Debate: O turismo é “a” indústria portuguesa

Nos últimos anos, o Turismo foi uma autêntica “tábua de salvação” da economia nacional. Entre crises financeiras, turbulência geopolítica e uma pandemia que obrigou a fechar portas, a indústria foi consolidando o seu papel enquanto principal motor da economia, numa aposta estratégica que colocou Portugal como um dos destinos mais atractivos em todo o mundo. Um destino que deixou de ser apenas conotado como sol e mar, mas que se abriu a novos produtos turísticos, da gastronomia à cultura, passando pelo desporto ou o enoturismo, que soube crescer em valor e captar novos mercados emissores que hoje são estratégicos, como o norte-americano.

O tema deu o mote ao mais recente almoço-debate de Turismo promovido pela Marketeer, com os responsáveis das mais diversas áreas de actividade que compõem este sector a comungarem da ideia de que «o Turismo é “a” indústria portuguesa – e não mais uma indústria».

O crescimento do sector é particularmente notório desde a crise financeira do subprime. «A partir de 2012, Portugal tinha que reequilibrar as suas contas externas sem investimento massivo. Não tínhamos nenhuma outra capacidade de recuperar a nossa estrutura de contas externas sem exportarmos massivamente. Éramos o terceiro país do mundo mais endividado face ao PIB e isso tornava-nos totalmente incapazes de sobreviver. E o Turismo era a única indústria que podíamos utilizar para exportar um bem não transaccionável, que é o próprio território», recordam.

A aposta compensou. Os números mais recentes do Instituto Nacional de Estatística (INE) não deixam margem para dúvidas: a actividade turística representou, em 2023, 12,7% do Produto Interno Bruto (PIB), tendo gerado cerca de metade do crescimento real do PIB nesse ano. Contudo, esse peso relativo será ainda maior, uma vez que é impossível mensurar todos os efeitos indirectos para a economia, seja na restauração, no golfe, no consumo de vinho e cerveja ou em inúmeras outras áreas. «Utilizámos muito bem o Turismo. Hoje já não somos o terceiro país mais endividado do mundo, nem sequer da Europa. Esta é uma indústria absolutamente essencial e um ecossistema que importa preservar. Não podemos perder a vantagem do Turismo», reiteram.

Não obstante o desenvolvimento registado nos últimos anos, o sector é, não raras vezes, colocado em causa por vozes oriundas de diversos quadrantes da sociedade e da política portuguesa, que mostram «incompreensão em relação ao Turismo». Para os responsáveis inquiridos pela Marketeer, é importante abordar os «inconvenientes sociais» associados a esta actividade, que são inegáveis, mas é igualmente crucial que haja um esforço para comunicar os benefícios para a economia e melhorar a percepção do sector. «Algumas pessoas podem não gostar do Turismo, mas a verdade é que vivem dele», salientam os participantes.

Andrea Granja (Tivoli Hotels & Resorts), António Ramalho (Lisboa FCE), Armando Rocha (Great Hotels of the World), Dália Palma (BTL – Better Tourism Lisbon), Filipe Bonina (Discovery Hotel Management), Francisco Pita (ANA – Aeroportos de Portugal), Inês Aguiar (AVK), Isabel Tavares (The Editory Collection Hotels), João Pinto Coelho (Onyria Group), José D’Avó (Opção Global), José Duarte (FIL – Feira Internacional de Lisboa), Justyna Valente (TAP), Lídia Monteiro (Turismo de Portugal), Manuel di Pietro (Taste – Catering & Events), Patrícia Magalhães (Food Events Network), Patrícia Telo da Gama (Food Events Network), Paulo Monge (SANA Hotels), Pedro Costa Braga (Lisboa FCE), Roberto Santa Clara (Savoy), Teresa Gonçalves, Timóteo Gonçalves e Verónica Soares Franco (Pestana Hotel Group) foram os participantes no almoço-debate do Turismo, que decorreu na FIL – Feira Internacional de Lisboa, a convite da Lisboa FCE – Feiras, Congressos e Eventos.

COMUNICAR A BEM DO TURISMO

De acordo com os responsáveis ouvidos pela Marketeer, há diversos temas que serão fundamentais para contrariar as vozes que se opõem ao Turismo e promover, ao mesmo tempo, a sustentabilidade do sector. Um deles passa por criar uma estratégia que incentive a dispersão dos turistas pelo território nacional e também que visitem o País fora da chamada “época alta”. «O Turismo de Portugal, as regiões e as empresas do sector têm feito esse trabalho de tentar que os turistas não fiquem concentrados nas cidades, nem nos destinos mais tradicionais. Mas é verdade que o impacto do Turismo tem de ser trabalhado, acima de tudo, ao nível local – mesmo ao nível de pequenas áreas geográficas, que podem ser cidades ou freguesias. Por exemplo, em Lisboa, a relação com o Turismo é completamente diferente na freguesia do Martim Moniz ou na do Lumiar. O impacto do Turismo tem de ser trabalhado a esse nível.»

De resto, a percepção dos residentes portugueses em relação ao Turismo varia de região para região. Um inquérito divulgado recentemente pela Direcção Regional de Estatística da Madeira (DREM) revela que, apesar da maioria da população madeirense considerar que o fluxo de turistas é muito alto (53,9%), 92,2% dos residentes afirmam que não precisaram de alterar os seus hábitos de vida para os evitar e apenas 6,3% reportam incómodo com a presença de turistas. Nos grandes centros urbanos, nomeadamente em Lisboa, a percepção dos residentes não é tão favorável. Isso demonstra que a questão do impacto do Turismo tem de ser trabalhada «como uma filigrana», quer pelas entidades públicas, quer pelas próprias empresas do sector, que devem promover políticas de aproximação às comunidades onde se inserem. «Temos de ver o ponto de vista do residente. Temos de fazer essa reflexão. O Turismo tem impacto na recolha do lixo, nos transportes e em muitas outras vertentes da vida das pessoas. Mas também é por isso que os turistas pagam taxa turística.»

Temos, aqui ao lado, o exemplo de Espanha. Quando o país vizinho se quis afirmar como uma potência mundial do Turismo, a primeira acção que tomou foi dar formação aos espanhóis em relação ao mesmo, gastando milhões de euros a explicar às pessoas o que era esta actividade e que vantagens teria para as suas vidas. «Na altura, sentia-se muito essa diferença entre a atitude dos espanhóis e a dos portugueses em relação ao Turismo», lembram os participantes.

O que falta, acima de tudo, é uma estratégia de comunicação sustentada para transmitir as mais-valias que o Turismo gera para a economia, não só do País mas para a própria economia local das cidades e regiões. «Todos os players do Turismo são muito hábeis e céleres a comentar os KPI de crescimento, mas muito raramente o sector fala do que deu à sociedade. O que falta é um programa integrado – o que no nosso País é sempre difícil, porque o ciclo é sempre para quatro anos – para mostrar o bem que o Turismo faz. Só no momento em que formos capazes de consistentemente provar isto é que o efeito se pode atenuar um bocado. Mas para isso é preciso envolver o sector público (Câmaras, Juntas de Freguesia) e criar fundos de comunicação, para fazer comunicação pura», propõem.

Também a aplicação da taxa turística tem de ser repensada. Se calhar, esta taxa não tem de ser canalizada apenas para o sector; pode ser utilizada em prol dos residentes, na recuperação de infra-estruturas e na qualificação de serviços para a população. Algumas Câmaras Municipais têm-no feito. Nesse sentido, o foco do sector não deve estar apenas no aumento das receitas; o foco tem de ser o crescimento sustentável, criar um propósito comum e envolver a sociedade nesse propósito.

Na vertente da comunicação, os responsáveis à volta da mesa saudaram o Turismo de Portugal pelo lançamento das mais recentes campanhas internacionais – “Portugal is Art” e “Portugal, uma receita por escrever” –, que colocam a tónica na cultura enquanto elemento diferenciador do País, seja do ponto de vista do património, da arte ou da gastronomia.

VALORIZAR AS PROFISSÕES DO TURISMO

Um outro tópico que tem sido um problema recorrente para o sector é o da escassez de mão-de-obra e captação de talento. Para os responsáveis à volta da mesa na FIL, este é um problema estrutural que está relacionado, a montante, com a falta de oferta formativa nesta área e a pouco valorização das profissões do sector. «O Turismo foi um parente pobre, do ponto de vista da reflexão estratégica da economia, durante anos. E esse ponto ainda não foi resolvido integralmente na sociedade portuguesa. O exemplo mais claro disso é o facto de não termos um valor universitário do Turismo. A verdade é que não há uma atracção de talento português por parte do Turismo. Seria natural, numa indústria com um crescimento que não tem paralelo, que tivéssemos mais alunos à procura dessa solução alternativa», explanam os participantes.

Este é também um problema com raízes culturais. Durante muitos anos, sublinham, alimentou-se a ideia de que, na área dos Serviços, só a inovação ou a área financeira tinham valor do ponto de vista da formação superior. Enquanto nos países do Norte da Europa, por exemplo, há uma grande aposta nos cursos técnico-profissionais, em Portugal estes cursos continuam a ser percepcionados como inferiores. Para adensar o problema, as principais universidades portuguesas não têm cursos de Turismo. «Há um grande trabalho a fazer para elevar o patamar do Turismo a um nível de prioridade que ainda não existe.»

Além da falta de mão-de-obra, alguns subsectores, como a hotelaria, debatem-se com problemas adicionais, como o excesso de rotatividade nas equipas, o que dificulta a tarefa de formar essas pessoas.

Para mitigar o problema, o Turismo de Portugal, em parceria com a Rede de Escolas de Hotelaria e Turismo, a AIMA – Agência de Integração de Migrações e Asilo e a Confederação do Turismo de Portugal (CTP), lançou recentemente o programa “Integrar Turismo”, que visa promover a integração de migrantes no sector do Turismo, Hotelaria e Restauração. Terminada a fase de candidaturas, já arrancou o período de formação dos cerca de 1000 migrantes inscritos, que se irá prolongar até 23 de Maio nas Escolas de Hotelaria e Turismo. Os estágios decorrerão no mês de Junho, nas empresas que demonstraram interesse em receber estes migrantes, para ocuparem as mais diversas vagas.

A verdade é que o Turismo, actualmente, está «dependente destes trabalhadores» e o sector «tem condições para integrar estas pessoas». «Preocupa mais não termos talento superior. Não estarmos a criar um nível de atracção do Turismo para termos uma cultura que valorize a profissão. É contraditório », reforçam os responsáveis do sector. «Tem que haver uma aposta numa profissão de Turismo que seja altamente valorizada e que tenha competências altamente interessantes. Porque um curador de Turismo pode ter uma importância impressionante para o desenvolvimento dos territórios. Pode identificar que potencialidades é que o território tem, que negócios precisa de desenvolver, que talento precisa de captar. É preciso criar uma profissão diferente.»

BTL ALMEJA AO TOP 3

Durante o almoço-debate na FIL, houve ainda tempo para antever a próxima edição da BTL – Better Tourism Lisbon Travel Market, que decorrerá neste espaço da capital, de 12 a 16 de Março. Esta será a primeira edição do certame após o rebranding anunciado no final do ano passado.

António Ramalho, presidente da Comissão Executiva da Lisboa FCE – Feiras, Congressos e Eventos, entidade responsável pela organização da BTL, explicou o que levou à mudança de identidade. «A Bolsa de Turismo de Lisboa era um conceito datado, já antigo. O conceito de bolsa já não é entusiasmante. Quisemos uma perspectiva de futuro diferente, através de uma proposta de evolução verbal e visual da marca, que tenta trazer um conceito muito mais actual, divertido e próximo», referiu o responsável.

Num projecto com assinatura da Ivity Brand Corp., o que surgiu foi uma nova marca que, sem perder o acrónimo BTL, adapta essa mesma designação ao conceito Better Tourism Lisbon, colocando o enfoque na sustentabilidade do sector e reforçando ainda a localização (Lisboa), que é um activo importante. «Não procurámos destruir nada da marca existente, porque BTL tem força por si própria. Esta é uma feira simultaneamente de profissionais e particulares, onde se transacciona muito, sobretudo no último dia. É uma feira onde há dinheiro, no sentido quase medieval. A maior parte das feiras actuais são sítios onde se troca conhecimento, experiências e networking. A BTL tem as duas vertentes», frisou.

Sobre a 35.ª edição, que se aproxima, contará com a representação de nada menos do que 85 destinos turísticos e são esperados mais de 85 mil visitantes, provenientes de cerca de 42 mercados emissores, durante os cinco dias do evento. Dando continuidade à estratégia de internacionalização da BTL, esta edição terá Cuba como Destino Internacional Convidado e irá estrear um programa de Hosted Buyers, com o objectivo de apoiar a vinda de compradores internacionais, com interesse específico no destino Portugal.

De acordo com António Ramalho, o objectivo é muito claro para os próximos anos: «Queremos transformar a BTL numa das três maiores feiras de Turismo da Europa. Estamos à porta, mas ainda não o somos.» Pelo caminho, também a FIL pode atingir o primeiro patamar no segmento das feiras e eventos. «Desde logo, porque somos muito procurados – a localização é uma vantagem –, mas também porque temos um volume de facturação muito próximo de começarmos a ser olhados como um dos grandes espaços de eventos e competirmos com os melhores.»

Este artigo faz parte do Caderno Especial “Turismo”, publicado na edição de Fevereiro (n.º 343) da Marketeer.

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