O poder do conflito, o desafio da fragmentação e o branding superficial

Por Pedro Pires, CEO/CCO da Solid Dogma

Existem sinais de mudança positiva. Nunca se pode baixar a guarda nem achar que esta gente desanima, mas parece que aqueles que usam o conflito como estratégia de domínio, começam a enfrentar o desgaste provocado por esse exercício de guerra. Estas últimas semanas, miraculosamente, ou apenas porque não há outra forma de olhar para a coisa, cristalizaram Elon Musk, Kanye West e Donald Trump aos olhos do mundo como a marca do influencer tóxico – do influencer negativo.

Talvez estejamos a assistir à primeira manifestação massiva que condena os que até agora a social media tem glorificado – personalidades insufladas com níveis de confiança em esteróides. O que não deixa de ser fascinante. Como tudo isto veio a acontecer e tão bonito que era quando tudo isto começou – entregar o poder da palavra às pessoas, quero eu dizer.

Trump is getting dumped (is he really?), e mesmo a ameaça de Elon Musk (E.M.) de o deixar voltar a entrar no Twitter não parece gerar a mobilização que antes uma ameaça incendiária desta natureza geraria. E.M., que era alguém que há uns anos parecia mais próximo de um fascinante inventor do que um personagem de “Sucession”, esclareceu o mundo que não está aqui para ser um gajo fixe.

Quanto a Kanye West, já há uns anos que me encontro na posição de não conseguir apreciar devidamente a sua obra, como antes, sem que todo o barulho perturbe essa audição. Mas o que interessa aqui é o impacto de tudo isto na temperatura do mundo e, especificamente, do mundo das marcas.

Pode-se perceber a associação entre a adidas e Kanye West. Mas qual era a estratégia da GAP ao relacionar-se com ele? Qual a estratégia de Musk para o Twitter? Existe, ou é só a sua personalidade em acção? Qual a estratégia de centenas de marcas ao dependerem de cada vez maiores enxames de influenciadores para fazer face a um mercado de media cada vez mais fragmentado? Até onde a influência é positiva, até onde vai o espaço para a autodeterminação do público, até quando se mantém positiva uma influência?

Há desgaste na percepção de credibilidade destes agentes e haverá tendência para um crescente cinismo na interpretação do papel destas figuras públicas.

O problema desta cultura dominada por show stealers e secundada por milhares de influencers secundários, cada um no seu pequeno nicho, cada um com as suas idiossincrasias, é que coloca as marcas perante uma realidade mais complexa. Em termos de compreensão de públicos, de gestão de narrativas e de alocação de recursos para lidar com esta progressiva fragmentação. A forma mais lógica, rápida e criativamente desafiadora de o fazer era apoiar essa expansão nos influencers, detentores de públicos específicos, possuidores e atribuidores de autenticidade. Perfeito. Até aqui tudo bem. O problema é os departamentos de marca estarem preparados para criar para este novo território, terem equipas preparadas para lidar com um número crescente de variáveis e interlocutores, e serem capazes de fazer perceber que isto do digital “afinal não é mais barato, é mais caro” e, portanto, que não há forma de fazer bem o serviço com os orçamentos e as estratégias de abordagem actuais.

Os recentes acontecimentos de Trump, Musk e West vieram expor a falta de estratégia que muitas marcas têm ao se associarem a determinadas personalidades… apenas porque possuem uma grande legião de fãs na social media. O que tem uma marca como a GAP a ver com os valores do Kanye… e, infelizmente e cada vez mais, o que é que os valores do Kanye têm a ver com qualquer marca?

Existe um perigo real de dissonância da relação ou associação baseada apenas numa lógica de reach sem medir e mediar as consequências dessa associação, ou de pelo menos ter uma estratégia que defina a forma como se torna valorizada no tempo.

Não é por haver influencers e social media que as marcas agora são só coisas que certas pessoas usam e dizem aos outros para usar. A importância qualitativa deste reach é exagerada no enquadramento de uma estratégia de marca que não seja uma de imediatismo. Não é por haver influenciadores que desaparece a necessidade de identidade e história. A associação a personalidades que abafam qualquer associação e condicionam de forma permanente a percepção é perturbadora desse controlo identitário e da narrativa. As marcas são estruturas identitárias que têm de se relacionar. E, para isso, usam as ferramentas que sempre usaram – a capacidade de construir significado, estruturas de valores e de valor, histórias, formas de diálogo e presença que façam delas bons cidadãos e influenciadores positivos.

Artigo publicado na edição n.º 316 de Novembro de 2022

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