras excepções e que podem ser identificadas no nascimento, é uma situação fisiológica e que aparece em cerca de metade dos recém-nascidos durante a primeira semana de vida.
Actualmente, a gravidez é vivida a dois (pela mãe e pelo pai). O pai coloca questões? E quais as questões mais comuns colocadas?
De facto, com a evolução e com os estilos de vida actuais são cada vez mais os casais que optam por ter apenas um filho. Ora, esse filho será muitas vezes um depósito de expectativas, desejos e ambições dos próprios pais.
Observa-se nos últimos anos uma participação do pai em todo o processo do nascimento. Desde o acompanhamento da grávida às consultas, à participação activa nos cursos de preparação para a parentalidade e nascimento, estar presente no parto e acompanhar o recém-nascido nas consultas de vigilância, todos estes factos comprovam a presença do pai em todo este processo. Longe vão os tempos em que o nascimento e os cuidados perinatais seriam “assuntos de mulheres”, daí hoje em dia utilizarmos muitas vezes a expressão de “casal grávido” e não apenas de grávida. Efectivamente é o casal que está grávido e que está a experienciar aquela mudança nas suas vidas. Dado que o tão nobre acto de amamentar é exclusivo das mães, os pais tentam complementar os cuidados ao recém-nascido nos primeiros dias, daí ser comum serem os pais a colocarem mais questões sobre os cuidados de higiene do bebé. Outro aspecto que é comum serem os pais os primeiros a questionar é a questão da segurança do bebé no transporte.
A amamentação é uma questão crucial. Quais os maiores receios e dúvidas que as mães apresentam neste capítulo?
A amamentação é provavelmente a questão que suscita mais dúvidas nas mães. Os maiores receios prendem-se principalmente com dois factores: a sua própria capacidade para o fazer e as características do seu leite, ou seja, quantidade e qualidade. Teoricamente, todas as mães saudáveis são capazes de amamentar e têm condições para isso, o que se verifica na prática é que, para que haja um maior sucesso na amamentação, esta questão deve ser trabalhada logo desde o nascimento. Passa pelo contacto que o bebé tem com a pele da mãe, sentindo o cheiro, estimulando reflexos e promovendo a sua busca espontânea. Mesmo os bebés que necessitam de complementar as refeições com leite artificial devem ser estimulados a mamar antes deste leite, caso esse seja o desejo da mãe obviamente. O leite materno (de mães saudáveis) não tem contra-indicações e será sempre o melhor alimento que podem oferecer ao bebé. A questão da qualidade é totalmente ultrapassada, o colostro (o leite inicial) tem todos os nutrientes e compostos que o recém-nascido necessita, independentemente do seu aspecto. Em tom de brincadeira digo às grávidas que nesta fase a mama tem um defeito: não ser transparente, nem graduada. Muitas mães enveredam pelo leite de fórmula ou extraem o seu leite com bomba e oferecem-no por biberão para poderem quantificar o leite que o bebé ingeriu e assim ficarem mais tranquilas. De facto, um bebé que é amamentado em exclusivo, se tem um aumento de peso harmonioso (após a perda de peso da primeira semana), se fica tranquilo depois de mamar e se se verificam micções nas mudas de fralda, então o leite da mãe é efectivamente suficiente.
Pode indicar alguns conselhos/ /recomendações para a adaptação dos pais à nova dinâmica ditada pela chegada do bebé?
Esta é uma pergunta ambiciosa, porque cada casal, cada bebé e cada família são únicos. No entanto, o casal tem de perceber que chegou um novo ser que em muitos aspectos vai corresponder ao que pretendiam, mas em muitos outros não. Os recém-nascidos não trazem livro de instruções e, portanto, será o factor tempo que vai determinar esta adaptação. Devem estabelecer o papel de cada um nos cuidados ao bebé e nas rotinas da casa, não sendo intransigentes neste processo. Devem aproveitar para descansar o mais possível, aproveitarem quando o bebé dorme para dormirem também, principalmente na primeira semana.
Quando falo com os casais no momento da alta saliento, também, que o casal existe para além do bebé, e gradualmente devem retomar a vida de casal, porque o novo bebé vai necessitar dos dois, saudáveis e em harmonia.