Na Celmar, o arroz de lingueirão ainda é o que era
Celina tinha 17 anos quando saiu de casa e seguiu o amor. Com ele, Mário Rui, entregaram-se à pesca por terras de Sesimbra, noites fora, para pagar contas. Primeiro, com a venda do peixe; mais tarde, a servi-lo naquele que haveria de ser o seu primeiro restaurante. Espaço pequeno, na rua principal da aldeia, e que em pouco tempo tal fama ganhou que deixou de ter mesas para a procura. Haveriam de descer uns metros para se instalarem naquele que ao longo de 43 anos, e ainda hoje, é referência não só lá como fora: a Celmar.
Desde o ano passado, contudo, Celina passou o testemunho. Dentro de casa, à filha. Daniela – ou Nikita Polido, como é conhecida entre os seus – cresceu entre tachos e panelas, no meio de receitas e temperos, pela cozinha e a sala da Celmar. Por isso, sempre soube que aquele era o seu mundo, o terreno onde queria continuar a aprender e a fazer.
Foi até Setúbal tirar o curso na Escola de Hotelaria e Turismo – onde hoje também dá aulas -, “emigrou” para Espanha, o W Barcelona, onde refinou, até ter regressado ao sítio onde sempre foi feliz, o Meco, para baralhar e dar de novo. «Cruzei o que tinha aprendido aqui com novas técnicas que desenvolvi e com a influência da minha passagem por Barcelona», conta, enquanto conversa com a Marketeer sentada na sala interior da Celmar.
Da antiga carta – com grande mão de Celina – manteve pratos de sempre que alimentaram clientes fiéis, como o arroz de lingueirão. Mas acrescentou-lhe alguns novos, entre a tempura de choco, os camarões flambeados ou o tártaro. «Cerca de 80% dos pratos são antigos», sublinha.
No fundo, como que uma comida de “fusão” familiar.
Voltando ao início, a história daquele que é dos restaurantes mais conhecidos do Meco começou quando Celina ainda não tinha 18 anos e Mário Rui 22. Começaram por se entregar à pesca, até que abraçam o desafio de abrir um restaurante, pequeno, onde mantêm portas abertas durante dois anos. «Começaram por ir à pesca à noite, saíam de Sesimbra os dois, de bote, e assim que chegavam à praia com o peixe já muitos dos clientes os procuravam para escolher o que queriam comer à noite no restaurante», recorda a filha. Ao fim de dois anos, convencem o pai de Mário Rui a ceder-lhes o então armazém de algas que tinha para o transformarem no seu novo espaço, e que ainda hoje se mantém como a Celmar. Enquanto Celina cozinhava – sempre tudo muito focado no peixe e quase tudo aprendido com a mãe, desde os seus 7 anos -, Mário Rui atendia as mesas. Uma fórmula vencedora e que lhes permitiu ir crescendo de forma sustentada, até terem chegado aos 220 lugares.
Celina diz que gosta de cozinhar tudo, sem ser criativa. A criatividade, essa deixa-a para a filha. «Quando comecei no restaurante nem sabia o que era um bitoque. Fazia muito peixe grelhado, frito, o arroz de tomate, a caldeirada… a carne só veio a seguir», partilha Celina, enquanto Daniela confere que, também ela, prefere trabalhar o peixe se bem que o que mais gosta mesmo de cozinhar é arroz. E, hoje, quem por lá passa e se senta à mesa, sabe que pode pedir à vontade tanto o dito arroz de lingueirão como o de corvina com camarão que o sabor, tempero e ponto de cozedura são os de sempre.
Só que nem sempre o poderá fazer. Isto, porque o projecto actual trabalhado por Daniela e os pais foi mais longe e mexeu por completo no restaurante de família – “empurrado”, em parte, pela falta de mão-de-obra -, passando a estar focado no catering seja na Celmar, em casas particulares ou empresas, e mantendo casa aberta sempre que possível (uma vez por mês) para garantir proximidade com os clientes. «Para ter serviço e restaurante, mas sem a condicionante de que é só isso que podemos fazer, tentando conciliar sempre as duas áreas», explica Nikita. Com a actual gestão, o que perceberam foi que era possível ter outro tipo de serviços e chegar a diferentes lados sem o horário fechado do restaurante e com uma oferta à medida do cliente e seus pedidos, em proposta gastronómica ou serviço.
Agora, a ideia é continuar a crescer sabendo que o terreno é novo. Com uma média de um evento por semana, é vontade chegar aos quatro. E, a prazo, voltar a reabrir as portas da Celmar com maior periodicidade.
Texto de M.ª João Vieira Pinto