Texto de Jorge Borges, consultor e docente, especialista em marketing B2B e estratégia digital
Durante décadas, o marketing B2B foi o parente sério e enfadonho do marketing. Enquanto o B2C criava histórias memoráveis, campanhas virais e anúncios comoventes, o B2B limitava-se a catálogos técnicos, whitepapers e apresentações PowerPoint com mais bullet points do que emoção. Mas os tempos mudaram — e ainda bem.
Hoje, quem lidera marcas B2B tem um desafio e uma oportunidade: equilibrar a urgência de gerar vendas para atingir a quota do trimestre com o imperativo de construir uma marca relevante e memorável no longo prazo. E a boa notícia é que criatividade e crescimento não são forças opostas. Pelo contrário — quando bem orquestradas, são aliados poderosos.
Da notoriedade à relevância
A notoriedade da marca por si só já não chega. O que conta é se o cliente se lembra da sua marca no momento certo. E isso exige mais do que campanhas criativas: exige pertinência.
A marca deve estar presente nos temas que realmente importam ao seu público. Quer um exemplo? O trabalho híbrido. As empresas debatem-se com a retenção de talento, enquanto os colaboradores procuram ferramentas que facilitem a colaboração remota. Se está a gerir uma marca que vende tecnologia, serviços ou consultoria — de que lado está nesta conversa? Está a liderar o debate ou apenas a fazer eco do que outros já disseram?
Marcas relevantes não são as que falam mais alto — são as que dizem o que é necessário no momento certo. E para isso é preciso ouvir o mercado com atenção, identificar os pontos de tensão e construir campanhas que respondam a esses desafios de forma autêntica.
A criatividade saiu da sala de reuniões
Até há 10/15 anos, bastava mostrar o produto, listar especificações e colocar o logo no final. As decisões de compra B2B eram “racionais”, diziam-nos. Mas a realidade é que todos os compradores são humanos — e, como tal, movem-se por emoções, mesmo quando estão a tomar decisões em nome de uma empresa.
Começámos a assistir a uma transformação silenciosa. Empresas B2B começaram a investir em campanhas com mais diferenciação, mais storytelling, mais impacto visual. O humor, a empatia e até a ousadia começaram a surgir em setores tradicionalmente cinzentos. No entanto, nem toda a criatividade é eficaz. Criar uma campanha que emociona mas não deixa rasto de marca é um desperdício de orçamento. O objetivo não é apenas entreter — é garantir que o público associa a emoção certa à marca certa.
A mudança está a acontecer
A pressão para gerar leads é real. Mas ceder à tentação de apenas investir em ações de curto prazo pode ser um erro estratégico. A construção de marca exige tempo, consistência — e sim, alguma coragem.
Marcas B2B que têm a coragem de experimentar com propósito, que testam novas linguagens, novos canais e novos formatos, estão a ganhar terreno. Porque sabem que a métrica mais próxima do crescimento futuro não é o CTR — mas a consideração. Quando uma marca começa a entrar sistematicamente na “shortlist” dos decisores, o crescimento torna-se inevitável. E sim, é possível medir esse progresso com os dados certos e uma estratégia bem definida.
E há provas de que esta mudança está em curso — até mesmo em setores tradicionalmente “aborrecidos” como a tecnologia:
· HP – “The Wolf” A HP pegou no tema árido da cibersegurança e transformou-o numa emplogante série ao estilo de Hollywood, protagonizada por Christian Slater no papel de hacker. Mais do que gerar notoriedade, a campanha teve uma abordagem pedagógica alertando para o facto da maioria das falhas de segurança começar dentro das organizações, com ações humanas aparentemente inofensivas. Ao dramatizar cenários realistas de risco, a HP criou um novo enquadramento para o problema, sensibilizando empresas e colaboradores para a importância da prevenção, posicionando a marca como autoridade em segurança e inovação tecnológica.
· Adobe – “Do You Know What Your Marketing Is Doing?” Com humor inteligente, a Adobe abordou a frustração comum de muitos profissionais de marketing: a falta de visibilidade e controlo sobre o desempenho das suas ações. O tom bem-disposto e direto trouxe empatia e identificação — duas emoções raramente usadas em B2B.
· Workday – Super Bowl “Rock Star” A marca de software de RH investiu num anúncio para o Super Bowl — território sagrado das consumer brands — e fê-lo com humor e irreverência, utilizando estrelas como Ozzy Osbourne e Billy Idol a ironizar com a expressão “rock star” usada no mundo corporativo. A campanha não só gerou enorme notoriedade como demosntrou que marcas B2B podem atuar em canais de grande visibilidade, com criatividade e impacto, sem perder a coerência nem a pertinência da sua mensagem junto dos decisores.
· Salesforce – “AI Sheriff” Numa jogada ousada, a Salesforce lançou uma campanha centrada no papel da IA nas empresas, ao apresentar Matthew McConaughey como um “xerife” moderno que faz as perguntas certas sobre a regulação da inteligência artificial e o papel da tecnologia no futuro. Ao invés de apenas promover funcionalidades, a campanha posicionou a marca
como referência ética num tema emergente — e, ao mesmo tempo, cria uma narrativa memorável e visualmente disruptiva.
Estes exemplos mostram que o marketing B2B está a atravessar uma mudança profunda — não só no tom e na estética, mas também no papel que as marcas assumem na sociedade. Já não basta vender soluções; é preciso representar valores, provocar conversas e gerar impacto emocional Este é o novo território B2B: marcas que não têm medo de ser vistas, ouvidas e lembradas.
Chegou a hora do marketing B2B sair da sombra
Não se trata de teoria. Há marcas B2B que estão a fazer este caminho — e a ganhar vantagem competitiva por isso. Marcas que ousam ser diferentes, sem perder o foco nos resultados. Marcas que combinam storytelling com dados, criatividade com tecnologia, visão com execução.
O marketing B2B está a deixar de ser um manual técnico e a transformar-se numa narrativa estratégica. E os profissionais de marketing têm aqui uma missão: desafiar o status quo, questionar briefings cinzentos, exigir mais das agências e acreditar que, mesmo num ciclo de compra longo e complexo, o impacto emocional conta.
Porque no final do dia, seja em B2B ou B2C, quem compra são pessoas. E as pessoas lembram-se de marcas que as fazem sentir algo.