Alimentação vegetariana na infância?
As dietas vegetarianas, tais como a dieta ovo-lacto-vegetariana (exclusão de carne, peixe) e a dieta vegana (exclusão de todos os grupos alimentares de origem animal) têm sido avaliadas quanto ao seu potencial para atender com segurança aos altos e específicos requisitos nutricionais de crescimento e desenvolvimento das crianças. Correspondendo a infância aos primeiros 10-12 anos de vida, este é um período de grande desenvolvimento e crescimento. Recorde-se que, durante o primeiro ano de vida, a criança triplica o seu peso e duplica o seu comprimento, sendo que tal nunca mais se repete ao longo da vida. Mas mesmo nos anos seguintes, a velocidade de crescimento e desenvolvimento é singular. A infância corresponde, por isso, a um período muito exigente em termos nutricionais.
Por motivações várias – saúde, ética, religião – há cada vez mais praticantes de uma dieta vegetariana, sendo natural incutir este padrão alimentar nos seus filhos. Contudo, tratando-se de um padrão alimentar onde predominam os alimentos de origem vegetal, podendo ou não incluir lacticínios ou ovos, surgem frequentemente dúvidas se será um padrão alimentar adequado para esta fase tão peculiar do ciclo de vida. No entanto, várias sociedades científicas e especialistas na área da nutrição infantil são unânimes em concordar com a sua adequação, embora no caso da dieta vegana as opiniões internacionais não sejam tão consensuais. É possível fazer uma alimentação vegetariana que seja completa, equilibrada e variada, de preferência, utilizando ingredientes vegetais de origem nacional, respeitando a sua sazonalidade, fazendo com que seja uma alimentação simultaneamente saudável e sustentável.
Os nutrientes essenciais ao crescimento e desenvolvimento saudáveis estão presentes numa grande diversidade de alimentos, ainda que a sua biodisponibilidade (ou seja, a quantidade de nutriente que fica realmente disponível para suprir as necessidades fisiológicas) não seja igual em todos os alimentos. Um exemplo paradigmático é o do ferro e do zinco, em que a sua biodisponibilidade, quando proveniente de alimentos de origem vegetal, é substancialmente inferior, pelo que a sua ingestão deve ser em maior quantidade e acompanhada com alimentos que promovam a sua biodisponibilidade (por exemplo, alimentos ricos em vitamina C). Há, também, alguns nutrientes que estão ausentes ou não estão presentes em quantidades suficientes nos alimentos de origem vegetal – por exemplo, a vitamina B12, a taurina ou creatinina –, sendo recomendável a ingestão de alimentos fortificados, ou mesmo o recurso à suplementação.
Uma alimentação vegetariana saudável deve incluir, numa base diária, cereais, de preferência integrais, fruta fresca e produtos hortícolas, leguminosas, frutos gordos e sementes. Os ovos e os produtos lácteos, quando permitidos, são fontes muito importantes de vários nutrientes, nomeadamente vitamina B12 e cálcio. Os pseudocereais (quinoa, amaranto, trigo sarraceno), além de hidratos de carbono, fornecem quantidades interessantes de proteína e de alguns minerais, havendo interesse em que estejam presentes neste padrão alimentar.
O aporte energético deverá ser adequado a cada idade, sendo a sua adequação validada pela monitorização do crescimento da criança. E numa fase de crescimento tão acelerado, a adequação do aporte proteico é também essencial. Numa dieta vegetariana, a proteína encontra-se nas leguminosas, nos cereais, nos pseudocereais, nos frutos gordos, nos ovos e nos lacticínios. Para regimes alimentares que excluam os lacticínios, poderão incluir bebidas ou iogurtes vegetais. A combinação de diferentes alimentos é importante para se obter complementaridade proteica – o exemplo típico da combinação do feijão com arroz.
Relativamente à gordura, há que ter atenção ao aporte adequado de ácidos gordos polinsaturados de cadeia longa (ómega 3 e ómega 6). Estes encontram-se nos frutos gordos e nas sementes, mas, caso não sejam ingeridos em quantidades adequadas, será necessária a sua suplementação, para garantir um adequado desenvolvimento da criança.
Em relação aos micronutrientes, deve ser prestada particular atenção ao ferro, ao zinco, ao cálcio, ao iodo, à vitamina B12 e à vitamina D, por serem aqueles cuja probabilidade de carência é mais eminente e as consequências da deficiência nestes nutrientes são muito graves. E, novamente, sempre que necessário, devem ser incluídos alimentos fortificados ou mesmo equacionada a suplementação.
Os estudos científicos que têm analisado o efeito das dietas vegetarianas na saúde têm sido maioritariamente realizados em populações adultas, e as evidências científicas sobre os efeitos na saúde das crianças é ainda menor. Mesmo assim, as evidências indicam que a dieta vegetariana é possível na infância, e, à semelhança do que acontece em crianças com um padrão omnívoro, deve ser garantido o aporte nutricional adequado, para que não haja comprometimento do crescimento e desenvolvimento. É muito importante o seu adequado planeamento e seguimento por um pediatra e nutricionista, para evitar qualquer défice nutricional.