Fullsix: «É gritante a forma como os consumidores estão a exigir confiança às marcas»
A Customer Experience (CX) é, desde há cerca de dois anos, o grande foco da Fullsix. Já era uma parte essencial do trabalho desenvolvido por esta agência digital, mas assumiu, em 2020, um papel de destaque no seu posicionamento. Tanto que inspirou até a elaboração de um estudo que versa precisamente este tema, descrito pela Fullsix como sendo vital para as marcas.
Filipe Moreira, Strategy director na Fullsix, explica que a Customer Experience «traduz a avaliação que os consumidores fazem, de forma holística e integrada, da experiência com determinada marca». Ou seja, «resulta do somatório das percepções que os consumidores acumulam ao longo de todas as interacções que têm com as marcas, produtos ou serviços e da forma como isso afecta a sua progressão ao longo do processo de consumo».
Em entrevista à Marketeer, Filipe Moreira lembra que é um tema muito associado à transformação digital e que isso ajuda a perceber que a mudança «não é automática, nem simplista». Ainda assim, afigura-se essencial. «Se as empresas não assumem e aceleram a sua transformação digital, o risco de os seus modelos de negócio se tornarem obsoletos é grande», alerta. E o que a CX, enquanto pilar das estratégias, traz para a equação é a perspectiva do consumidor, que deve ser sempre encarada como valiosa e relevante se falamos de Marketing e Comunicação.
Através do X-Index (estudo proprietário da Havas CX, do qual a Fullsix é co-fundadora), surge um barómetro internacional que explora o modo como os consumidores avaliam a sua experiência com mais de 500 marcas em diferentes regiões. Já na sua segunda edição, apresenta também caminhos para as marcas, ao identificar os principais critérios que pautam a experiência e a relação dos consumidores – incluindo os portugueses – com insígnias de 18 categorias.
Acompanhe a entrevista a Filipe Moreira na íntegra, onde o profissional faz uma retrospectiva do investimento da Fullsix na Customer Experience e aponta o primeiro passo que as marcas devem dar se querem evoluir nesta área. Spoiler: “confiança” é palavra-chave.
A Customer Experience sempre foi importante para a Fullsix, mas ganhou um peso maior nos últimos anos, ao juntarem-se à rede Havas CX. Como foi – e está a ser – este processo?
A experiência do consumidor não é uma disciplina que decidimos abraçar de um momento para o outro. A Fullsix teve a sua génese como agência digital e, salvo raras excepções, foi nesse papel que crescemos e ganhámos credenciais.
Mas, hoje, as fronteiras entre o on e offline já não existem, nem fazem sentido para quem gere marcas. Porque as pessoas mudaram radicalmente as suas vidas para o universo digital, transformando as formas tradicionais de se fazerem negócios e transacções em todas as áreas. E isso trouxe uma enorme disrupção nas relações entre marcas e consumidores. Apesar de todas as evoluções e transformações desde 2000 até 2022, o nosso propósito mantém-se inalterado: “We design integrated customer experiences to help brands become more meaningful in an increasingly digital world.”
No fundo, acreditamos que o sucesso e a eficácia das marcas começam pelo entendimento do que o consumidor valoriza em todas as fases da jornada de consumo – que vão desde o propósito e valores da marca até ao CRM e aos programas de fidelização, passando pelos conteúdos que suportam a decisão, ou o processo de compra. A nossa obsessão passa por conseguirmos mapear, medir, unir pontas, resolver pain points, melhorar experiências, automatizar processos… tendo sempre como ponto de partida e chegada as pessoas.
Que mudanças foram necessárias para acompanhar esta evolução? E que novidades estão planeadas?
Temos uma oferta de produtos e serviços muito dinâmica e isso faz parte da cultura Fullsix. Os consumidores mudam, as plataformas mudam, as dinâmicas mudam… Se tudo à nossa volta muda, nós também temos que mudar.
Nos últimos anos, o perfil de clientes e projectos da Fullsix tem evoluído com naturalidade e temos respondido a novos desafios, seja para clientes históricos, seja para novos clientes. Mas todos esses desafios têm uma premissa comum: são pensados de forma integrada na jornada do consumidor e contribuem para processos de melhoria da Customer Experience.
Há muita coisa a acontecer: temos pensado muito em estratégia de conteúdos, estamos ao lado dos nossos clientes em processos de inovação e service design, temos um departamento criativo que sofre de hiperactividade e há dois anos acrescentámos uma unidade de transformação digital focada na recomendação e implementação de soluções de martech aplicadas a marketing automation e e-Commerce, fazendo um plug-in perfeito com a nossa unidade de performance. Andamos, acima de tudo ocupados e divertidos com muita coisa e muito realizados com o trajecto que temos feito.
Um dos objectivos da nova network (Havas CX) era criar sinergias entre agências de diferentes geografias. O objectivo está a ser cumprido?
A Fullsix, historicamente, sempre foi uma agência com raízes locais e um perfil independente. A entrada na network Havas abriu-nos os horizontes e estamos numa fase de deslumbramento, porque, de facto, há inúmeras oportunidades para explorar. Estar numa network com implantação global, com tanta maturidade e tanto dinamismo, só pode ser entusiasmante porque existe muita partilha de conhecimento.
Ao fim de dois anos da criação da Havas CX, temos diálogo aberto com Madrid, estamos actualmente com projectos partilhados com equipas dos EUA e da Alemanha. Temos também uma equipa de development dedicada full-time a projectos com o escritório de Londres. O nosso papel na network tem sido muito activo e somos reconhecidos pela qualidade do nosso trabalho, ao ponto liderarmos vários projectos de new business internacionais para marcas globais.
Tivemos também a oportunidade de trazer e implementar em Portugal o X Index, o estudo global sobre Customer Experience que está presente em nove países, avalia mais de 500 marcas e tem uma amostra de mais de 50 mil pessoas. É um estudo anual que nos dá visibilidade sobre os critérios que os consumidores usam na avaliação da experiência de consumo. Tem sido claramente uma aposta ganha!
Como olham para o panorama da Customer Experience, no geral, em Portugal? As marcas já se aperceberam do potencial desta área?
É um tema de importância crescente. Mas estamos, como noutras geografias, em transformação. O que os estudos e as projecções nos dizem, e o que resulta das conversas e dos briefings dos nossos clientes e das muitas abordagens que vamos tendo, é que o tema é uma prioridade. Não só para os departamentos de Marketing, mas também para níveis de gestão mais altos. Obviamente, há quem esteja já em velocidade cruzeiro, quem já tenha respondido estruturalmente a essa necessidade e que tenha reformulado a sua organização para centrar o pensamento e capacidade de acção com base na “CX”.
Até onde o horizonte nos permite ver, a evolução do mindset tem sido inquestionável e isso é essencial para que as marcas sejam capazes de responder a consumidores com comportamentos e necessidades e níveis de exigência completamente diferentes de há poucos anos. Mas, apesar de todo o investimento que vemos, a palavra dos consumidores continua a ditar que existe um gap grande entre o investimento e a percepção real dos consumidores.
O X-Index deste ano já mostra alguma evolução, mas apenas 40% das pessoas (valor médio dos nove países avaliados) diz que as marcas estão centradas nas suas necessidades enquanto consumidores. Em Portugal, esse número desce para 30%. E isto é um bom retrato do panorama.
Segundo o X-Index, confiança, disponibilidade, dedicação (ir mais longe) e experiências inclusivas são as grandes tendências. Por onde se deve começar?
Pelo critério marcadamente mais importante: a confiança. É gritante a forma como os consumidores a estão a exigir às marcas. Os resultados, quer em Portugal, quer nos restantes países, dizem todos a mesma coisa e de forma muito sublinhada: os critérios mais relevantes na avaliação da Customer Experience são, em primeiro lugar, ”é uma marca na qual confio” e, em segundo, “é uma marca que cumpre os seus compromissos”. São duas derivações da mesma expectativa – os consumidores querem sentir confiança.
Isto é muito interessante porque atravessamos tempos de alta descredibilização das instituições. A ideia que temos é que a sociedade anda a ser educada para a desconfiança – das instituições, fontes de informação, líderes. Para isto contribui a falência dos mecanismos de autorregulação, o acesso democratizado à produção e difusão de conteúdos, as crises dos sistemas financeiros, a descrença no sector político, o tema da corrupção… São tudo factores que alimentam a reputação negativa das organizações em todos os sectores da sociedade. E isso reflecte-se, obviamente, na relação que as pessoas têm com o universo das corporações, das marcas e do consumo.
O problema é que a confiança é multidimensional. Não há um botão que se ligue, nem nenhum processo que se estabeleça e que permita às marcas começarem imediatamente a conquistar confiança.
Para entender isto de forma simples, podemos fazer o exercício da humanização. Nas nossas relações do dia-a-dia, em quem confiamos mais facilmente e de forma natural? Em quem nos é próximo e familiar, no que funciona de forma consistente, em quem está ao nosso lado nos momentos de crise, em quem nos ouve, em quem nos conhece, percebe e antecipa as nossas necessidades, em quem partilha valores e interesses connosco.
Se pensarmos desta forma, e fizermos a tradução deste processo para o Marketing, então falamos de proximidade, consistência, atenção, disponibilidade, diálogo, personalização, compromisso, personalidade e valores. Mas também de processo, eficácia e eficiência.
Com base no estudo, quais consideram que são os principais desafios/obstáculos ao investimento na Customer Experience?
Outra grande aprendizagem que o X-Index nos traz é que a Customer Experience é avaliada tanto funcional como emocionalmente e que depende maioritariamente da capacidade que as marcas têm de se conectarem emocionalmente com as pessoas. Os critérios emocionais representam 64% daqueles que os consumidores mais valorizam na avaliação da sua experiência com uma marca.
A verdade é que andamos na senda do que é “frictionless” ou “seamless” e as experiências digitais estão muitas vezes dependentes de processos demasiadamente racionais que buscam a agilidade, a rapidez, a simplicidade e a automação. É normal vermos as marcas muito dependentes de benchmarks e a mimetizarem os comportamentos umas das outras. O risco é termos uma paisagem digital muito pouco diversificada e entusiasmante.
Na nossa perspectiva, é vital que as marcas se inspirem nos consumidores para criarem saliências na experiência digital, que lhes permitam alimentar as suas diferenças e materializar, de alguma forma, o seu papel no mundo.
Isto traduz-se em vários desafios para as organizações: investir na investigação das pessoas, dos seus comportamentos e expectativas; nutrir uma cultura criativa capaz de envolver e entreter as pessoas, porque experiência e entretenimento estão muito próximos um do outro; desenvolver conteúdos que enderecem as mensagens certas nos canais e contextos certos; investir num technology stack que torne as estratégias escaláveis, automatizadas e personalizáveis, dando espaço para que a tecnologia facilite a orquestração dos conteúdos e experiências; e, por último, olhar para o digital como um espaço de oportunidade de diferenciação. O mundo digital é um palco para as marcas, não um espaço para os processos ou as features brilharem. Um processo digital só é óptimo se for capaz de contribuir positivamente para a percepção global da marca e, por isso, tem que respeitar e valorizar os seus fundamentos, os seus compromissos e a sua proposta de valor.
Há sectores de actividade que trabalhem melhor a Customer Experience do que outros? Se sim, porquê?
Conseguimos dizer com segurança que há categorias em que as avaliações são melhores do que noutras. O X-Index é bastante claro a salientar essas diferenças entre categorias. A pontuar mais baixo temos categorias de baixo envolvimento, associadas a serviços e que tendencialmente têm um índice reputacional geral mais reduzido. E isso parece influenciar negativamente a avaliação que os consumidores fazem das marcas que integram essas categorias. Falamos das categorias de logística, energia, banca ou seguros. São categorias que têm problemas relacionais e funcionais por resolver.
No polo oposto, temos categorias mais envolventes, relacionadas com entretenimento, tecnologia, saúde e beleza a terem performances claramente melhores, exactamente como acontecia no ano passado.
A reposta não é muito surpreendente, mas pode esconder alguns comportamentos curiosos ao nível da avaliação que os consumidores fazem. Falamos de marcas que nasceram no digital ou que têm uma presença digital muito natural e madura. Marcas focadas na experiência digital de forma mais efectiva que outras, que têm que fazer um trajecto de adaptação. É a vantagem de ser um pure player digital.
Parece-nos também que o poder da marca influencia a avaliação que fazemos de critérios isolados, levando a que essas marcas tenham a avaliação da experiência global inflacionada – algo muito próximo do “efeito Halo”.
Texto de Filipa Almeida