Esta plataforma oferece-lhe dinheiro pela sua mala velha
Já é possível dar nova vida a malas de marcas premium das quais já não se gosta e receber em troca crédito para comprar um novo artigo. A portuguesa White Stamp desenvolveu um programa colaborativo que permite aos retalhistas de moda incentivar os seus clientes a trocar artigos usados por novos, acabando com os roupeiros ocupados com peças que já não vêem o sol há anos.
Segundo a White Stamp, o nível de esforço inerente à venda de artigos que já não se usam – mas que estão em bom estado – é superior à recompensa. Por isso, a tendência é para acumular, à medida que se vão comprando novos artigos, nomeadamente malas, tendo em conta que o processo de compra é muito mais simples, prático e cativante do que o de venda.
A proposta da White Stamp para este problema é simples: vender online a peça usada e receber crédito para a compra de uma novo artigo. Para já, o projecto conta apenas com a plataforma Minty Square como parceira: basta visitar a página Sell 1, Buy 1 deste site, preencher o formulário com as características do artigo, enviar o mesmo gratuitamente e aproveitar o voucher recebido para ir às compras. Âme Moi, Kaoâ, Carolina Curado, Luís Carvalho e Nobrand são alguma das marcas disponíveis na Minty Square.
Para já, o serviço está disponível apenas para malas e aponta a insígnias premium, uma vez que os artigos têm maior qualidade. Pedro Sobral, CEO e co-fundador da White Stamp ao lado de Marta Rito, conta à Marketeer como surgiu a ideia, que outras áreas de moda pensam explorar e o que acontece aos artigos vendidos.
Quando nasceu o projecto? Há quanto tempo está operacional?
O projecto começou a ser idealizado há cerca de um ano – altura em que concorremos ao StartUP Voucher 2018 (programa da StartUP Portugal que visa o desenvolvimento de projectos empresariais que se encontrem em fase de ideia). Após passarmos pelas várias fases do programa, que terminou em Outubro deste ano, sentimos que estávamos preparados para testar o conceito. A Minty Square é o nosso primeiro parceiro e esta colaboração está activa desde meados de Novembro de 2019.
A sustentabilidade é a principal motivação?
A sustentabilidade é uma motivação que surge na forma de consequência. Procurámos dar resposta às necessidades de importantes intervenientes da indústria da moda: retalhistas, consumidores e ambiente. Há uma preocupação crescente, por parte dos retalhistas, em contribuir para o melhoramento dos níveis de sustentabilidade na indústria da moda – comummente apontada como a segunda mais poluente do mundo.
De acordo com um estudo realizado pela ThredUp1, nove em cada 10 executivos sénior no retalho pretendem incluir mais princípios de economia circular nas suas empresas até 2020. No entanto, fazer ajustes ao modelo de negócio é uma estratégia arriscada, que exige custos, muitas vezes, proibitivos. A reforçar a importância desta tendência, destacamos o apelo do consumidor – 74% entre os 18 e os 29 anos prefere comprar marcas que seguem princípios de sustentabilidade.
Aliada à preocupação ambiental, está o desejo de capitalizar artigos parados e em bom estado. No entanto, faltam soluções que se adeqúem ao estilo de vida da sociedade actual, em que o tempo é um bem demasiado escasso para ser desperdiçado – 96% dos consumidores inquiridos por nós afirmou que gostaria de vender artigos que já não utiliza com mais frequência, se o processo fosse mais simples, rápido e seguro. A White Stamp oferece essas vantagens, tornando o processo de revenda conveniente e acessível nas marcas da rotina de compra do consumidor – a descrição dos artigos é intuitiva e quase imediata, há uma redução drástica no tempo de espera da remuneração e não exige qualquer tipo de negociação e partilha de identidade com potenciais interessados nos artigos. No prazo máximo de doisdias úteis, após a recepção do artigo, o crédito fica disponível por tempo ilimitado e pode ser utilizado na compra de qualquer produto das marcas aderentes.
Assim, independentemente da motivação dos intervenientes ao utilizarem o nosso programa, e tendo em conta que os artigos recebidos são introduzidos no mercado de segunda mão, o resultado final é a redução das externalidades negativas inerentes à produção, transporte e comercialização de artigos de moda.
Porquê apontar aos retalhistas de moda premium?
Essencialmente pela qualidade e durabilidade das peças associadas às marcas premium. O nosso objectivo é a reutilização. Logo, ao nos focarmos no premium, estamos a aumentar a probabilidade de dar uma nova vida aos artigos que recebemos. Ao mesmo tempo, permitimos que um maior número de pessoas tenha acesso a items em bom estado, com uma qualidade e durabilidade consideravelmente superiores aos de fast fashion.
Embora haja margem para implementar programas que promovem a economia circular nas marcas de fast fashion, estes são, essencialmente, no âmbito da reciclagem (precisamente pela dificuldade em reutilizar artigos de qualidade inferior). Apesar de reconhecermos mérito a este tipo de soluções, é uma área que está a ser cada vez mais explorada por players interessantes à escala mundial, à qual adicionaríamos menos valor.
Em Inglaterra, cada pessoa tem, em média, 53 artigos de roupa parados nos armários. Em Portugal, estima-se que este valor ronde as 28 peças. De acordo com a nossa pesquisa, estes artigos são, na sua maioria, roupa com demasiado valor (e em bom estado) para ser reciclada.
Equacionam expandir para outros segmentos/categorias de produto?
Queremos responder às necessidades dos utilizadores e sabemos que os artigos parados não se limitam às carteiras. A prazo, o objectivo passa por alargar o conceito a outros artigos: roupa, calçado e acessórios de moda feminina. Mais tarde, consideramos incluir no programa items e marcas de moda masculina e infantil.
No que diz respeito a outros segmentos, na medida em que o objectivo é a reutilização, é pouco provável que apostemos no fast fashion a curto prazo. O segmento de luxo está cada vez mais focado no recondicionamento, o que, de momento, não está a ser equacionado por nós.
Que resultados até agora?
Embora o programa seja bastante recente e uma novidade para a maioria das pessoas, o nível de interesse demonstrado até ao momento (tanto na perspectiva dos utilizadores, como na de potenciais parceiros) tem superado fortemente as nossas expectativas.
Qual é o feedback dos consumidores?
O feedback dos consumidores está alinhado com o que pretendíamos – “processo muito rápido e eficaz!”. De qualquer forma, como estamos em fase de teste, quanto maior for o número de reacções melhor. Deste modo, o feedback é incentivado em todos os contactos que fazemos. Só assim podemos continuar a melhorar a proposta e alinhá-la o mais possível às expectativas dos nossos clientes.
O que acontece aos artigos em segunda mão entregues pelos consumidores?
O nosso foco é a reutilização. Logo, os artigos que chegam até nós em condições de serem revendidos são reintroduzidos no mercado através dos nossos parceiros de segunda mão (lojas físicas e canais online).
Na eventualidade de não apresentarem condições mínimas de revenda, o cliente pode optar entre pedir a sua devolução ou doar (para IPSS, ou reciclagem – dependendo do estado dos artigos).
Qual a previsão de crescimento para o próximo ano?
Actualmente, cerca de metade dos Millennials considera o preço de revenda quando compra novo. A prova é que, nos últimos três anos, o mercado de revenda cresceu a um ritmo 21 vezes superior ao do retalho tradicional (primeira mão). No caso dos EUA, espera-se que, em 2028, o mercado de segunda mão seja quase 50% superior ao de fast fashion. Este e outros factos levam a que rondas de investimento em negócios que promovem a reutilização estejam a atingir as centenas de milhões de euros (como é o caso das plataformas Vinted e da ThredUP).
Neste momento, estamos prestes a apresentar o projecto a potenciais investidores. Com os parceiros certos e chegando ao nosso público-alvo, estão reunidas as condições para tornar a White Stamp num caso de sucesso para a economia circular na moda, a nível internacional.
Depois da Minty Square, que outros parceiros estão em cima da mesa?
Os primeiros contactos que estabelecemos com potenciais parceiros são muito animadores, com marcas a mostrar interesse efectivo em aderir ao programa. O objectivo passa por diversificar ao máximo o leque de parceiros, por forma a darmos ao utilizador uma liberdade grande na utilização do crédito. Procuramos também fazer parcerias com marcas que já operam no mercado externo, facilitando o acesso, quase imediato, a outras geografias quando o momento se proporcionar.
Qual é o modelo de negócio?
A White Stamp liga o mercado de primeira mão ao mercado de segunda mão. Os artigos indesejados e em bom estado que chegam até nós são vendidos através dos nossos parceiros de segunda mão, ficando a White Stamp com parte da receita que resulta dessas vendas. Lidamos com toda a logística associada à recepção, autenticação e verificação dos mesmos, libertando os nossos parceiros dos custos que lhe estão associados.
Texto de Filipa Almeida