Portugal: destino turístico, sim ou não?

O Hotel Dom Pedro Palace, em Lisboa, acolheu no passado dia 20 de Outubro o pequeno-almoço debate da revista Marketeer dedicado ao universo do turismo. Com o ano a chegar ao fim urge estabelecer metas e prioridades. No horizonte, a realização do primeiro Fórum do Turismo dedicado a Lisboa.

Texto de Sandra M. Pinto

Fotos de Paulo Alexandrino

Na moda, Lisboa e Portugal vivem numa encruzilhada entre um presente feito de hotéis lotados e aviões cheios e de um futuro com incógnitas relativamente à manutenção, ou não, na linha da frente do mercado turístico europeu, e mundial em última análise. O que vai mudar com a entrada em vigor da nova taxa de turismo? Será ela a porta de entrada para a implementação de novas “taxas e taxinhas” nas mais diversas áreas ligadas directa ou indirectamente ao turismo? Será esta a nova forma de gerar recursos e verbas para o Estado?

Com o fim do ano à porta e um cenário político em constante devir devido aos resultados das últimas eleições legislativas, tudo está em aberto. As expectativas são muitas e as dúvidas não são menos. Em cima da mesa está o desafio de aproveitar a boa fase do turismo nacional, fazendo com que a mesma se prolongue no tempo, sedimentando-se como efectiva e regular. Mas como vamos conseguir isto, sem que nos tornemos menos exigentes relativamente ao tipo de turismo que oferecemos e ao género de turistas que queremos captar. «Lisboa está a saque», ouviu-se no início deste pequeno-almoço, afirmação pertinente que congrega em si grande parte das questões debatidas actualmente pelo sector do turismo em Portugal.

Tema que, entre outros, serviu de ponto de partida à discussão durante o pequeno-almoço, que teve lugar no Hotel Dom Pedro Palace, em Lisboa, e onde estiveram presentes: Nuno Ferreira Pires (administrador do grupo Pestana), Gonçalo Rebelo de Almeida (administrador do grupo Vila Galé), Álvaro Covões (director da Everything is New), Diamantino Pereira (director da Agência Abreu) e Frederico Costa (presidente da Visabeira Turismo). Com a finalidade de se alcançar um debate mais aprofundado por parte de todos, foi decidido que nenhuma das intervenções seria atribuída directamente no texto.

Seremos ou não um país turístico?

Havendo à volta da mesa intervenientes que não têm as suas operações apenas em Lisboa e no Porto, antes mantendo estreitas relações com outras quatro ou cinco zonas do País que têm já um fluxo grande, «a primeira dúvida é saber se essas regiões se vão desenvolver, e se, efectivamente, o deverão fazer em termos turísticos», no fundo, será que todas as regiões, todos os concelhos, têm um potencial turístico que deve ser desenvolvido ou incentivado. Se chegarmos à conclusão que não, «quais é que devem ver o seu potencial turístico incrementado e porquê». Lisboa, Porto, Algarve, Madeira e agora os Açores são as regiões cuja vertente turística tem sido potenciada, «tudo o resto não. Talvez no caso da Região Centro e do Alentejo tenha havido um benefício, mas foi quase por arrasto», gerado por turistas que chegam a Lisboa e que decidem, num dia ou dois, conhecer estas regiões geograficamente próximas de Lisboa.

No caso do Porto, onde a região satélite turisticamente mais apetecível é o Douro, passa- -se um fenómeno no mínimo «intrigante, pois sendo um dos destinos com muita notoriedade internacional, pois em qualquer parte do mundo o Douro desperta muita curiosidade, a realidade é que a região tem uma oferta hoteleira curta, com poucas camas, e todos os projectos que até à data apareceram no Douro quase todos faliram».

Para todos é um mistério como é que um destino, que até tem notoriedade e conteúdo (natural), não tem projectos hoteleiros cimentados, sendo avançada como explicação, primeiro, a evidência de que o investimento gasto em unidades excede sempre o que devia, e, em segundo, o facto de o «Turismo do Norte e as forças vivas do Porto sempre tentaram que o Douro fosse apenas um sítio onde se passeia, permanecendo as dormidas sempre na Invicta». Todos concordaram ser interessante discutir o que se passa com o resto de Portugal, uma vez que «de Lisboa todos têm a percepção de que está na moda e que tem muitos conteúdos para oferecer aos visitantes, pelo que a atractividade da cidade pode perdurar mais algum tempo». Apesar de se terem ouvido vozes que assinalam aspectos menos positivos dessa actratividade, e que dificultam a obtenção por parte dos empresários de um turismo de qualidade, como a falta de policiamento em determinadas zonas da capital e falhas na recolha dos resíduos sólidos. Como consequência desta afirmação, levantou-se a questão de se falar pouco sobre a sustentabilidade do enorme fluxo de turistas que chega actualmente à capital.

Devido à realidade de todos os destinos em Portugal serem tão diferenciados, torna- -se por vezes complicado falar de todos num plano geral, uma vez que «se muitos destinos são turísticos por arrasto, no caso de Lisboa é impressionante o que se tem verificado com o tremendo número de turistas que regularmente a procura».

Uma evidência aceite por todos os participantes reside no facto de ninguém ter ainda feito um diagnóstico assertivo, um estudo sobre o porquê desse fluxo de turistas, o que levanta a questão de não termos a mínima ideia de como vamos manter esse mesmo fluxo, facto realmente preocupante, porque há uma nova oferta que está a ser concretizada com base nisso, «mas a verdade é que este fluxo pode não durar sempre, mas isso ninguém sabe porque ninguém o estudou».

Se compararmos, por exemplo, com o caso dos Açores, facilmente se identifica o motivo do crescente fluxo, que foi a «abertura das rotas low cost, nada mais», algo de modo nenhum tão linear quando falamos de Lisboa ou de outros destinos dentro do território continental português.

«No caso do Porto, os números terem disparado com a abertura de novas rotas, ou seja, quantas mais rotas tiver o destino maior número de turistas a ele chegam».

No fundo o que as low cost vieram fazer foi desmistificar as viagens, tornando as distâncias mais curtas, com a inexistência de escalas entre o aeroporto de saída e o de chegada, tendo sido chamada a atenção para «um conjunto de variáveis que têm colocado Portugal no mapa, como a onda surfada por Garrett Mc- Namara ou a quarta Bota de Ouro ganha por Cristiano Ronaldo, ou ainda o trabalho desenvolvido junto da imprensa internacional». Perante todas estas evidências torna-se premente perceber qual a variável que mais pesou na captação de turistas.

Pensar Portugal turisticamente

Há por parte dos turismos das diferentes regiões a vontade ou necessidade de se desenvolverem em simultâneo, o que acaba por esgotar recursos. «Será que se pode pensar como uma estratégia exequível explicar a essas entidades que há zonas que apresentam um potencial turístico enquanto outras não o possuem» – uma afirmação com a qual todos os presentes concordaram, uma vez que os fenómenos de atracção dos destinos são completamente díspares. «Não se pode meter “tudo no mesmo saco”, pois o grau de desenvolvimento entre alguns destinos é completamente diferente.

Se Lisboa está numa fase de consolidação em que precisa de garantir mais segurança, mais limpeza e de perceber como se adequa à chegada de tantos turistas, outros destinos há que se encontram a larga distância destas preocupações, «destinos onde a criação de acessibilidades está na ordem do dia das suas principais prioridades».

O desenvolvimento de Lisboa assenta sobre um conjunto de factores, sendo que desses destacam-se três ou quatro, como «uma aposta forte em termos de requalificação do destino, o nascimento de uma nova hotelaria, os inúmeros eventos que foram realizados e a crescente capacidade aérea», este último factor extensível ao crescimento do Porto.

Relativamente ao resto do País, as dificuldades são em tudo diferentes. A verdade «é que nem todos os lugares podem ser turisticamente viáveis. Aliás, há destinos que podem ser turísticos sem sequer terem unidades hoteleiras, uma vez que, para serem descobertos, umas horas ou um dia inteiro bastam», sendo dado como exemplo o caso de Sintra e de Monsaraz. Todos concordam que tudo gira em torno dos conteúdos, sem os quais o fenómeno repetição não se verifica.

A importância da formação

Uma das questões levantadas no âmbito do turismo actual diz respeito à formação, não de quem serve à mesa ou está numa recepção de um hotel, mas de quem gere, de quem coordena, ou seja, fala-se aqui de gestão de topo. «A velha geração de gestores de hotéis tem de ceder o lugar a uma nova geração de gestores hoteleiros», algo que se aplica a unidades hoteleiras isoladas como a grandes grupos hoteleiros. «Basta pensar que hoje se olha para a hotelaria como uma área aspiracional e motor da economia que, comparada com qualquer outro sector de ponta, como as telecomunicações, o retalho ou o grande consumo, está absolutamente desqualificada do ponto de vista de staff e isto relativamente às empresas como um todo.»

Todos concordaram que este é um sector onde desde sempre todo o processo formativo se fechou muito sobre si mesmo. «Por norma ia-se recrutar pessoas que já vinham da profissão ou que chegam de uma área de formação, especificamente orientada para a hotelaria», há um círculo fechado no que diz respeito ao recrutamento no sector hoteleiro, hoje de alguma forma quebrado com a chegada de profissionais oriundos de outros sectores. É preciso mais estratégia nos profissionais que gerem o sector, investindo em mais e melhor formação, alargando o circuito onde as contratações se realizam. «Acima de tudo é preciso cada vez mais apostar na qualidade.» Um aspecto referido, foi o facto de que com o crescimento e dinamismo do sector, poderia haver espaço para absorver profissionais de outros sectores de actividade, realidade poderá constituir uma mais-valia ao complementar os quadro já existentes.

Custos e compensações

No âmbito da distribuição as coisas também se colocam de uma forma evidente, pois há um custo agregado ao facto de se querer trazer grupos de turistas de outros destinos até Portugal. «Por outro lado, com uma operação fora do País, com várias centenas de profissionais fixos no terreno, os custos são elevados, aos quais se juntam ainda os custos com campanhas de publicidade para dar a conhecer o nosso produto, ou seja, Portugal.» Não sendo simples trazer turistas para o nosso País, há tentativas regulares nesse sentido, «uma vez que há sempre grupos oriundos de países, por exemplo, da América Latina, que desejam conhecer Portugal, mas para que se repita a experiência é preciso dar novos conteúdos». Um dos intervenientes destacou a situação generalizada do “incoming”, que coloca os turistas todos à mesma hora a fazer as mesmas coisas, os mesmos tours. «Nem sempre assim acontece», surge em resposta, balizada na garantia de que «há agências que tentam prestar um serviço diferenciador e distinto que marque a visita pelas diferentes experiências proporcionadas, sejam elas gastronómicas ou culturais». Desta forma combate-se um certo comodismo instalado e evitam-se situações menos agradáveis, como as filas intermináveis para aceder a espaços museológicos.

Ainda relativamente aos custos e compensações do “incoming”, foi trazido para a discussão o caso do Brasil, que na vertente de mercado emissor para Portugal vai sofrer uma queda acentuada no próximo ano, mas que para as unidades portuguesas instaladas no Brasil vai ser um crescendo. «Vamos assistir a um regresso dos turistas portugueses rumo ao Brasil, pelo que as unidades portuguesas em território brasileiro têm estado a registar bons resultados, uma vez que grande parte do turismo é interno.»

Artigo publicado na edição n.º 232 de Novembro de 2015.

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