Orientações

pedropires1A crise dá-me para estas coisas. Para procurar sinais de resiliência da actividade criativa. Serve para me ir afagando o ego, pensando que se calhar as boas ideias ( e já agora as boas práticas) são mesmo a forma ideal para sair da crise ( ou não cair nela).

É que parece que estas alturas são desculpa para tudo, inclusive para se pedir menos criatividade e mais pragmatismo. O que para mim é uma inconsequência, mas que normalmente significa :  sê literal na mensagem, superficial na imagem, e ” já agora, está aqui o power point da apresentação de vendas que é o briefing para a próxima campanha”.

Estamos numa fase dessas. Do sector financeiro ao da distribuição, das  bebidas ao turismo, tudo entrou numa espiral de publicidade autofágica, ou seja, que se consome a ela própria e ao seu próprio universo de valores sem sequer incluir o prazer do consumidor no processo. E isto não só uma tendência nacional. Veja-se os casos recentes e inexplicáveis de rebrandings ( Pepsi, Xerox, Kraft etc) que tendem para destruir tudo o que distintivo, e personalizado para as mergulhar no lago asséptico do ( supostamente) socialmente correcto.

Estamos numa fase de tal arrogância, desculpada pela crise, claro, que as marcas acham que por um lado são top models e que bastam aparecerem para existirem, por outro acham que são o centro da vida das pessoas e que as suas mensagens devem por isso estar mais próxima dos conteúdo de um relatório de contas traduzido por uma criança de dez anos do que propriamente de uma narrativa capaz de envolver e seduzir quem com ela toma contacto. Parece que de todos os stakeholders que as marcas têm, o consumidor é o que interessa menos. Alguém me explica qual é a eficiência de comunicação que para além de tomar o consumidor como parvo, não acrescenta absolutamente nada às razões porque eu devo criar ou manter uma relação com essa marca ? Para que serve a comunicação em produtos maduros e tendencialmente indiferenciados, se não for criada para dar ao consumidor a única coisa que ele pode obter: prazer ?

Penso que a crise não é altura para marcas cata-vento que tentam ansiosamente acorrer a cada brisa.

O que as pessoas precisam numa altura em tudo o resto parece desmoronar-se é de confiança e a confiança consegue-se apostando naquilo que são os activos profundos em termos de conceito e prática de marca.

As pessoas querem histórias que reforcem a escolhas que fizeram ao longo da vida.

E para mim isto prende-se com a fantasia e não com funcionalidade. Uma fantasia pertinente e ancorada na essência da marca é a melhor prova de credibilidade, sustentabilidade e vitalidade que uma marca pode dar em tempos de crise.

Por isso falo de prazer. Prazer visual, prazer intelectual, prazer cultural, prazer na escolha, prazer na comunicação. Algo que deveria ser a primeira lição de qualquer aula de marketing e que me parece ser sempre negligenciada.

E é para celebrar 60 anos de prazer muito coerentes e cada vez mais refrescantes que escrevo.

A Onitsuka Tiger é uma das marcas do meu imaginário infantil.

Quando jogava basket, em miúdo, existiam 4 marcas principais – a Converse com o seu modelo clássico Allstar (imitado pela sucedânea e mais barata John Smith), a Adidas com famoso modelo Top Ten, a portuguesa Sanjo, e a Asics/Onitsuka Tiger com o Fabre.

Sendo utilizador de John Smith, ansiando por uns Top Ten, não deixava de olhar com uma certa inveja para os Tiger da malta do Volley ( Asics nessa altura), fascinado essencialmente com o seu símbolo de linhas longitudinais cruzadas.

Hoje, passados quase 30 anos, a Tiger está a trabalhar para fazer parte do imaginário infantil dos meus filhos.

O que começa por reconquistar o meu.

O processo de recuperação da marca iniciado em 2002/03,  embora tenha ido buscar o contexto retro que tão bons resultados têm dado nesta década ( e não é por ser funcional) conseguiu pegar no conteúdo da marca e projectá-la na contemporaneidade de uma forma extremamente sedutora, mas intimamente às suas origens, o Japão.

O conceito que tem vindo a ser desenvolvido – Made of Japan – é de uma simplicidade extrema mas de execução muito complexa. O que é típico dos japoneses, embora a campanha seja de uma agência europeia – a Amsterdam Worlwide ( ex-strawberry frog).

Transfere todos os valores positivos do país para a marca – criatividade, perfeccionismo, tecnologia, futurismo, simplicidade, harmonia, beleza – conseguindo no processo construir um universo visual único, muito próximo do produto, e que coloca a marca como uma das mais originais do momento, suplantando eventualmente a Adidas nos termómetros do cool em todo o mundo.

Um universo construído com tudo o que faz o Japão. Toda a iconografia, simbologia, e todo e qualquer elemento que possa ser reconhecido como japonês é utilizado como matéria prima para a mensagem.

O que vindo de um país onde a ideografia é lei, se transforma numa matéria de exploração interminável. Já exploraram o sushi, a animação japonesa, os neons das grandes cidades etc.

O  último capítulo da campanha explora outra matéria exclusivamente japonesa.

O zodíaco japonês. É ele a inspiração para a nova colecção, feita em colaboração com vários artistas. O primeiro modelo é dedicado ao coelho e é criado pelo artista Erik Kriek e a campanha explora mais uma vez o conceito da sapatilha “feita de Japão”, explorando simbologias tipicamente japoneses como o Mount Fuji , mas tudo inspirado na ideia do ciclo da vida.

A campanha inspira-se numa antiga lenda japonesa que conta a história da corrida do ciclo da vida – a corrida que colocou frente a frente 13 animais, para decidir quais os 12 que deveriam entrar no zodíaco.

O filme da campanha é a corrida, divertida e alucinada dos animais, numa pista que é criada em cima da forma da própria sapatilha.

Para o efeito, é construído um modelo real da sapatilha com um metro de comprimento, em cima do qual é realizada toda a animação. Mais em cima do produto é difícil.

Mas o que torna estas campanhas verdadeiramente interessantes é a sua transversalidade e coerência em todos os  meios, e a própria produção que torna os making of dos filmes tão interessantes como o produto final.

O que as torna objectos de prazer são a sua preocupação não em passar as funcionalidades do produto, mas em interessar o espectador ( termo a que eu prefiro cada vez mais a consumidor) naquilo que está a contar.

É a sua preocupação em evitar as ansiedades, e em não constituir um factor de pressão mas sim de desanuviamento.

Em não ser um agente de culpabilização, um agente do medo psicológico,  ou da “estupidificação” social, mas sim um elemento da sociedade que contribui para que esta seja mais culta, mais bela e mais divertida.

Em comunicar partindo do princípio que a comunicação é um jogo mental em que é preciso mostrar umas coisa e esconder outras para que se mantenha o interesse, e que o consumidor é ele próprio um agente dessa descoberta.

E não, não acredito nem professo as teorias que o consumidor não está nem aí para o que eu tenho para dizer. Tudo depende da história que eu tiver para lhe contar.

A Onitsuka resolveu contar o Japão na forma de uma sapatilha.

E isso valeu-lhe um  fantástico “comeback” .

E não, aqui não valem apenas as regras da publicidade tradicional. Valem as regras do entretenimento.

Aqui não valem os relatórios de marketing, ou os insights dos estudos de mercado. Vale a imaginação, a intuição, a simplicidade. A satisfação psicológica de ver todos os dias qualquer coisa que me fez pensar, sorrir, e esquecer o momento. Comunicação que nos dá esperança, não porque nos promete coisas, mas porque nos abre espaço para excitarmos a inteligência.

E agora, vou excitar a minha. Ali ao bairro alto, à loja da Tiger.

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