“Freelancer do Dia CCP by Marketeer”: João Lagido
É difícil sobressair por entre dezenas de currículos. A partir de certa altura, os nomes confundem-se e aquele que poderia ser o par perfeito para um projecto na calha acaba por fugir. Partindo do directório lançado pelo Clube Criativos Portugal (CCP), a Marketeer propõe conhecer melhor alguns dos talentos freelancers nas áreas da criatividade e comunicação.
João Lagido (designer e director criativo) é o mais recente protagonista da rubrica “Freelancer do Dia CCP by Marketeer”, que apresentará, duas vezes por semana, exemplos de quem decidiu aventurar-se por conta própria.
Qual é a melhor coisa que já fizeste?
Como sou uma pessoa profundamente apaixonada pela vida, a minha existência é feita de pequenas histórias, aventuras improváveis, que vivi sempre com uma enorme intensidade. Tento sempre retirar o máximo de prazer de cada fase e, por isso, cada uma à sua maneira, tem um enorme significado para mim.
Uma das histórias que mais me marcou no campo profissional, não só pela fantástica aventura que proporcionou, mas sobretudo porque foi uma das experiências que mais me transformou e fez crescer enquanto ser humano, foi a que vivi quando fiz 40 anos.
Naquela altura estava bastante bem profissionalmente, numa posição confortável, mas houve uma série de sinais que me fez tomar consciência de que as ferramentas estavam a mudar. E, nesse momento, só me vinha à cabeça a imagem de uma directora criativa que tive no início da minha vida profissional, que não se tinha conseguido adaptar à mudança tecnológica e sofria imenso com isso no dia-a-dia.
Decidi então partir para Barcelona e juntar-me a um grupo de designers de todo o Mundo (todos eles bastante mais novos do que eu) e começar a dedicar-me ao vídeo. Durante esse ano, tive a oportunidade de trabalhar com briefings e clientes de sonho e de subir ao palco do festival OFFF, em Barcelona, e do Selected C, em Bilbao. E, mais importante do que isso, tive a possibilidade de conhecer pessoalmente algumas das pessoas que mais influenciaram a minha carreira ao longo dos anos.
Esta experiência reinventou-me por completo. Não estou a exagerar ao dizer que, quando regressei a Portugal, sentia a mesma alegria e ambição de quando entrei pela primeira vez numa agência de publicidade.
Já a nível de campanhas, recordo-me de uma que desenvolvemos em 2011 para a Opel, para o lançamento da Astra Sports Tourer, em que “escondemos” uma carrinha dentro do Street View do Google Maps. Durante 15 dias, cerca de 12.000 pessoas viveram uma aventura virtual, seguindo as pistas de uma história e, no final, o primeiro a encontrá-la ganhou-a na realidade.
Qual é o projecto que queres fazer a seguir?
Acho que o que me atraiu desde sempre na publicidade e no design foi a possibilidade deixar uma marca positiva na sociedade. Nos próximos anos, quero caminhar ainda mais nesse sentido, nomeadamente:
– Em ideias que contribuam para a transformação que tem de ocorrer na sociedade portuguesa para que possamos ser um país cada vez mais confiante, dinâmico inovador e feliz;
– Grandes causas, objectivos de desenvolvimento sustentável, causas sociais e ambientais;
– Por último, porque gosto da ideia de que o Mundo se muda tendo uma influência positiva nas pessoas que nos rodeiam, tenho estado a trabalhar num projecto pessoal chamado Pessoas Pelo Bairro (www.pessoaspelobairro.com) que visa produzir alterações positivas na vida das pessoas de uma comunidade (o bairro onde cresci).
Porque é que te devem contratar?
– Pensamento criativo estratégico. Gosto de pensar em soluções que não só resolvam os problemas imediatos, mas que de certa maneira introduzam uma narrativa que permita unir as várias acções de comunicação da marca ao longo do tempo, dando-lhes um sentido mais profundo e significativo na mente dos seus clientes e potenciais clientes;
– Visão abrangente e multidisciplinar. Sou muito curioso e gosto de compreender as lógicas por detrás de cada ferramenta e, ao longo dos anos, fui experimentando diversas áreas da comunicação. Gosto de pensar em histórias que cruzem as várias disciplinas e que se adaptem às especificidades de cada meio;
– Fácil adaptação à mudança. Acho que isto se deve ao facto de não me levar demasiado a sério. Se há coisa que a vida já me mostrou é que há sempre uma realidade ao virar de cada esquina que pode mudar por completo as regras do jogo. Por isso, acho que me sinto confortável e motivado nos momentos de crise, em que tudo é posto em causa;
– Integridade. Sou uma pessoa de valores. Acredito que a ética é algo que devemos ao próximo, à sociedade e ao Mundo;
– Desvalorizo o ego. O meu foco, o que me preenche, é mesmo o fruto do meu trabalho. Todas as forças que possam alimentar o meu ego e vaidade tento usar para criar uma energia positiva à minha volta e valorizar as equipas com quem trabalho;
– “Anti-bullshiting”. Aquilo que sai do meu trabalho é genuíno. Se o defendo é porque acredito. Isto é algo que tento manter sempre presente na minha relação com os meus clientes. Da mesma forma, gosto de trabalhar marcas que acreditam que um posicionamento assumido numa campanha é muito mais do que um argumento de vendas. É o repensar a sua própria cultura. Ter essa coragem de reflectir verdadeiramente sobre os posicionamentos de comunicação que se assumem, no meu ponto de vista, é o verdadeiro elemento diferenciador numa época de tanto ruído e diversidade de mensagens.
Como vês a situação actual?
Acho que já todos estamos conscientes de que temos um enorme desafio pela frente e que o “cada um por si” não será suficiente. É da nossa responsabilidade individual contribuir para a recuperação da economia, apoiando a indústria portuguesa nas mais pequenas decisões diárias. E é necessário manter bem presente este mindset, pois a crise está longe de ser resolvida a curto prazo.
Neste campo, há um sector que pode ter um papel fundamental na construção de uma consciência colectiva mais construtiva e colaborativa. Falo obviamente da imprensa. Necessitamos de uma imprensa de qualidade com força suficiente para contrariar o fenómeno do clickbait, que está na origem das fake news, populismo e sensacionalismo, e que gera a divisão da sociedade, promove o ódio, o radicalismo e o favorecimento de interesses obscuros.
Para isso, é necessário encontrar modelos e mecanismos que invertam esta realidade e que financiem o jornalismo de qualidade, valorizando a ética no sector. Se conseguirmos vencer este desafio, uma coisa está garantida: uma população bem informada e instruída toma decisões mais inteligentes.
Depois, há um aspecto em que penso frequentemente e que não deveria ser menosprezado: o poder das comunidades alinhadas por uma causa. No decorrer desta crise, uma coisa que me sensibilizou bastante foi a reacção das comunidades de makers e developers, que implementaram soluções para a crise muito mais rápidas e criativas do que a própria indústria e o Estado. Falo, por exemplo, da produção de viseiras e máscaras para os profissionais de saúde, da prototipagem de ventiladores e inúmeras outras soluções que surgiram da noite para o dia, por todo o País.
A uma velocidade assustadora, ultrapassaram-se questões relacionadas com desenho técnico, angariação de matérias-primas, produção, controlo de qualidade, distribuição, mas o mais impressionante é que não só se auto-financiaram como impulsionaram brutalmente a indústria.
Neste sentido, acho que temos o dever não só de proteger estes movimentos espontâneos da sociedade, como incentivá-los criando-se, por exemplo, áreas de patenteamento do domínio público, que garantam a estes projectos o devido enquadramento legal e incentivem o desenvolvimento de soluções inovadoras, quer ao nível de código open source, quer na produção digital, electrónica, soluções no domínio da energia, etc. Escusado será dizer que nossa capacidade inovação pode ser uma das chaves para a saída desta crise.
Por último, só porque sou criativo de profissão e, como tal, é-me permitida alguma utopia, gostava de lançar aqui uma ideia que se inspira nos Objectivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU, que foram inteligentemente materializados num conjunto de ícones para serem facilmente compreendidos por todos.
Porque não criar-se um grupo de ícones, que reúna o consenso das principais forças políticas nacionais e que traduzam um conjunto de objectivos estratégicos para a recuperação económica do País?
Isto permitiria ao Estado apoiar, promover e financiar os projectos de empreendedorismo que apresentassem soluções enquadradas nos diversos objectivos e permitiria também às marcas alinharem o seu propósito por forma a desenvolverem estratégias de marketing com um impacto verdadeiramente significativo, quer na recuperação da País, quer na mente dos consumidores que estão particularmente atentos a todas as iniciativas que contribuam para melhorar a sua vida nesta época tão desafiante que se avizinha.
Apoveito a deixa para lançar uma pedra para o primeiro ícone:
– Ética e jornalismo de qualidade.
Desde quando és freelancer e porquê essa decisão?
Tenho cerca de 10 anos de trabalho como freelancer, não consecutivos. Eu diria que na origem da decisão está a minha natureza. O lado profissional sempre assumiu uma parte muito importante da minha vida e nunca consegui ter uma relação de indiferença ou distanciamento com o trabalho. O resultado daquilo que produzo enquanto profissional, pesa bastante no meu bem-estar pessoal.
No entanto, na primeira metade da minha carreira, oscilei entre momentos hiper-produtivos e outros momentos cinzentos, de total bloqueio de ideias. Isto obviamente fez-me reflectir e, ao longo dos anos, fui tentando determinar quais são as variáveis que influenciam directamente a minha motivação, criatividade e produtividade. E cheguei a algumas conclusões:
● É importante que exista uma causa pela qual valha a pena lutar e sentir que a minha colaboração acrescenta valor, tem significado;
● É fundamental ter um ambiente positivo e sentir-me rodeado por pessoas que se foquem em soluções, com vontade de arriscar e de as pôr em prática. Um dos aspectos que tem uma influência mais negativa na minha produtividade é a luta de egos, que coloca no topo das prioridades a auto-promoção e não os objectivos das empresas e dos projectos;
● A ideia de estar fechado num escritório preso a um horário não me satisfaz, pois faz-me sentir tratado como uma criança que precisa de dois toques para distinguir entre o tempo de estudo e do recreio. Gosto de ter liberdade e sentir que confiam em mim. Já por diversas vezes resolvi campanhas que deram um ano de trabalho a agências, sentado na esplanada do bar do Guincho e a discutir ideias com outra mente criativa.
Acredito que esta crise está a mudar a mentalidade das empresas e que brevemente irão surgir lógicas de trabalho diferentes. No entanto, até ao momento tem sido mais fácil criar as condições que considero mais favoráveis num registo de freelancer, uma vez que sou apenas avaliado pelo resultado e não por um conjunto de variáveis que não considero terem qualquer tipo de peso na minha criatividade, produtividade ou profissionalismo.
Quais as vantagens e desvantagens de ser freelancer?
Ser freelancer é como ser um trapezista sem rede. Estar “sem rede” não é para todos: quando se cai dói “um bocadinho” mais. Além disso, requer aprendizagem e habituação.
Em primeiro lugar, é necessário acautelar algumas cláusulas que não aparecem por “default” quando se assina este tipo de “contrato”. A primeira é logo a parte financeira, ou seja, há que ter consciência que todas as ondas vividas pelo mercado (positivas ou negativas) sentem-se muito rapidamente na pele. É importante não entrar em demasiada euforia quando as coisas correm bem, nem em depressão profunda quando se passa o contrário.
Outro aspecto que muitas vezes é descurado tem a ver com todo o apoio administrativo que uma empresa nos garante. Num contexto de freelancer, existe uma série de passos que têm de ser assegurados por nós até que o dinheiro nos caia na conta e que consomem muitas horas de trabalho.
Depois, aquilo que provavelmente afasta grande parte das pessoas deste caminho é não haver uma direcção e objectivos definidos. Isto provoca frequentemente desmotivação, uma vez que nós, enquanto espécie social, temos gravado no nosso ADN a necessidade de validação pelos outros.
Nesta vida de trapezista sem rede, cabe-nos totalmente a nós determinarmos se queremos andar à deriva das oportunidades que vão surgindo e sentirmo-nos validados pelo que conseguimos produzir ou pela quantidade de dinheiro que conseguimos gerar, ou ainda se preferimos estabelecer um plano e criar as nossas próprias métricas para nos auto-avaliarmos e motivarmos.
Há ainda outros aspectos não menos importantes de que se beneficia naturalmente quando estamos inseridos numa empresa, tais como a aprendizagem colectiva, partilha de conhecimentos, bem como o networking e a parte social.
Ser freelancer não é necessariamente abdicar de tudo isto. Na verdade, tudo pode e deve ser trabalhado. No entanto, é fundamental encontrar estratégias que permitam minimizar estas diferenças e inclusivamente beneficiar do facto de sermos nós quem tem o controlo sobre as variáveis.
De resto, acho que a situação actual já deve ter dado à maioria das pessoas um workshop intensivo de “introdução à problemática da vida de um freelancer”. Seguramente, muitas não se adaptaram a esta mudança, outras sentiram-se como peixes na água.
O mesmo se passa connosco. Quando os ventos são favoráveis e as coisas correm de feição, é garantidamente uma vida de sonho. Quando se dá uma tempestade, já a coisa pia fininho.
Fazendo um balanço, eu diria que a liberdade é algo que não tem preço. Tomar as rédeas da nossa vida, ter o poder de decidir como, quando e para quem queremos trabalhar e sentir no pêlo as consequências das decisões, dá-nos seguramente uma perspectiva bem diferente daquela que teríamos se estivéssemos integrados numa estrutura com um horário nine-to-five.
Eu sou daqueles que acredita que, contrariamente à ideia de que todos os negócios têm que ser escaláveis, é bom ser-se pequeno e independente. Ser pequeno não significa necessariamente ganhar menos, estar isolado do Mundo, ou atrofiar intelectualmente. Muitas vezes é apenas o sinónimo de não se querer tornar um escravo de uma vida que não encomendámos.
Para conhecer melhor João Lagido: