Podcasts e as marcas: Top of Ear?

Por José Miguel Cerdeira, co-fundador da Bruá Podcasts (jmc@bruapodcasts.com)

Em 2014, é lançado o Serial, o podcast mais bem-sucedido de sempre, responsável por colocar este formato de media na ordem do dia nos Estados Unidos. Com ele, surge um dos anúncios mais viciantes e inovadores alguma vez concebido, com direito a vídeos e áudios próprios no YouTube, de uma tal de MailChimp. A verdade é que quem esteja embebido no diz que disse das “novas tendências” dos media já vem ouvindo falar em podcasts como o futuro há algum tempo (sensivelmente desde 2014…), não só como fenómeno de entretenimento e informação, mas como um novo veículo para as marcas e os seus produtos e serviços.

As tendências estatísticas apontam para o crescimento significativo no consumo de podcasts. Nos Estados Unidos, o mercado mais maduro, os downloads de podcasts medidos pela Chartable aumentaram 42% em Outubro de 2020, face ao período homólogo, e, segundo um relatório da Edison de 2020, 37% da população americana tinha ouvido um podcast no último mês, uma subida face aos 32% registados no mesmo relatório em 2019 (e que compara com os 15% observados em 2014). Em Portugal, apesar da menor quantidade de dados disponíveis, existem algumas estatísticas que evidenciam o crescimento deste novo formato de media: o Digital News Report Reuters/Obercom 2020 indica que 38% da população nacional com acesso à Internet ouviu um podcast no último mês (vs. 34% em 2019), em linha com a tendência americana.

Por outro lado, o fenómeno não só abarca cada vez mais consumidores, como tem características que se prestam à inserção de publicidade: de acordo com a Edison, 93% dos ouvintes ouve a maior parte ou a totalidade dos episódios, indicando um grande envolvimento com o podcast; mais ainda, de acordo com um outro estudo da Nielsen, os podcasts potenciam 4,4 vezes mais a visibilidade da marca do que display ads. Por fim, a natureza passiva que o consumo de podcasts muitas vezes tem, sendo acompanhado por outras actividade paralelas, como condução, corrida ou tarefas domésticas, resulta numa baixa percentagem de consumidores que evitam activamente os anúncios dos programas que ouvem (alguns estudos como da Marketing Charts apontam para 20% dos ouvintes). Os podcasts apresentam-se, aliás, como um veículo de excelência para divulgação e comunicação de marcas, tocando em todos os pontos do funil.

A pandemia veio acelerar esta tendência, ainda que alterando alguns dos comportamentos vistos como “tradicionais” dos consumidores. Os podcasts da Bruá Podcasts, uma produtora independente de podcasts foram, de resto, testemunhas desta transformação: Depois de um primeiro impacto e diminuição de audições em Março/Abril, com a mudança de rotinas e a eliminação para muitos do tempo de deslocação para o trabalho, os ouvintes passaram a fazer mais downloads durante o período da tarde, relativamente ao período da manhã. E, após este período inicial de adaptação, não só o número de downloads recuperou, como iniciou um rápido crescimento face aos números registados em 2019 (de resto, o 3.º trimestre de 2020 foi o melhor de sempre dos podcasts produzidos pela Bruá).

Com todas estas vantagens, porque é que não existem mais podcasts com anúncios em Portugal? A resposta é simples: a infra-estrutura conta – e no ecossistema nacional dos podcasts existe ainda um grande desconhecimento do funcionamento da mesma.

A verdade é que a actual descentralização da distribuição de podcasts, com hosting e audições em plataformas muito diversas, apesar de algum domínio do Apple Podcasts e do Spotify, cria dificuldades acrescidas aos pequenos criadores no momento de apresentarem os seus conteúdos às marcas, nomeadamente pela qualidade (ou falta dela…) das métricas de consumo dos seus programas.

Para um pequeno podcaster é muito difícil ter dados comparáveis sobre audições totais, número de subscritores, demografia, etc. Um acesso ao RSS feed, ao pressionar play num podcast, deixa apenas um registo de um endereço IP e pouco mais. Pouca informação para quem está habituado a investir em anúncios online e a ter todo o tipo de dados sobre o retorno de uma campanha.

Contudo, já é hoje possível, através de uma abordagem integrada das diferentes plataformas, fazer uma análise mais refinada, permitindo entregar aos anunciantes informações essenciais sobre o universo consumidor de determinado podcast como o perfil demográfico, a percentagem do episódio que foi ouvido, o número de seguidores, a localização geográfica ou ainda em que sistema operativo e tipo de dispositivo é que foi ouvido. As ferramentas de analytics à disposição evoluem diariamente. E isto é um game changer.

Tendo as equipas de marketing conhecimento sobre o universo de pessoas a quem estão a anunciar as suas marcas, produtos e serviços, então a decisão de investimento – numa base de CPM (nos EUA têm-se observado cotações de 30-40 USD até valores superiores a 100 USD, dependendo da qualidade, dimensão e posicionamento do podcast) – torna-se mais fácil. E é neste ponto que nos encontramos em Portugal.

Se até aqui algumas marcas pensavam que os podcasts eram apenas uma moda, uma eterna promessa por cumprir saída da cabeça dos norte-americanos e sem aderência ao mercado nacional, desenganem-se: o futuro já chegou e os podcasts estão para ficar. Assim como estão para ficar nos ouvidos (e nas mentes) as marcas dos anunciantes mais inovadores e sem medo de arriscar.

 

 

 

 

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