People and Planet First: um desafio coletivo da marca Portugal
Por João Pedro Reis, head of Commercial Development da Sogrape, estudante programa doutoral Marketing e Estratégia U. Aveiro, U. Minho e U. Beira Interior
«Não há absolutamente nenhuma correlação, nem nunca houve, entre a imagem de um país e o valor que gasta em marketing, branding ou relações-públicas». Poderia ser uma declaração de um Ministro das Finanças ou de um diretor financeiro de uma instituição pública, mas não. Quem o disse foi o “pai” da disciplina de marketing de lugar, Simon Anholt, em 2020, após décadas de trabalho com marcas-lugar de todo o mundo – países, regiões e cidades.
É fácil de entender porquê. Levando ao extremo, um país ditatorial que viole os direitos humanos não vai melhorar a sua reputação no exterior por causa de uns cartazes junto a uma auto-estrada, um anúncio de televisão ou um logótipo mais atrativo na assinatura do e-mail. Já uma cidade pioneira nas práticas de reciclagem, como é o caso da cidade da Maia, pode ter destaque mediático e melhorar a sua reputação sem necessitar de investir um euro em publicidade. O enorme impacto das políticas públicas na marca lugar não deve, contudo, diminuir a relevância e contributo que o branding e marketing do lugar podem ter. Apenas significa que estes devem ter uma abordagem mais holística e uma atuação mais abrangente e inclusiva.
Um exemplo paradigmático é o caso das ondas da Nazaré e do enorme sucesso trazido pelo “fenómeno McNamara”. Com antepassados nazarenos, passei muitas férias na longa praia ladeada por senhoras com sete saias com indicações “Rooms / Chambre / Zimmer”, uma imagem tradicional da cidade. A indicação mais comum sobre a Praia do Norte – onde foi surfada a maior onda de sempre – era de que as ondas eram grandes e perigosas, não era boa praia e por isso só lá iam alguns, parcos, veraneantes praticar nudismo. Com McNamara, as ondas e as praias não mudaram, mas a marca lugar foi completamente transformada. O território soube aproveitar a visibilidade internacional para valorizar o turismo local, atrair empresas e desenvolver a economia associada ao surf em Portugal, desde os campeonatos mundiais à produção de pranchas para os melhores surfistas do mundo.
Outro exemplo extraordinário é o do Fundão. Um marketeer que desconheça o Fundão poderá, à primeira vista, ver mais desafios do que oportunidades para desenvolver a marca de um território do interior com população em decréscimo e sem uma proposta de valor clara para residentes e empresas, atuais ou futuros. Através da forma especialmente humana como abordou a imigração, o Fundão “Terra de Acolhimento” encontrou uma solução para contrariar a queda da população e ao mesmo tempo destacar-se em Portugal como um “farol” de inclusividade. O desafio de uma boa estratégia é atingir o que Fundão resume de forma brilhante: “Até que o improvável se torne provável. E depois certo. E depois normal.”
Temos muitos “faróis do Fundão” e “ondas da Nazaré” por descobrir em Portugal. Que nos sirva a inspiração de Cristiano Ronaldo: “Portugal é um País grande independentemente da dimensão, temos de pensar assim”. Este é o enorme desafio coletivo para compreender que a construção da marca Portugal e de todas as suas submarcas – regiões, cidades – depende, em primeiro lugar, da componente de pessoas e do planeta. “Pessoas e Planeta Primeiro” é uma abordagem complementar à visão customer-centric ou consumer-centric, que adiciona às lentes do marketing mix 1.0 (os antigos, mas sempre utilizados 4 Ps) e do 2.0 (os mais modernos 4 Es) dois novos elementos: Relação e Equilíbrio.
Nos territórios sem propósito, toda a comunicação da marca lugar representa apenas um centro de custo. Uma cidade que comunica para turistas, mas não se estrutura para que os habitantes tenham habitação a custos razoáveis, está a preferir estabelecer relações de curto prazo e a desperdiçar as de longo prazo que são a sua garantia de autenticidade. Uma região que investe numa certificação como destino sustentável, mas aprova novas plantações que vão agudizar o stress hídrico incorre no mesmo problema dos produtos “light” que, na verdade, tinham mais açúcar que os originais: podem temporariamente enganar o consumidor mas, mais tarde ou mais cedo, vão perder toda a credibilidade.
AICEP, Turismo de Portugal, CCDRs, CIMs, Câmaras Municipais, empresas, fundações e associações empresariais, culturais e desportivas têm um papel na valorização dos territórios em que se inserem e coletivamente na soma que é a marca Portugal. Saibamos todos valorizar o nosso território com a lógica de “Pessoas e Planeta Primeiro”. Como escreveu Fernando Pessoa: «Esta é a hora, este o momento, isto é, quem somos, e é tudo.»