Extreme rebranding
Por Judite Mota, Chief creative officer / managing director da VMLY&R
Um dos maiores desafios que qualquer profissional de Comunicação ou Marketing pode enfrentar é, seguramente, o de posicionar e comunicar uma marca-país. É que as variantes são demasiadas e, a maioria, pouco controláveis. O abismo que pode existir entre o que dizemos e como nos vêem pode ser enorme e não há pontes que o atravessem por mais que nos esforcemos. As acções dos políticos, do povo, a economia, a indústria, a personalidade nacional, ou mesmo um empregado de mesa mal-educado, podem contrariar tudo o que a comunicação ou campanha de marketing de uma nação se esforça anos a fio por construir.
Este é um trabalho a longo prazo e que não se esgota com uma campanha que promove praias solarengas ou montanhas imaculadas. Porque promover um país não é apenas posicioná-lo enquanto destino turístico, mas também enquanto parceiro económico ou aliado político.
É por isso que, embora assente em tragédia, é tão fascinante o rebranding extremo que a Ucrânia nos oferece enquanto é sujeita à inenarrável agressão da Rússia.
Um reposicionamento instantâneo a mais do que um nível. Não ficamos apenas a saber que os ucranianos amam o seu país e estão dispostos a defendê-lo até ao último homem. Percebemos como a comunicação pode em qualquer circunstância, mesmo uma tão difícil, acrescentar valor.
“Preciso de armas, não de boleia” foi o sound bite perfeito que chamou a nossa atenção para lá das imagens do horror. O presidente Zelenski, de quem pouco mais sabíamos para além de era actor e tinha sido pressionado por Donald Trump para atingir Joe Biden, revela-se em directo um líder muito diferente de todos os que estamos habituados a ver na Europa. Tudo nele, desde os discursos inspirados e costumizados a cada parlamento, aos directos nas redes sociais, modifica a imagem que temos de toda uma nação. E nada foi deixado ao acaso, nem mesmo o guarda-roupa. O líder do Estado não voltou a pôr fato e gravata. O que veste também não é uma farda, mas todos os códigos cromáticos que nos remetem para a guerra em curso estão lá. É um homem em fato de trabalho que não está na linha da frente, mas está com as mãos na obra. As olheiras e a barba por fazer dão credibilidade ao seu discurso e o tone of voice deste grande rebranding é irrepreensivelmente respeitado. No início perguntei-me se ele teria com ele argumentistas do seu programa de televisão e mais tarde vim a saber que sim. Profissionais de comunicação mas não da comunicação política. E isso faz muita diferença neste caso. Porque tal como deve acontecer na comunicação de uma marca, a verdade soa em cada frase e em cada acção. Não há discursos vazios e artificiais e tudo o que lemos sobre a história da Ucrânia em jornais e publicações serve de reason to believe.
E quando em plena guerra sai em todas as plataformas uma campanha de comunicação da marca-país Ucrânia, que posiciona esta nação com um valor inesperado numa campanha deste tipo – bravura –, a mensagem e a nossa percepção têm uma correspondência perfeita. Não há abismo inultrapassável, a ponte está lá.
Bravery é o tema da campanha e vale mesmo a pena ver no YouTube. Be brave like Ukraine.
Artigo publicado na edição n.º 311 de Junho de 2022