Por Nuno Nogueira Pinto, Head of Banking & Finance da BROSETA Portugal
Os situacionistas diziam que “na sociedade do espectáculo, o real torna-se secundário face à sua representação”. Na sociedade digital, o espectáculo vive nos feeds, onde finfluencers (influenciadores que falam sobre investimentos e estratégias quiméricas de enriquecimento rápido) encenam sucesso e fórmulas infalíveis em vídeos de 30 segundos. Num tempo em que que há excesso de informação mas escassez de reflexão, em que se consome mais do que se compreende, em que poucos lêem e muitos seguem, alguns xamãs do scroll oferecem respostas fáceis a perguntas mal feitas. Mas o que parece simples pode ser apenas ruído bem embalado.
A Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM) lançou recentemente uma comunicação que alerta para os limites legais da actuação destes criadores de conteúdo. A mensagem é clara: há uma linha ténue entre partilhar conhecimento e exercer, sem autorização, actividades de intermediação financeira. E essa linha está a ser muitas vezes cruzada — talvez por desconhecimento, talvez por conveniência.
Publicar conteúdos sobre literacia financeira é legítimo e até desejável. Falar sobre como poupar, promover a frugalidade, ensinar a investir com consciência ou evitar o sobreendividamento são coisas que deveriam ser ensinadas na escola e não suscitam problemas, desde que a abordagem seja neutra e educativa. No entanto, se um finfluencer faz recomendações explícitas sobre produtos financeiros — sobretudo se tiver uma relação comercial com uma entidade financeira — entra no radar regulatório da CMVM.
Há regras. E não são meros formalismos, porque nos protegem a todos. A consultoria para investimento é uma actividade reservada a profissionais autorizados, registados na CMVM ou junto de autoridades europeias equivalentes. O mesmo se aplica à prospecção de clientes ou à publicidade de serviços de investimento, que só podem ser feitas por intermediários financeiros ou por agentes vinculados — ou seja, representantes formalmente reconhecidos e supervisionados.
Quando os finfluencers são contratados pelos próprios intermediários financeiros para alcançar mais views, estes são obrigados a garantir que os conteúdos divulgados são lícitos, claros, transparentes e identificam o verdadeiro anunciante. Ignorar estes deveres não só prejudica os investidores, como mina a confiança no mercado.
Um post no Instagram ou um vídeo no YouTube pode parecer apenas uma opinião pessoal. Mas se influencia decisões de investimento de terceiros, se é pago por uma instituição financeira ou se contém sugestões de onde colocar o dinheiro, pode configurar uma infracção. Acrescentar um disclaimer a dizer que “não é conselho financeiro” não basta, porque a recomendação está lá, assim como as consequências que daí podem advir para os investidores.
Este alerta da CMVM é bem-vindo e necessário. Não se trata de censura ou de limitar a liberdade de expressão, mas de proteger o investidor comum num ecossistema digital onde o ruído é muito e a autoridade, por vezes, pouca. A internet democratizou o acesso à informação, mas também ampliou o risco da desinformação e da manipulação.
No mundo dos finfluencers, o real cede muitas vezes lugar à sua encenação. A aparência de sucesso pode substituir a competência e a influência pode valer mais do que o fundamento. Mas quem dá conselhos sobre dinheiro tem o dever de saber que os seus likes podem custar caro a quem os dá.