Moda, pandemia e 2021
Por João Jacinto Freitas Ferreira, Project director do site The Gentleman
2021, o ano de desafios para toda a sociedade. O day after da surpresa que foi o ano anterior, que apanhou desprevenidos governos, marcas, empresas e cada um de nós. Porém, como diz a sabedoria popular, “à primeira caem todos, à segunda cai quem quer e à terceira cai quem é parvo”. As marcas e as empresas que não aprenderam a comunicar em 2020, dificilmente saberão o que fazer agora, já que a atipicidade se mantém. Este preâmbulo vem introduzir algumas reflexões rápidas que gostaríamos de partilhar convosco sobre um assunto muito especifico, mas não residual: a comunicação da Moda em 2021.
A revista BoF (Business of Fashion), juntamente com a McKinsey & Company, lança anualmente um relatório sobre a indústria global da Moda, documento importante para quem trabalha neste sector pois, embora não seja bola de cristal, realizou estudos e sondagens sobre os comportamentos e as expectativas das marcas, dos investidores e dos seus intervenientes. Sabemos perfeitamente que a realidade, como vimos nestes últimos dias, no “pequeno” mercado português, varia a cada segundo, ao ritmo da pandemia (queiramos ou não).
Permitam-nos que partilhemos convosco cinco reflexões pessoais sobre o relatório “The State of Fashion 2021”:
1 – Enfrentar a realidade de que estamos a viver com o vírus ainda, não sabendo o final desta pandemia. Assumir o facto de que, por várias razões, o poder de compra diminuiu e a procura de moda passa a ser secundária em relação a outros valores. Este factor pede uma comunicação comedida, simples e directa;
2 – Apostar numa comunicação séria e frontal da marca ou empresa sobre a produção e a confecção das peças e sobre a justiça laboral de quem as produz e as confeciona. Não maquilhar a realidade do processo de chegada de uma peça ao mercado e ao consumidor final como, por exemplo, um par de denim. Abandonar técnicas de greenwashing. Não chega lavar a imagem. Muitas vezes, a comunicação de uma marca de moda requer formação dos agentes da mesma (agência, consultores, etc.) no campo da sustentabilidade ambiental e humana, para que a comunicação com a imprensa seja mais fácil e clara;
3 – O ano 2020 foi online. Neste contexto, as marcas de moda de luxo não têm muito a ganhar pois, nomeadamente as grandes maisons, não têm visibilidade através de instragrammers ou youtubers. Veja-se o caso da Bottega Veneta, que apagou as suas contas de redes sociais. Mas encontrar o equilíbrio entre uma comunicação digital, escrita e o toque humano na relação com o
cliente é o desafio de marcas, designers e agências ou consultores de comunicação. Não basta só um canal de comunicação. Do Instagram ao atendimento online, passando pelo chat de serviço ao cliente e respectivo website, tudo se torna importante para gerar a empatia desejada, assente na marca e não apenas no produto;
4 – Depois de percebermos que muitas colecções e colaborações não são fonte de rendimento, temos de adoptar o lema “menos é mais”. Simplificar a marca e a sua produção, voltar às raízes. Focar as forças no ADN da marca e transmiti-lo ao consumidor. De resto, todas as parcerias que se façam, porque são úteis, devem ser sólidas e duradouras. Não saltar sistematicamente de parceiro, comercial ou agente de divulgação. Estabelecer relações fortes na comunicação como forma de fidelização da marca;
5 – Uma grande parte dos inquiridos deste relatório sente que 2021 não será um ano bom. Sente-se pessimista. Porém, 32% dos mesmos prevê uma certa positividade. Conscientes de que as viagens de compras, que antes aconteciam vindas do Oriente, são raras ou quase inexistentes, a comunicação da moda, este ano, deverá voltar-se para o mercado interno. Convictos de que os consumidores andam num equilíbrio difícil entre peças de moda baratas mas, ao mesmo tempo, procuram os mesmos valores de durabilidade e qualidade nas mesmas. Uma oportunidade única para as marcas portuguesas manufacturadas descerem à realidade e tornarem-se uma possibilidade de compra efectiva.
Nota final: a entrevista dada ao The New York Times pela dupla Raf Simons e Miuccia mostra bem a relação entre moda e comércio. Para o designer, a moda tem o desafio de ser “less greedy”, porque ela tornou-se “too much this economic machine”. Miuccia acrescenta o factor realidade: “It’s easy to say consume less, produce less, but then we need to be ready to have less jobs (…). The job of a designer is not just to make clothes anymore. There are so many other issues. I am glad he (Raf Simons) is here and we can talk about them.” Aconselhamos a leitura.
Uma palavra final acerca do mercado chinês, sonho de toda a marca de moda que se autointitula luxo: existem muitas reservas dos próprios consumidores chineses relativamente às mesmas griffes. A situação económica daquele país põe em causa o Shangri-la (criação literária do inglês James Hilton, Lost Horizon de 1933, descrito como um lugar paradisíaco situado nas montanhas nos Himalaias) que os ocidentais imaginam, tal como podemos constatar no seguinte excerto de um recente artigo da revista online Jingdaily: “Total Chinese debt across all sectors (household, government, and corporate) rose to 318 percent of the GDP in the first quarter of 2020, according to the Institute of International Finance. And based on early signs, Beijing seems
open to fiscal policies to keep China’s economy afloat that will balloon the national debt even more.”