Há humor inteligente e há o Tiago Paiva.

Por João Cardoso, Brand strategist na Erb’s Creative Studio e docente no IPAM Porto e no Grupo Academy

Há humor inteligente,  e há o Tiago Paiva. Normalmente, não na mesma frase.

O processo criativo que leva à criação de conteúdos é isso mesmo: um processo. Nos dias de hoje, no Marketing, negligenciamos esse processo em troca do imediatismo de algo feito, mesmo que nada valha (não estou a dizer que é o caso).

Stuart Kauffman diz que as mudanças ou inovações estão limitadas ao que é imediatamente viável com base no que já existe. O cientista apelida este conceito de “adjacente possível”. No fundo, significa que, em princípio, não podemos imaginar o que não existe. Tem de haver uma sequência de eventos para chegar a algo novo. Ora, na ciência, ou inovação científica, isto não deve ser fácil. No processo criativo, o potencial, já depende do criador, dos seus hábitos de consumo (de conteúdos), da sua imaginação e… cultura. O conteúdo que consumimos dar-nos-á mais pontos para ligar, o que potenciará os adjacentes possíveis. A imaginação é uma ferramenta crucial na análise de cenários e na tomada de decisão. A cultura, é a base que o sustenta.

Alguns dos melhores e maiores criadores de conteúdo são pessoas providas de uma cultura e agilidade mental acima da média. São pessoas de bons costumes e que sabem que uma biblioteca serve para mais do que impressionar os amigos em jantares. Estas pessoas, normalmente, também costumam ser os melhores humoristas.

O humor, apesar dos recentes ataques, é uma ferramenta de mobilidade social amplamente aprovada. Ninguém nos ensinou a rir, mas nós rimos. Recorrendo a uma citação do filósofo alemão Schopenhauer, retirada do livro de Ricardo Araújo Pereira: “A causa do riso é a súbita percepção de uma incongruência entre um conceito e o objeto real”. No fundo, explica porque rimos quando alguém cai. É um acontecimento inesperado, em relação ao ato de andar, que resulta da trapalhice do andante.

No recente vídeo do Tiago, ele aparece a ser abordado por uma força de autoridade (fictícia, espero), que lhe pede para sair do veículo e se dobrar na traseira do carro enquanto o algema. Entretanto, o suposto agente dá um passo atrás e tira as calças, enquanto diz: “Já vamos ver o que é que se passa.” Que é como quem diz: estou-me a preparar para um TRD. Ora, se tivesse de imaginar a construção deste guião recorrendo à abordagem de storytelling de Kindra Hall, seria algo como:

Enquadramento: O Tiago compra o carro no stand que está a publicitar e, mais tarde, é mandado parar pela polícia.
Explosão: Toda a cena do polícia e do TRD.

Novo normal: Um stand que oferece viagens e lhe diz que, para além de ir de férias, ainda pode ser… exatamente.

Existe a incongruência de Schopenhauer e, por outro lado, a associação de uma ação a uma expressão tipicamente portuguesa que você conhece e a partir da qual o Bruno Nogueira, o Markl e o Filipe Melo fizeram uma música.

Os filósofos Platão e Hobbes acreditavam que o riso nasce da superioridade sentida em relação a outra pessoa ou situação. A sua abordagem explica porque é que piadas autodepreciativas funcionam bem. Existe um sentimento de superioridade do público em relação ao orador.

O psicólogo Jean Piaget associou o humor à construção de pensamento abstrato. Entendemos o humor quando, ainda crianças, começamos a perceber incongruências lógicas.

Viktor Frankl, em “Em Busca de Sentido”, viu o humor como uma ferramenta de sobrevivência que permite um distanciamento existencial, ajudando-nos a enfrentar um medo extremo.

A filosofia analisa o humor e o riso em termos de significado, ética e a sua relação com a condição humana. Falamos de incongruência, superioridade ou resistência existencial.

A psicologia aborda o humor investigando a sua relação com o desenvolvimento humano, saúde mental, comunicação e bem-estar subjetivo.

A estupidez aborda a falta de capacidade intelectual, de reflexão, autoconhecimento e pensamento crítico. Pode ser caracterizada como ignorância consciente ou fruto de mecanismos psicológicos que bloqueiam o reconhecimento de verdades desconfortáveis.

Deixo-o a si decidir em que campo o vídeo do Tiago se encontra.

E, para prevenir uma eventual onda de críticas, se o Tiago ler até aqui, saiba que estou confortável com o comentário “quer ganhar seguidores à minha custa”. Afinal, não se escrevem artigos para ficarem na gaveta.

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