O líder deve ser o rosto da empresa?
Não são todas as situações de comunicação que exigem que seja o líder da empresa a emprestar a sua imagem e voz para passar a mensagem. Há alturas em que, pelos públicos que interessa impactar, até é desejável que seja outra figura.
Texto de M.ª João Lima e M.ª João Vieira Pinto
Fotos de Paulo Alexandrino
Quem deve ser a “cara” da empresa? O CEO, o responsável de comunicação, um porta-voz? Este foi o grande tema em análise durante o almoço do Fórum de Comunicação da Marketeer, servido na Herdade de Espirra, em Pegões, a convite do The Navigator Company. Ainda antes do almoço, o grupo de responsáveis de Comunicação que, a convite da Marketeer, reúne trimestralmente para conversar sobre alguns dos temas quentes do sector, teve tempo para uma visita à adega e para ficar a conhecer parte da herdade.
Catarina Tomaz (Freeport), Frederico Paiva (Samsung), Inês Lima (McDonald’s), Inês Veloso (Randstad), João Filipe Torneiro (Galp), José Veríssimo (ISEG), Roberta Medina (Rock in Rio), Rodrigo Esteves (Liberty) e o anfitrião Rui Pedro Batista (e Navigator Company) conversaram, essencialmente, sobre os desafios do sector, sendo que o tema servido com o primeiro prato rondou precisamente a relevância e escolha dos porta-vozes das empresas ou a escolha de um rosto.
Para alguns dos presentes, terá que ver com o carisma do líder e com a estratégia que a empresa decida seguir, muitas vezes tendo em conta as próprias circunstâncias do mercado. Junto de algumas marcas há a convicção de que não tem que haver apenas uma cara, ou não fosse a empresa a soma de todas as pessoas que nela trabalham. Nesse caso, poderá haver porta-vozes para diferentes áreas – comunicação, recursos humanos ou qualidade –, sendo que apenas alguns poderão responder a todos os níveis. Só em momentos pontuais aparecerá o presidente, o CEO ou o director-geral.
Há ainda quem advogue que, a estes pontos, acresce também o peso do próprio sector em causa, com alguns casos a serem mais propícios ao aparecimento dos líderes como os grandes “rostos”. «Há alguns CEO que chamam muito a si a Comunicação.»
Certo é que a marca não pode desbaratar quando quer falar, correndo o risco de banalizar. Nos momentos em que aparece, o discurso tem que ser o mais claro e assertivo possível, para que não haja dúvidas na sua transmissão. «A mensagem é fundamental.»
Claro que há marcas que têm quase uma lista de pessoas “autorizadas” para representar a empresa em função do momento. «O princípio é o da competência no tema», com a presidência a ser resguardada para situações mais institucionais.
Eventualmente há alguma diferença quando uma empresa é B2B ou B2C, defendem os responsáveis, considerando que «a questão é o que é que se quer dizer, qual é a relevância e para que público». O que define quem é o contador da história é determinado pela história que se quer contar. «Dependendo do público e da história define-se o mensageiro. Não é o presidente que tem de contar uma história para camadas jovens. No limite até pode ser, mas tem de ter determinadas características e falar a sua linguagem», explanam.
As marcas que andam a lutar por relevância, contando coisas por contar, estão a desgastar-se e, em particular, a sua imagem. Logo, o que é importante para a marca é perceber onde é que tem relevância e com quem quer falar. Se for uma questão sobre nutrição deverá ser uma pessoa específica a responder, que não a mesma a ser escolhida se o que se estiver a tratar for uma questão da esfera financeira da empresa.
Mas, hoje, as marcas e as empresas enfrentam mais um desafio. É que são faladas não apenas nos meios ditos tradicionais. Por isso, a flexibilidade e a resposta têm de ser diferentes do que foram no passado não tão longínquo. «Temos de ter abertura. O sítio onde aparece maior crítica, louvor ou o maior amante da marca é outro», acreditam.
A influenciar na questão está também o “detalhe”, se são empresas nacionais ou multinacionais. Em algumas multinacionais, com ciclos curtos de gestão, as caras estão sempre a rodar, não tendo um ciclo de vida suficiente para ficar conhecida e, aí, aposta-se mais na marca. «Por outro lado, nas empresas portuguesas o líder ou dono vai estar sempre e é um activo muito mais forte de que se pode tirar partido», defendem os comensais.
E se há uns anos era ponto assente que não se podia pôr um estrangeiro que não fala português numa conferência de imprensa, hoje o mundo é global. E não só se pode optar por essa estratégia como, às vezes, até reforçar. «Dá ideia de exclusividade», ouve-se. Apesar das vantagens, nestes casos, não deve ser o único porta-voz, pois entre os jornalistas pode haver quem não se sinta à vontade numa língua estrangeira. Comum a todos os que têm de gerir a comunicação é a opinião de que é um desafio conseguir ter pessoas diversificadas para porta-vozes.
Capacidade de contar uma boa história
Nem todos têm a capacidade de saber contar uma história por muito boa que ela seja. Outros há que, mesmo com uma história menos forte, conseguem fazer dela a melhor história do mundo. São dons.
Mas o storytelling nas empresas está num outro nível de sofisticação. Os responsáveis de comunicação não têm dúvidas de que é mais necessário do que nunca, mas cada vez tem de ser mais original e verdadeiro. É a humanização da marca. Neste storytelling tem de se procurar materializar os valores da marca. «É desafiador porque nunca se sabe o que vai correr bem e o que vai correr mal. Há disparates que viralizam e megaproduções onde não acontece nada», comentam.
Aliás, e voltando um pouco atrás na conversa, «ter um bom storytelling é também uma forma de tirar os líderes históricos do foco das marcas».
Imperativo, para acompanhar as tendências e conseguir antecipá-las, é ter a capacidade de estar aberto a ouvir ideias de pessoas mais novas e com outras experiências. Porque muitas vezes é daí que vêm as grandes ideias. «Temos de mudar a base das equipas porque nós não conhecemos e não estamos por dentro dos novos fenómenos.» É que não é novidade para ninguém que o viral não acontece por ser passado um briefing a uma agência com esse pedido. Para acontecer um viral há que ser disruptivo.
Consumidores seniores
Mas nem só de millennials é composto o leque de consumidores. Aliás, mais de 52% da população tem mais de 50 anos. Daqui a 10 anos seremos menos consumidores e mais velhos. Portanto, é determinante pensar como se deve comunicar com estes públicos, já denominados de “Novos novos”. E desenganem-se aqueles que os querem colocar todos no mesmo saco. Tal como as crianças dos 0 aos 18, estes também não podem ser tratados como fazendo parte de um bolo uniforme. Aqueles que têm mais de 50 anos podem estar próximo dos 80 ou ter 51. E estes últimos eventualmente têm muito mais semelhanças com a faixa etária dos 35/45 anos do que com os seus amigos de 80.
Como Lisboa e Porto são hoje cidades trendy e as pessoas não escolhem países, mas sim cidades, há aqui uma oportunidade de fazer crescer a base de consumidores captando europeus, por exemplo, em pré-reforma ou em busca de uma segunda residência. Esta devia ser a grande aposta do País, defendem alguns dos responsáveis de comunicação.
Artigo publicado na edição n.º 257 de Dezembro 2017.