Esta Quinta Nova é oitocentista

E tem uma história imensa para contar. Vale a pena ir até ao Douro, mais para a zona de Sabrosa, e perceber as vontades da família Amorim por ali.

Texto de M.ª João Vieira Pinto

Chegar ao Douro é… suster o fôlego. Chegar ao Douro, descendo a montanha, é suster o fôlego duplamente. Foi precisamente assim até à Quinta Nova de Nossa Senhora do Carmo, com o impacto da paisagem em nós, dos vinhedos que descem ao rio, dos socalcos que recortam e desenham a terra. A Quinta Nova é das mais antigas por ali, referenciada desde a primeira demarcação pombalina, em 1756. Propriedade da Casa Real Portuguesa até 1725, tornou-se uma “quinta nova” pela junção de duas quintas numa só. Já foi casa de mais do que uma família. Mas desde 1990 que a família Amorim a chamou a si e ajeitou a seu gosto. Agora, e desde Maio, é Relais & Châteaux – de resto, a única propriedade com a insígnia no Douro -, o que se percebe em pequenos pormenores. Chegámos quase ao final da tarde, num dia a chamar o calor. Não é fácil a estrada até lá, como que a lembrar que, no final do caminho, só pode estar um sítio especial. E é-o. A começar no quadro de enquadramento e a reforçar em quem recebe. Como chegámos com o calor, como disse, a primeira atenção veio em jeito de bebida fresca, num banco de conforto, de frente para as vinhas centenárias e o Douro, o rio, aos pés. O luxo, ali, também se faz muito assim.

Claro que perdemos o tempo, entre árvores seculares e bem ao lado da verde piscina que se debruça para o vale. Até nos convidarem a conhecer o quarto e nos lembrarem que havia jantar. A casa é oitocentista. Foi recuperada e agora ainda mais “cuidada” para responder aos requisitos da Relais & Châteaux. Os quartos (11) fazem-nos sentir em casa, com mobiliário de época e atenção, pelo que foi fácil acomodarmo-nos. Com projecto de Ana Isabel Vale, da ABProjectos, a missão passou por manter o ADN do edifício, entre os ancestrais tectos de madeira ao mobiliário, ou as loiças e faianças da Fábrica de Sacavém ou Bordallo Pinheiro. Todos os quartos abrem janelas e varandas sobre os terraços de vinha. Até que chegou a hora de jantar. André Carvalho é o chef que comanda a cozinha do restaurante Terraçu’s. Tem 28 anos e uma vontade infinita de recuperar tradições locais – como o cuscos e a cevadinha -, dando-lhes alma nova. Ou não fosse o próprio natural de Lamego, terra bem ao lado, e não tivesse começado a cozinhar logo pelos 10 com as mulheres da família.

O que se procura levar à mesa é tradição reconstruída, como a raia sobre cevadinha a lembrar risotto. Tudo com serviço onde não há falha a apontar, e a acompanhar com uma carta de vinhos da Quinta Nova, claro, de Taboadella – a mais recente incursão da família, no Dão – e da Herdade do Freixo de Cima (projecto de Luísa Amorim, no Alentejo). O que André criou para o Terraçu’s foram duas propostas de menu, de três e cinco momentos, que harmonizam com os vinhos e deixam memórias. E isso é mais que certo quando se cruza um Mirabilis (Douro) ou um Grande Villae (Dão). Ou, no final, quando Ruben – o mais que atento e inesquecível escanção – abre a fogo um Porto Vintage, numa prática tradicional com recurso a uma tenaz em brasa e muita perícia! Pelo meio, é o verdadeiro anfitrião. Explica e expõe os vinhos que traz à mesa, recorda histórias e a história da quinta. Lembra que a adega remonta a 1764, que é uma das mais antigas do Douro, enquanto a capela, de frente para a recepção, tem um ano mais e é onde ainda se realizam as missas da vindima. Assim como partilha que lá em baixo, junto ao rio, foi erguida no século XVII uma outra capela de Nossa Senhora do Carmo, padroeira dos viajantes, e que nos merece um passeio pela manhã. Assim o fizemos. E confirmamos: merece e vale a descida e, claro, a subida! Ruben diz e sublinha que o que faz a diferença desta quinta são as experiências. Nós garantimos, o desejo é conseguido!

A família Amorim, os vinhos e o enoturismo

Depois de mais de dois séculos ligada à produção de Vinho do Porto, em 1999 a Quinta Nova é adquirida pela família Amorim. Sob a gestão de Luísa Amorim, a propriedade inicia em 2005 um novo ciclo, com um projecto que, pela primeira vez, desenha vinhos clássicos do Douro, explorando os microterroirs das 41 parcelas. Em 20 anos, a “velha” Quinta Nova redesenha-se, num trabalho feito a partir do zero através de uma intensiva transformação da vinha à adega, destacando- -se a plantação de 50 hectares de vinha, com o objectivo de potenciar a excelência, culminando nos actuais 85 hectares. A equipa de viticultura e enologia, liderada por Ana Mota e Jorge Alves, experimenta o potencial de cada parcela, de cada casta e de cada palmo de terra. E desde cedo prepara a adega secular, desenhando no seu interior uma adega do futuro, um espaço de criação, de desenvolvimento, de vinificação e estágio.

Este artigo foi publicado na edição de Julho de 2021 (n.º 300) da Marketeer.

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