Falar de emoções
Crianças empáticas, capazes de respeitar os sentimentos das outras pessoas e de lidar com todo o tipo de emoções, ou seja, com uma inteligência emocional bem desenvolvida e saudável. Mas, concretamente, o que é a inteligência emocional e qual o papel que desempenha no desenvolvimento da criança? A psicóloga clínica Susana Martinho explica este conceito e de que forma influencia os comportamentos da criança na infância e, posteriormente, na vida adulta.
Susana Martinho começa por nos definir o conceito de inteligência emocional «como a capacidade de identificarmos os nossos próprios sentimentos e os dos outros, para além de gerir bem as emoções dentro de nós, como nos diz Daniel Goleman (1988), no seu livro “Inteligência Emocional”, defendendo que a inteligência emocional treina-se». Por outras palavras, uma pessoa emocionalmente inteligente conhece e identifica as suas emoções, faz uma gestão dessas mesmas emoções nas mais variadas situações, controla sentimentos como a frustração e sente empatia e aceitação por si próprio e pelas pessoas à sua volta.
A importância da empatia
Por estas razões, é importante estimular o desenvolvimento da inteligência emocional nas crianças, mas tal torna-se fundamental quando acrescentamos a capacidade de falar sobre emoções e como irá influenciar a vida adulta dos mais pequenos. A psicóloga explica que a inteligência emocional «tem uma importância fulcral nos nossos dias, as crianças precisam de saber falar de emoções e, mais importante ainda, de as identificar em si mesmas. Quando, em 1995, a revista “Time” colocou na capa o título que referia que, afinal, não é o nosso QI que vai garantir o sucesso profissional, revolucionou tudo, abriu-se finalmente a porta para se falar de emoções nos jardins-de-infância, nas escolas, nas empresas, onde, agora, muitas já assumem novas formas de recrutamento, falam na “out of the box”, onde dão importância a um perfil com mais inteligência emocional».
Uma educação focada no desenvolvimento emocional na infância pode então ter repercussões na vida adulta, até porque «de que serve criarmos alunos com notas de topo, se estes não conseguirem gerir as suas emoções»? Aliás, a falta de empatia pode, inclusive, representar uma dificuldade acrescida na vida adulta das crianças. Tudo porque a falta de empatia significa ausência de reconhecimento do código emocional e falta de capacidade para interacção social, avança a psicóloga. Mais: «Uma criança que não compreende as emoções, não desenvolve relações empáticas e poderá comprometer o seu desenvolvimento psicossocio-emocional”.
Partilha de emoções
Por seu turno, um bom desenvolvimento da inteligência emocional na infância pode levar-nos à formação de adultos com boa capacidade de comunicação, respeito por si próprios e pelos outros, capazes de desenvolver projectos benéficos para o futuro e para o desenvolvimento da comunidade. E, nesse sentido, é crucial que na infância a inteligência emocional seja incentivada e estimulada, como nos diz Susana Martinho, pois esta «está relacionada com o sucesso escolar e profissional, com a capacidade para lidarmos com as adversidades da vida, onde surgem situações de stress e ansiedade».
Mas de que forma podemos estimular a inteligência emocional nas crianças? De acordo com a psicóloga «de tantas e variadas formas. Apelo, muitas vezes, aos pais para brincarem, inventarem jogos, serem criativos, dinâmicos, audazes, promovo, acima de tudo, partilha de emoções, através de momentos em que estão em relação com os seus filhos, ao ar livre, a brincar, nas refeições, no banho, carro… sem tecnologia. Educar não é uma tarefa fácil, não há receitas, mas, sim, orientações, estratégias, costumo dizer que se o afecto e a firmeza dos pais andarem de mãos dadas já é muito bom. Depois junta- -mos o caldeirão das emoções e temos estímulos permanentes.»
Treino da inteligência emocional
Outra questão que a maioria dos pais coloca é a partir de quando devemos estimular as crianças e as suas emoções. Neste ponto, a psicóloga é bastante clara: «Desde o berço, o jogo mais delicioso na vida dos pais começa quando seguram o seu bebé e iniciam a troca recíproca de sons, de expressões, quando há o reconhecimento de um rosto, de um som, da voz, a partir daí temos os alicerces que nos facilitam o treino da inteligência emocional.»
Quando falamos de emoções, referimo- nos a sorrisos, mas também a lágrimas e por esse motivo, há uma tendência para as pessoas fazerem uma distinção entre emoções positivas e negativas. Neste ponto, Susana Martinho esclarece que as emoções não são boas, nem más, positivas ou negativas. «Fomos educados para não mostrar o lado da tristeza, vive- -se num mundo em que parece obrigatório sermos felizes.»
Por essa razão, a psicóloga afirma que «devemos estimular as crianças a expressar e falar de sentimentos, para que consigam identificar melhor as suas potencialidades e fragilidades. Falamos muito na alegria e em ser feliz; e colocamos a tristeza debaixo do tapete. Não pode ser, a tristeza também tem de ser vivida, sentida e expressada, para que se equilibrem as emoções. A raiva e o medo são emoções cruciais para a natureza humana, que não tem uma linha recta de felicidade, mas, sim, uma linha curva que se deve fazer, identificando todas as emoções».
Despertar mentes
Dentro desta linha de pensamento, obviamente que o papel da família é crucial, até porque é no ambiente familiar que começa a sensibilização e a aprendizagem do código das emoções tão importante para o sucesso de cada um de nós, salienta Susana Martinho. Mas será que a sociedade, de uma forma geral, está consciente da importância da inteligência emocional? A psicóloga afirma que «em Portugal existem já muitas escolas a colocar o papel das emoções e dos sentimentos numa linha de destaque, já estão mais focadas e mais sensibilizadas» para esta questão. No entanto, na opinião de Susana Martinho, podem realizar-se «mais debates, palestras, criar mais espaços de partilha», ou seja, veicular mais informação para despertar todas as mentes para o facto de as emoções faladas e sentidas, hoje, serem a base dos adultos bem-sucedidos do amanhã.