Miopia das Marcas

Por Ana Côrte-Real, directora do MBA Executivo e docente da Católica Porto Business School

O objectivo deste artigo é de, valendo-nos do edifício conceptual que o marketing moderno foi estruturando ao longo dos últimos 60 anos – com ponto de partida no artigo seminal de Levitt, Marketing myopia (1960) –, verificar como a marca lhe foi sendo incorporada. Ao fazermos esta reflexão identificámos três miopias da marca.

O conceito de marca, aplicável não só a produtos como estipulava o direito das marcas nos seus primórdios, mas também a serviços, corrige a primeira e mais rudimentar forma de miopia da marca. Vamos denominá-la, por simplicidade, miopia do rótulo. Com ela, o branding restringe-se à criação e gestão de sinais gráficos apostos no produto tangível para o identificar distintivamente dos produtos semelhantes da concorrência.

No entanto, a definição tradicional de marca dos manuais de marketing não erradicou uma outra forma de miopia, que podemos designar, para distinguir da anterior, por miopia do produto. Independentemente de se tratar de um produto ou serviço, a miopia do produto vê a marca como parte do produto, uma das variáveis do clássico marketing mix. Devemos aqui ter consciência de que o conceito de produto em marketing foi revolucionado por Levitt (1960), inspirador da metáfora da miopia que agora aplicamos ao branding. Depois de Levitt, o produto passou a ser, antes de tudo, um benefício e, só depois, a sua tangibilização numa tecnologia que o suporta – não vendamos brocas, vendamos furos! A tecnologia passa, o benefício fica.

A gravidade da product branding myopia é do mesmo tipo. Os produtos passam, a marca fica. É redutor associar a marca a um produto específico e ao seu ciclo de vida, mesmo que tenhamos já desse produto a visão ampliada do marketing. Temos finalmente um terceiro tipo de miopia, a que ainda hoje domina os grandes manuais de branding e que designaremos por miopia do cliente. Trata-se de olhar para a marca na perspectiva da relação vendedor vs. cliente, esquecendo que a actividade da marca não se restringe a produtos e clientes, mas à pluralidade das relações de troca da organização com os seus públicos.

Convém estar consciente de que corrigir a customer branding myopia não é apenas olhar para a marca como o sinal diferenciador da organização ou, pior ainda, como o seu rótulo gráfico. Seria corrigir uma miopia caindo nas duas restantes, incorrendo no vício grave de restringir a marca à gestão criativa da identidade visual, alheia à história e ao contexto da marca. Não é a organização que tem uma marca, é a marca que, em cada momento, tem uma organização que a suporta.

Em síntese, para evitarmos a miopia da marca há que adoptar uma visão holística em que a marca não é apenas um rótulo, não é apenas um produto ou uma organização, não é apenas os seus clientes ou stakeholders: é a interacção de todos eles. A marca é um sinal (que identifica) de um benefício (que diferencia) dirigido a um mercado (que interpreta e atribui valor).

Fácil escrever, difícil fazer.

 

 

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