O futebolista filósofo
Por Paula Santos, directora criativa do Omnicom Creative HUB
Há uns meses, li uma notícia sobre a morte de um norueguês, Pål Enger, ex-jogador de futebol, cujo obituário correu mundo. Não pela sua mediana carreira futebolística, mas pela sua segunda escolha profissional: assaltante de obras de arte.
E esta, sim, foi uma carreira de sucesso, com mais de 20 obras roubadas em vários museus e galerias, que teve o seu apogeu com o roubo de “O Grito”, de Edvard Munch.
Para além da sua inusitada escolha profissional, mais interessante ainda foi a razão dessa escolha. Quando o questionavam sobre o quão longe poderia ter chegado na sua carreira de futebolista, caso não tivesse optado por outro ramo, ele respondia que a sua escolha se devia simplesmente ao facto de não ser o melhor jogador de futebol, mas ser o melhor criminoso.
E, por mais engraçada que seja a resposta, tem uma dose de realismo invejável. Um pragmatismo que se tem perdido nos últimos tempos nos departamentos criativos.
Designers que viraram editores de vídeo, que também fazem direcção de arte, animações e 3D. Copywriters que também são tradutores e escrevem artigos SEO. Sendo que, nas áreas digitais, os exemplos são ainda mais flagrantes. É só ler um anúncio de oferta de emprego. Procura-se gestor de redes sociais, que crie os posts, que os maquetize, publique e, de preferência, que faça o report no fim de cada mês. E aqui já vão 4 cargos num só.
O maior problema nem são só os (baixos) valores pagos a estas pessoas por fazerem o trabalho de várias. O maior problema é que a criatividade se perde no processo. Trabalhar como criativo requer tempo, investimento pessoal e profissional, e não deve ser confundido com outros cargos, que exigem qualificações diferentes.
É potenciando o melhor de cada um que conseguimos especialistas que, juntos, farão o melhor dos trabalhos. Ao juntarmos tudo, estamos a prestar um desserviço a toda a área. E o que inicialmente parece ser um bom negócio, não o é. Porque não se está a pagar menos para se ter o mesmo resultado, está-se a pagar menos para ter menos.
Sem criatividade, a comunicação fica chata, desinteressante e toda igual. Ter ideias é uma profissão, tão válida como todas as outras, em que é preciso investir para se crescer e para se ter sucesso. E, quem sabe, um dia chegar ao equivalente a roubar um Munch.