As crianças em tempo de confinamento

O risco de infecção em crianças tem dois aspectos diferentes: o risco para elas próprias e o risco para os pais ou cuidadores.

Para as crianças o risco é baixo e uma revisão sistemática confirma que, entre os infectados, apenas 1 a 5% são crianças e que nelas a evolução é mais benigna e os casos muito graves ou fatais são extremamente raros (Ludvigsson 2020).

Para os adultos os riscos são, como se sabe, bem maiores, e numa perspectiva de proteger os cuidadores, esses mesmos riscos envolvem, directa ou indirectamente, as crianças, ou por serem portadores assintomáticos, ou por poderem ter aqueles que os cuidam e amam, doentes.

Por tudo isto as crianças têm de entrar nos esquemas de protecção e de isolamento social dos adultos, e, neste sentido, põem-se logo dois problemas: como lhes explicar a situação? Como as manter saudáveis?

A Academia Americana de Psiquiatria do Adulto e do Adolescente e o Centro de Controlo de Doenças (CDC) e eu própria damos uns conselhos muito úteis:

• Crie um ambiente em que possam surgir perguntas;
• Responda às perguntas honestamente sem complicar;
• Use palavras e conceitos simples adequados à idade da criança;
• Explique com factos concretos; prepare- se para explicar as coisas várias vezes de modo a dar segurança;
• Tenha em conta e dê importância às suas opiniões, dúvidas e sentimentos;
• Saiba que as crianças tendem a personalizar as situações (pensar que familiares e amigos vão morrer, por exemplo) e por isso ensine-as a não dramatizar;
• Não dê informações irrealistas ou que sejam impossíveis;
• Explique que, apesar de haver pessoas doentes, há muita gente a tratar delas e a “salvar” muitas pessoas;
• Não se esqueça que as crianças vão aprender com os comportamentos dos adultos e estão atentas ao que diz; seja um bom exemplo e ensine-as a lavar as mãos frequentemente;
• Não as deixe ver muita televisão e muito menos imagens aterradoras;
• As crianças que tiveram doenças prolongadas vão estar mais vulneráveis nesta fase e necessitam de apoios extra;
• Esteja atento a comportamentos que podem indicar necessidade de apoio de um profissional, designadamente, alterações do sono, pensamentos intrusivos, medo recorrente de doença ou morte, relutância em deixar os pais;
• Não se esqueça que as crianças gostam de ser crianças e, portanto, de brincar, e que por isso não precisam estar a par de tudo o que se passa no mundo;
• Ajude as crianças a manterem-se activas fisicamente, com tempos de ginástica ou dança dentro de casa, algumas vezes por dia, ou passeios a pé e de bicicleta, se forem possíveis, no exterior;
• Ajude-as a manterem-se activas intelectualmente, inventando jogos, brincadeiras, lendo histórias, ou outras coisas que aumentem a coesão entre os membros da família;
• Mantenha as relações sociais das crianças através de vídeo-chamadas com amigos ou familiares, bilhetinhos ou cartas;
• Tenha controlo e cuidado em relação às redes sociais, e à possível criminalidade a elas associada, sem, no entanto, proibir liminarmente o acesso a redes sociais;
• Tenha controlo em relação ao uso de telemóvel e, sobretudo, às mensagens durante a noite;
• Estabeleça limites em relação aos períodos de inactividade associados a jogos virtuais e televisão; não se esqueça que este tipo de inactividade favorece o aumento de peso;
• Controle a alimentação, que deve ter refeições regulares a horas certas, com fruta e vegetais; hidratos de carbono e gorduras em quantidades moderadas, poucos ou nenhuns refrigerantes. Não se esqueça que esta época é propícia ao aumento de peso;
• Tenha atenção aos horários de dormir e de acordar. Há tendência a ter horários mais tardios, mas o “tarde” tem limites. Se o adormecer ocorrer depois da 1h da manhã, se houver noites em claro e/ou acordares tardios deverá recorrer a apoio de profissionais;
• Tenha atenção ao sono designadamente à autonomia (ser capaz de adormecer e dormir sozinho/a), à duração (dormir de mais ou de menos é mau), à qualidade do sono e do acordar, e à existência de fenómenos associados (pesadelos, ressonar, fazer chichi na cama, fazer coisas bizarras, cair da cama, gritar, etc.);
• Tenha atenção à exposição à luz solar (excelente e necessária ao longo do dia e sobretudo de manhã) e à luz dos telemóveis e computadores (nefasta ao fim do dia/ princípio da noite);
• Ensine as crianças a lidar com o stress e as contrariedades, porque ficarão mais fortes e mais preparadas para a vida futura, se o souberem fazer;
• Tente retirar de tudo isto aspectos positivos e ensine as crianças a fazê-lo; use a crise como tempo de aprendizagem, de reflexão e de mudança e leve consigo as crianças nesse caminho.

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