Clipping: diz-me o que copias, dir-te-ei quanto pagas

Uma decisão do Tribunal da Propriedade Intelectual vai mudar de forma ímpar a forma como as empresas de clipping têm vindo a actuar. O caso em questão opunha a Visapress – entidade colectiva de gestão de direitos de autor que integra a generalidade da imprensa em Portugal (incluindo a Marketeer) -, e três empresas de clipping: a Cision Portugal, a Manchete e a Clipping. A acção tinha sido interposta em 2013.

As empresas de clipping foram condenadas em tribunal a pagar às publicações de onde copiam os conteúdos. Trata-se de uma sentença que vem dar razão a uma exigência antiga do sector da imprensa.

Na verdade, sublinha Vítor Palmela Fidalgo, director de PI – Propriedade Intelectual, da Inventa International, «havia uma circular do IGAC desde 2011 que dizia que as empresas de clipping deviam pagar a utilização dos direitos de autor». Mas isso nunca era levado a cabo, por duas razões. «Por um lado, as empresas de clipping diziam que estava aqui em causa a liberdade de informação – o que é estranho porque, se assim fosse, eu poderia chegar a uma banca de jornais e dizer que quero ler o jornal sem pagar, alegando a liberdade de informação. Por outro, escudavam- -se em algumas excepções como a revista de imprensa.» Isto, porque a revista de imprensa é uma excepção ao direito de autor que se baseia em informação sobre os títulos dos jornais e sobre o que é que cada jornal traz neste momento. «Não é recortar ou reclassifi car, arranjando para um cliente específico aquelas notícias que o cliente quer. Isso é outra coisa e não é revista de imprensa. As empresas de clipping revendem informação recortada e customizada para aquele cliente.»

O serviço de clipping tem, no imediato, três consequências, lembra Vítor Palmela Fidalgo: a esse trabalho não é associada a publicidade que está no jornal, ou seja, as empresas deixam de vender publicidade; aqueles que lêem jornais vão deixar de comprá-los porque não precisam, já que fazem uma assinatura com a empresa de clipping e recebem as notícias que querem; e depois há a questão da sustentalidade do negócio do jornalismo – os meios de comunicação social estão em crise profunda e, muitas vezes, devido à falta de sustentabilidade, não há isenção porque fi – cam reféns de certos interesses.

«Por isso, se queremos bom jornalismo, que seja pago em conformidade, onde haja investimento em recursos humanos e em reportagens que valham a pena, temos de remunerá- los em conformidade», alerta o responsável da Inventa International.

Ou seja, o que se está a passar há anos, é que as empresas de clipping compilam informação que está nos jornais e enviam essa informação catalogada e direccionada a certos clientes, públicos ou privados. «Não existia qualquer tipo de remuneração a essas obras que estão nos jornais, nos títulos dos jornais, e que são da titularidade das próprias empresas editoras ou jornalísticas», explicou, deixando claro que, como profi ssional, não tem qualquer interesse no processo, nem nunca deu pareceres sobre a matéria.

Para mudar esta situação nascia, em 2009, a Visapress – Gestão de Conteúdos dos Media. Pessoa colectiva de utilidade pública constituída para a protecção e gestão integrada do conteúdo patrimonial dos direitos de autor, designadamente dos proprietários de jornais, revistas e outras publicações periódicas.

«É muito difícil para um individual (seja empresa ou sujeito) tentar ir buscar o valor às entidades. O que se faz é organizarem-se entidades de gestão colectiva – e a VisaPress é uma – que gere os direitos de autor dos editores de jornais em seu nome. E depois faz a distribuição perante os seus associados», explica o mesmo profissional.

Segundo Vítor Palmela Fidalgo, o que se passava com os media e as empresas de clipping tinha muitas semelhanças com o que se passara na música. «Se uso uma música para fi ns comerciais (e não privado) tenho de pagar os direitos de autor sobre isso. Aqui é exactamente o mesmo», sublinha.

Depois da sua criação, a associação tentou, através de cartas, regularizar a situação perante as empresas de clipping. Só foi possível fazê-lo com algumas.

Antes da saída da decisão do tribunal, as empresas que estavam a cumprir com o pagamento de direitos de autor para a comercialização dos serviços de clipping eram a MediaMonitor, a News Search – Estudos de Mercado, a Press Power, a Unipessoal, a Surpriseevolution e a Invisible Meaning, enumera Carlos Eugénio, director executivo da Visapress, garantindo que para o cálculo do valor a pagar é usada a tabela de preços. Uma tabela que indica, de resto, que o valor a pagar é o correspondente a 4,5% do negócio do clipping, «logo será sobre a verba cobrada relativamente à actividade que estas entidades levam a cabo», explana Carlos Eugénio.

O modelo tem vindo a ser seguido em vários países da Europa. «Seguimos as boas práticas da UE. Não existe uma posição dominante. A taxa aplicada é totalmente razoável. Não vai para além daquilo que era expectável », assegura Vítor Palmela Fidalgo.

O responsável da Visapress explica que o pagamento do licenciamento das entidades que fornecem o serviço de clipping, normalmente é efectuado com base mensal. No entanto, uma vez que a metodologia de cálculo incide sobre os valores do ano transacto, estas entidades podem sempre efectuar o pagamento anual. O pagamento às publicações periódicas representadas pela Visapress, desde a criação desta entidade em 2010, sempre foi efectuado uma vez por ano. «A distribuição destas verbas está conforme o nosso regulamento interno, ou seja, é calculado pelo valor da circulação total (vendas+ofertas), pró -rateado pelos representados na Visapress», explica Carlos Eugénio.

No entanto, apesar dos acordos referidos a maioria destas empresas, incluindo a maior do mercado, não pagava direitos sobre a utilização destas obras. O que deu azo a que a situação chegasse a tribunal e que, recentemente, este tenha dado razão à Visapress.

O tribunal estabeleceu o pagamento do retroactivos até Maio de 2015. «Estamos a desenvolver contactos para o pagamento do valor do tempo até à prolação da sentença e, caso não cheguemos a um acordo, avançaremos para a liquidação de sentença conforme foi decidido pelo tribunal», garante o director executivo da Visapress. Mas, a condenação do tribunal foi referente apenas a três empresas de clipping. Neste momento, «estamos a efectuar uma campanha nos principais meios portugueses para sensibilizar e fomentar o licenciamento de quem utiliza conteúdos representados pela Visapress», conta. Foram também enviadas cartas para organizações já anteriormente contactadas a dar conhecimento da sentença e da obrigatoriedade do licenciamento. «Relativamente às entidades que se recusem a efectuar o licenciamento pela utilização dos nossos conteúdos, utilizaremos todos os meios ao nosso dispor para que efectuem o licenciamento de forma voluntária. Não pouparemos esforços para que o façam por via dos meios legais existentes no ordenamento jurídico português», adverte o director executivo da Visapress.

Sustentabilidade financeira dos media

Carlos Eugénio acredita que a decisão do Tribunal da Propriedade Intelectual é de uma importância ímpar para o direito de autor em Portugal, sendo inequívoca relativamente à protecção dada às publicações periódicas conforme o legislador fez na década de 60 do século passado, aquando da criação do primeiro código do direito de autor português.

«A obrigatoriedade de remuneração por via do direito de autor, que esta decisão torna clara, vem suprimir uma necessidade premente que as publicações periódicas têm de monetizar a utilização dos conteúdos produzidos e publicados diariamente», comenta. E explica que «a digitalização que os tempos modernos trouxeram às publicações periódicas infelizmente não foi acompanhada por modelos de negócio que consigam tornar sustentável esta indústria». Mais, acrescenta, «potenciou a disseminação de conteúdos de uma forma nunca antes vista, mas sem que quem cria, produz e distribui seja remunerado por tal».

O responsável acredita que «o licenciamento da utilização dos conteúdos por via do direito de autor surge como uma possibilidade de colmatar as quedas nas vendas que o analógico/papel têm trazido, ano após ano, permitindo efectivar uma aposta na investigação e desenvolvimento tornando o digital cada vez mais sustentável». Também Vítor Palmela Fidalgo acredita que esta decisão do tribunal irá repor um pouco de justiça. «Toda a gente se aproveita de tudo e ninguém quer pagar», acrescenta.

Edição de Dezembro de 2019 da revista Marketeer.

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