Presidente da Emirates Airlines põe segurança da Boeing em causa
Os comentários de Sir Tim Clark surgem no momento em que a Boeing está a ser atingida por uma crise
“A crise de segurança que afecta a Boeing está a ser preparada há mais de uma década”, afirmou o chefe da maior companhia aérea internacional do mundo. Sir Tim Clark afirmou que os problemas do gigante aeroespacial começaram há 10 ou 15 anos, quando, segundo o próprio, a empresa começou a concentrar-se nos lucros em vez de se concentrar na excelência da engenharia.
“A pressão para obter cortes nos custos dos fornecedores e subcontratar trabalhos, que a Boeing tinha anteriormente realizado internamente, voltou a assombrar a empresa com a explosão de um painel de uma porta defeituoso, presente num 737 Max, em Janeiro”, afirmou.
Na conferência da Associação Internacional de Transporte Aéreo (IATA) que se realizou no Dubai, Sir Tim acrescenta que a Boeing não tinha “nenhuma boa razão para fazer impiedosamente cortes de custos” que, segundo ele, lançaram a cadeia de suprimentos em turbulência, particularmente porque começaram esses cortes na altura em que deram inicio à produção do novo 787 Dreamliner.
“O modelo de governação da Boeing passou a centrar-se mais nas exigências da Plc e em todos os indicadores financeiros, cujos resultados estamos agora a enfrentar. Na altura, pensaram, provavelmente, que podiam fazer coisas maravilhosas, reduzir os custos e ser eficientes. Mas se passarmos 10 ou 15 anos a tentar eliminar a nossa cadeia de abastecimento, é provável que comecem a surgir problemas de qualidade. Na nossa actividade, não se pode tirar os olhos da bola. Certamente que os fabricantes não o podem fazer. As finanças não são difíceis. A engenharia é que é”.
O incidente de Janeiro, que envolveu um avião da Alaska Airlines a voar a 16.000 pés, desencadeou uma investigação por parte da Administração Federal da Aviação (FAA). Desde então, a FAA limitou as taxas de construção do 737, instalou funcionários nas linhas de produção da Boeing e dos seus fornecedores e ordenou que o fabricante procedesse a uma revisão profunda dos procedimentos de controlo de qualidade.
O director financeiro da Boeing, Brian West, admitiu recentemente que os seus clientes tinham ficado “frustrados e desiludidos” com os problemas de produção. Sir Tim, por sua vez, sublinha que, por volta de 2011, manifestou a sua preocupação com o facto do trabalho da Boeing estar a ser “distribuído por todo o mundo” e com a tentativa de reduzir os custos dos fornecedores em 15pc.
E acrescentou: “Eu disse para termos cuidado com isto. A Boeing tem uma força de trabalho dinástica e eles vão cumprir o prometido. E depois apercebemo-nos da pressão sobre a cadeia de abastecimento. Os fornecedores vieram ter connosco e disseram-nos que não podíamos fazer isto. E assim continuou”.
O responsável alertou para o facto de a indústria aeronáutica mundial enfrentar agora um hiato de cinco anos, enquanto a Boeing resolve as suas deficiências. “Os problemas na cadeia de abastecimento também estão a ter um efeito de arrastamento na Airbus, que está a ver as linhas de montagem, em França e na Alemanha, afectadas”, disse Sir Tim. Alguns fornecedores estão também a dirigir os seus esforços para os contratos militares, cuja procura foi estimulada pela guerra na Ucrânia, aumentando ainda mais a pressão sobre os calendários de produção de aeronaves civis.
“A mensagem para a Boeing é absolutamente clara. Quer seja por parte da FAA, do Conselho Nacional de Segurança dos Transportes ou do governo americano, a Boeing tem de resolver os seus problemas de capacidade de produção e de qualidade. Precisam de dar um passo atrás e perguntar “o que é que fizemos de errado nos últimos 10 ou 15 anos e como é que vamos resolver isso?” Se o fizerem, todo o processo pode ser recuperado, corrigido e podemos voltar a pôr as coisas no sítio onde têm de estar,” refere.
Sir Tim afirmou ainda que a Boeing deveria ter tomado as rédeas da situação na sequência de dois acidentes mortais com o avião 737 Max, que ocorreram depois de o software instalado pela empresa ter interferido com a capacidade dos pilotos para pilotar o avião. O Max foi imobilizado durante quase dois anos enquanto a Boeing corrigia o problema.
“Depois do Max, disseram que não voltaria a acontecer, mas depois a porta rebentou. Tendo em conta o que estamos a fazer, a segurança deve ser incutida nesta actividade. Nunca me passou pela cabeça que fizessem outra coisa”.
No mês passado, o Departamento de Justiça dos Estados Unidos apresentou um processo acusando a Boeing de violar as suas obrigações num acordo de 2021 que a protegia de processos criminais por causa dos acidentes, na sequência do incidente com a Alaska Airlines.
Um porta-voz da Boeing disse que iria colaborar com as autoridades, acrescentando: “Acreditamos que honrámos os termos desse acordo e aguardamos com expectativa a oportunidade de responder ao Departamento sobre esta questão”.