E se a sua marca fosse “desplataformizada”?

Por Gustavo Marques Mendes, professor convidado da Porto Business School e director de Marketing da New Coffee

“Deplatforming” – em português “desplataformizar” – diz respeito à remoção de uma conta ou perfil nas redes sociais ou de outras plataformas digitais por violação das regras dessa rede ou plataforma. Simples de explicar, mas complexo nas consequências.

O dilema ético associado à acção de remoção de uma conta das redes sociais, e que tem vindo a ser amplamente discutido, anda à volta dos temas da liberdade de expressão e da “legitimidade” de quem decide a expulsão.

Acho particularmente interessante concentrarmo-nos na pragmática da decisão de “desplataformizar” um perfil, não necessariamente de uma pessoa, mas de uma marca. Se aconteceu ao ex-presidente dos EUA, o que impede de acontecer à sua marca?

Dirão os mais expeditos: “mas a minha marca não incita ao ódio, nem a nenhuma forma de discriminação”.  A esses aconselho a leitura do livro “Fahrenheit 451” de Ray Bradbury, escrito em 1953. Em grandes linhas, o livro apresenta-nos um futuro distópico em que a função dos bombeiros é queimar todos os livros existentes para silenciar ideias, numa sociedade em que o pensamento próprio é suprimido e a tecnologia é um instrumento de normalização das ideias (qualquer semelhança com a realidade…).

Por isso, volto à questão: e quando a sua marca defender uma ideia diferente da ideia do dono da rede social? E quando, ao ler na íntegra a última revisão dos “termos e condições de utilização”, encontrar alguma coisa com que não concorda? E se a “desplataformização” for um processo lento, que já está em curso, e nós (marcas) deixamos? E até contribuímos activamente para isso.

Há já muito tempo que as redes sociais estão empenhadas na manipulação algorítmica do ecossistema. Quer a sua intenção original se baseasse ou não na melhoria da experiência do utilizador, a optimização de algoritmos e testes AB permitiu-lhes aperfeiçoar a sua capacidade de controlar o que acontece na rede, sem que os utilizadores (e as marcas) se apercebam totalmente do que se passa ou possam sequer contrariar esse movimento. As marcas aceitam esta “realidade”, pagam para contrariar o algoritmo e conseguir assim o tão desejado alcance e envolvimento. E a marca que decidir não o fazer? É “subtilmente” desplataformizada. Porque simplesmente não vai aparecer.

Num período de aceleração da transformação digital, o verdadeiro desafio ao papel da comunicação na construção de marcas mantém-se: o planeamento de meios. Não só porque o “digital” é muito mais do que redes ou plataformas sociais (é também CRM, intranet, portal B2B, email, website, loja online…), mas também porque a comunicação de marca é muito mais do que só digital – é analógica e está na experiência de consumo ou de utilização de um produto ou serviço.

De repente, vemos a “enxurrada” de vagas disponíveis para “marketing digital” em empresas onde nem sequer marketing existe ou pouco existe. O marketing é muito mais do que “digital” (nunca me imaginei ter mesmo de dizer isto, mas, de repente, torna-se preciso). Assim como o digital é “só” mais um canal – se assim lhe quisermos chamar – no meio dos outros já existentes. Sim, porque a comunicação no ponto de venda continua a existir, a rádio continua a existir, a imprensa escrita reinventa-se e continua a existir, a televisão apresenta novos formatos e continua a existir, o “sponsorhip” de eventos continua a existir e o “word of mouth” nunca foi tão forte.

Por isso, se as nossas marcas querem continuar a existir, devem continuar a usar, de forma hábil, todas as estratégias e ferramentas disponíveis à gestão de marketing e à construção de marca. E se essas deixarem de servir, inventem-se novas! Estamos numa altura de divergir nas soluções – porque os desafios são novos – e não de convergir desenfreadamente para aquela que parece ser a “única” solução.

 

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