“Made in Portugal” e o mito do prefixo 560

Por João de Castro Guimarães, director executivo da GS1 Portugal

É cada vez mais frequente, no axtual contexto de retoma económica, após o surto pandémico, o apelo de marcas e organizações empresariais e institucionais ao consumo de produtos portugueses.

Trata-se de um apelo que nos chega por vários meios e em suportes diferenciados, quer através da mobilização de consumidores pela circulação de “correntes” e criação de grupos nas redes sociais, quer através de campanhas publicitárias com essa alegação.

O impacto real deste tipo de iniciativas no tecido empresarial e na retoma da actividade não será despiciendo. O surto pandémico e o inerente movimento de restrição de movimentos registou fenómenos interessantes de valorização da oferta local e aumentou a sensibilidade dos consumidores às circunstâncias que condicionam essa oferta.

A McKinsey & Company, num artigo publicado em Março intitulado “Beyond coronavirus: The path to the next normal”, destacava a necessidade dos operadores económicos, em geral, e as marcas, em particular, se reinventarem. Destaca que um choque da magnitude daquele que as economias sofreram criará uma alteração descontínua nas preferências e expectativas dos indivíduos como cidadãos e consumidores, com impacto na forma como vivemos e trabalhamos, nas nossas preferências e na forma como usamos a tecnologia. Passados dois meses, esta afirmação parece uma evidência. O comércio electrónico foi impulsionado de um modo sem precedentes.

As circunstâncias determinaram a experimentação, a confiança e deixa antever alguma fidelização, sobretudo em sociedades, como a portuguesa, em que se registava uma tendência crescente para o recurso ao comércio online mas era ainda, em termos absolutos, pouco expressivo. Estamos perante um contexto que poderá ter determinado a mudança significativa do comportamento do consumidor. E, consequentemente, das marcas. Neste âmbito, o mesmo artigo antevê novos contornos para a globalização da cadeia de abastecimento, num cenário em que a produção e o sourcing tenderão a aproximar-se do consumidor final.

Talvez seja este o enquadramento macro dos apelos ao consumo local para que nos mobilizam as campanhas a que temos assistido, na sequência do surto pandémico.

Importa destacar que algumas dessas campanhas sugerem, como instrumento de verificação da origem do produto, a análise do respectivo código de barras, sugerindo que a “prova” de que se trata de produto português é o prefixo 560.

Trata-se, no entanto, de um mito recorrente.

O prefixo “560” e o “código 560” são marcas registadas pela GS1 Portugal, responsável pela introdução dos códigos de barras em Portugal há mais de 30 anos. O “código 560” é atribuído pela GS1 Portugal ao detentor de uma marca, o que não atesta a origem do produto, como muitas campanhas sugerem, não assegurando, assim, tratar-se de um produto português.

Na realidade, um código de barras com o prefixo “560” pode ser atribuído pela GS1 Portugal a um produto de uma empresa sua associada, esteja essa empresa sediada em Portugal ou noutro país, e independentemente da origem desse mesmo produto.

Neste caso, o consumidor poderá encontrar o “código 560” num produto importado por uma empresa portuguesa, que o coloque no mercado português como marca própria.

O prefixo 560 poderá, igualmente, ser atribuído a um produto exportado por uma empresa portuguesa ou por uma empresa sedeada nos PALOP, atendendo a que a GS1 Portugal é a organização membro de referência para a codificação de produtos daqueles países.

Da mesma forma, a situação inversa também se pode registar, ou seja, um bem de consumo produzido em Portugal, ou com forte componente de produção nacional, pode obter o prefixo de outra Organização Membro da GS1. Esta é uma situação frequente nos “mercados da saudade”, com comunidades de emigrantes portugueses significativas, para onde várias empresas nacionais exportam produção nacional, recorrendo a codificação local. Basta, para isso, que a empresa detentora da unidade de produção, ainda que situada em espaço nacional, esteja registada comercialmente nesses países.

Portanto, a leitura do prefixo não oferece uma validação linear da origem. E pode mesmo não expressar fluxos de importação e exportação que só se podem confirmar por fontes de informação complementares. De facto, e na generalidade, 90% dos produtos presentes no mercado nacional com o prefixo “560” são produzidos por empresas portuguesas, mas para o consumidor conseguir verificar a origem do produto importa consultar a informação adicional aposta na rotulagem, nomeadamente, a menção expressa da origem ou, em alternativa, a sinalética específica que a ateste.

No que se refere à menção expressa à origem dos produtos, de acordo com o Regulamento (EU) nº 1169/ 2011 e com o Regulamento de Execução 2018/775, a menção ao país de origem ou local de proveniência de um produto é obrigatória, caso a sua omissão seja susceptível de induzir em erro o consumidor quanto ao país de origem ou ao local de proveniência do género alimentício, em especial se a informação que acompanha o género alimentício ou o rótulo no seu conjunto puderem sugerir que o produto tem um país de origem ou um local de proveniência diferentes.

No entanto, a identificação da origem é sempre obrigatória para alguns produtos alimentares específicos tais como o azeite, alguns tipos de carne fresca, refrigerada e congelada de suíno, de ovino, de caprino e de aves de capoeira, mel, leite e derivados, pescado, frutas e hortícolas. Como formas alternativas de identificação da origem dos produtos há que ter atenção a sinalética complementar tal como o selo “Portugal Sou eu” ou o selo “Compro o que é nosso” que assinalam bens de consumo de produção nacional. Existe, ainda, informação complementar colocada nas embalagens referentes a produtos de origem ou denominação protegida como, por exemplo, DOC – Denominação de Origem Controlada; IGT – Indicação Geográfica Típica; DOP – Denominação de Origem Protegida e IGP – Indicação Geográfica Protegida.

Estas são medidas de excepção, admitidas pela União Europeia e pelas normas do Mercado Único como forma de reconhecimento de algumas especificidades distintivas locais.

Numa era em que as necessidades e preferências dos consumidores continuam a determinar as opções das marcas e das organizações, o evoluir dos acontecimentos determinará se a crise sanitária e a retoma económica exigirão que, no que a Mckinsey & Company designa por “novo normal”, algumas excepções assumirão contorno de regra e se os movimentos de consumidores em defesa do “local”, de cadeias de abastecimento mais curtas prevalecerão ou não como tendência.

Para já, sem ousadias premonitórias, resta-nos constatar que o consumidor informado e consciente tem já ao seu dispor múltiplas fontes de informação para verificar e validar as suas escolhas. É responsabilidade das organizações o acompanhamento destas tendências. Para quem é de standards e serviços – como a GS1 Portugal – fica o desafio de acrescentar à comunicação entre marcas e consumidores, e entre operadores da cadeia de valor, cada vez mais eficiência, cada vez mais eficácia na partilha de informação de marcas e produtos. Depois do velhinho código de barras, faz falta quase que… um BI, um passaporte para os produtos, com a informação essencial… “watch this space” …

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