Debate: E depois do melhor ano de sempre?
Tudo aponta para que 2023 tenha sido o ano com mais receitas de sempre do Turismo, com as previsões a indicarem para mais de 30 milhões de hóspedes, 77 milhões de dormidas e receitas na ordem dos 25 mil milhões de euros. Perante estes dados, que balanço a fazer de 2023? O sector volta a ser uma bóia de salvação da economia num ano muito difícil. Já há uma maior valorização do Turismo, ou ainda não? E para o corrente ano, o desafio é manter o nível atingido no ano passado, que já está acima dos níveis pré-pandemia, ou a ambição deve passar por continuar a crescer?
Quais os eixos prioritários da estratégia de promoção do destino Portugal em 2024? Quais os mercados-alvo que devemos captar/consolidar, que novos mercados emergentes são aliciantes para o sector?
Estes foram os principais temas debatidos no mais recente almoço do Fórum de Turismo da Marketeer, onde se falou ainda das principais tendências identificadas para este ano. Num almoço que decorreu na Escola de Turismo e Hotelaria de Lisboa, numa verdadeira sala de aula e cujos pratos servidos se inspiraram nas receitas mediterrânicas e, em particular, nos sabores da Grécia, marcaram presença Armando Rocha (Great Hotels of the World), Catarina Pádua e Silva (Vila Galé), Catarina Pestana (Grupo Visabeira), Diogo Fonseca e Silva (Altis Hotels), Filipe Bonina (Discovery Hotel Management), Francisco Pita (ANA – Aeroportos de Portugal), Gonçalo Rebelo de Almeida (consultor), Graça Silva (SATA), Isabel Tavares (Editory Hotels), João Pinto Coelho (Onyria Group), Jorge Costa (Visabeira Turismo), Lídia Monteiro (Turismo de Portugal), Luís Pedro Martins (Entidade Regional de Turismo do Porto e Norte), Manuel di Pietro (Taste – Catering & Events), Mário Ferreira (PG Hotels), Paulo Monge (Sana Hotels), Paulo Ramada (AP Hotels), Pedro Ribeiro (Vila Galé), Sofia Sobral (Dom Pedro Hotels & Golf Collection), Solange Moreira (Ukino Hotels) e Teresa Gonçalves (SATA).
2023 bateu todos os números, com o Porto, a título de exemplo, a registar 15 milhões de passageiros no seu aeroporto com 106 rotas, 30 companhias e «excelentes» expectativas para 2024, nomeadamente o regresso da Emirates e o reforço da SATA com três rotas. Mas, confirmaram todos os presentes, a sustentabilidade é um dos pilares do Turismo de Portugal e das suas regiões, sendo fundamental trabalhar de «forma muito séria» e resistir a qualquer tentativa de greenwashing.
Alinhado com este, um dos temas que preocupa responsáveis é o dos antituristas, com a maioria a garantir que ainda não se chegou a um número limite de turistas. «Ainda há muito a crescer», confirmam, acrescentando que «ainda é cedo para falar em overtourism».
PRESERVAR A IDENTIDADE
Certo é que 2023 passou a ser mesmo o «ano de referência» para o sector. Mas como é que se garante que não há perda de identidade dos destinos, tendo em conta a contínua abertura de espaços hoteleiros e de restauração, onde antes tinham portas abertas espaços mais tradicionais? O que os responsáveis à mesa garantem é que, apesar de haver várias críticas nesse sentido, esse tema não se coloca, continuando a haver oferta alargada. «A autenticidade ainda é o nosso cartão de visita», defendem, sublinhando que não há turistas a mais e que a eventual pressão de fluxos acontece apenas entre Abril e Outubro. Por isso, entendem, a questão a tratar é como é que se consegue melhorar circulações e fluxos nas cidades. «Lisboa ainda recebe menos turistas que Estocolmo, Budapeste ou Praga», lembram.
Mas o que é que, enquanto País, se garante de diferenciador, numa altura em que tanto se fala do encerramento de lojas históricas para dar lugar a unidades hoteleiras? Como é que as duas realidades convivem? Olhando a que as dinâmicas sociais e económicas se alteram, como se coordena tradição com contemporaneidade? «É necessário encontrar um equilíbrio», admitem, já que nada é preto ou branco. De resto, continuam, a sublinhar o facto de o Turismo ter vindo a permitir revitalizar um conjunto de edifícios que, de outra forma, não teria sido possível. «O problema não é o Turismo, mas a falta de capacidade das cidades para lidar e darem resposta ao seu crescimento.»
O crescimento do Alojamento Local (AL) nos últimos anos tem suscitado também algumas vozes críticas, muitas delas a apontarem o dedo à descaracterização dos centros históricos. Porém, de acordo com os responsáveis ouvidos pela Marketeer, o AL foi fundamental para o crescimento do sector como um todo. Chegámos a este número de turistas porque uma parte deles ficou alojada em alojamento local, porque de outra forma não teria sido possível. Há muitos municípios onde só conseguimos reter os turistas através do alojamento local, porque não há hotéis», lembram.
Nesse sentido, referem que o pacote Mais Habitação, anunciado pelo Governo, nomeadamente a suspensão de novas licenças de alojamento local até 31 de Dezembro de 2030 – com excepção das zonas para alojamento rural –, poderá ter um impacto negativo para o sector. «Vai reduzir drasticamente, a prazo, a oferta de alojamento local», sendo que este é um segmento que tem «um impacto muito significativo em todos os destinos turísticos», lamentam. «Vai implicar uma limitação da capacidade de Portugal crescer em grupos de turistas», reiteram os participantes.
TENDÊNCIAS PARA 2024
Um dos principais temas advogados pelo Governo para o sector, este ano, é o da sustentabilidade. E se este é já um pilar do Turismo de Portugal, dando inclusive o mote à mais recente campanha desta entidade (“It’s not tourism. It’s futourism”), não deixa de ser um tema que gera alguma preocupação numa perspectiva mais macro do sector.
O sector da aviação, em particular, está a ser muito pressionado pela regulamentação europeia para adaptar-se a estes temas da sustentabilidade. No ano passado, o Parlamento Europeu aprovou uma nova legislação sobre combustíveis de aviões e poluição atmosférica, que estabelece que, a partir de 2025, pelo menos 2% dos combustíveis usados na aviação serão sustentáveis (como biocombustíveis ou hidrogénio). Este valor deverá subir para 6% em 2030. Ora, isto coloca desafios, quer às entidades que gerem os aeroportos (que vão ter de disponibilizar as infra-estruturas), quer às companhias aéreas.
Segundo os responsáveis, «se os Governos não tiverem uma participação muito activa nesta matéria, quem vai pagar são os passageiros. E isto vai ser um problema para todos». O que acontece, explicam, é que «neste momento não existe produção suficiente de combustíveis sustentáveis para as quantidades que serão necessárias. E a solução que está em cima da mesa é serem as companhias aéreas a pagar uma taxa sempre que não conseguirem abastecer com estes combustíveis. No fim do dia, quem vai pagar é o passageiro», alertam, acrescentando que não há nenhum sinal de que as tarifas aéreas possam baixar nos próximos anos – antes pelo contrário.
Além da sustentabilidade, há outros temas que deverão marcar o ano de 2024 no Turismo. O da concentração no mercado hoteleiro é um deles. Nos últimos anos, Portugal tornou- se atractivo e tem havido pressão por parte de fundos de investimento que adquirem hotéis existentes. «Há vários fundos internacionais a investir fortemente em hotéis e grupos de hotéis, com o objectivo de os reestruturar, trazer uma marca internacional e revendê-los a seguir», salientam os responsáveis, acrecentando que estes grupos «não querem construir hotéis novos, porque é extraordinamente difícil construir em Portugal, devido à brutal burocracia e dificuldade em aprovar projectos». Nesse sentido, a tendência é que haja um movimento gradual de concentração, à medida que novas marcas internacionais vão entrando no mercado português. «Vai ser um fenómeno em 2024.»
Ao nível da entrada de turistas, os participantes no almoço- debate sublinham a importância de diversificação dos mercados-alvo fora da Europa, nomeadamente EUA – que continua a crescer e terá, a partir de Maio, uma nova rota a ligar Faro a Nova Iorque/Newark, com quatro frequências semanais –, Brasil (ainda a recuperar dos níveis pré-pandemia), mas também diversos países asiáticos (que estão agora a regressar), que poderão continuar a alimentar o crescimento do mercado. Também a Austrália é, dos mercados fora do Top 10, um dos que mais têm crescido, a par de outros destinos menos prováveis, como a Polónia ou a República Checa.
Apesar de alguns desafios e de toda a incerteza financeira e política, o que se espera é que 2024 seja mais um ano positivo, de crescimento a dois dígitos.
APOSTA NA FORMAÇÃO
O tema dos recursos humanos continua a pairar sobre um sector que enfrenta dificuldades na atracção e retenção de talento. Um problema estrutural, mas que se agravou com a pandemia de Covid-19 e a saída de centenas de milhares de profissionais que depois já não regressaram. «Enquanto não se pagarem bons salários na hotelaria, vai continuar a haver muita rotatividade. Enquanto não se dignificarem as pessoas, vai ser muito difícil resolver este problema», frisam os participantes no almoço. Além de que há outras questões que, hoje, são valorizadas além do salário, como a formação ao longo da carreira, o estilo de vida, a saúde mental ou o equilíbrio entre a vida pessoal e profissional.
Não obstante, referem que as medidas que foram tomadas nos últimos anos para facilitar a imigração foram «muito positivas » para o sector, que conseguiu desta forma atrair profissionais de outras geografias – oriundos dos PALOP, Paquistão, Nepal, Índia, Bangladesh, entre outros países – e suprir assim as suas necessidades de contratação. «Estamos muito melhores, em termos de recursos humanos, do que estávamos há um ano», sublinham.
A boa notícia para o futuro é que, neste ano lectivo, houve um crescimento de 12 a 15% de alunos inscritos nas escolas de hotelaria e turismo em todo o País, contrariando a tendência de quebra nos últimos anos. No total das escolas do Turismo de Portugal, cerca de 30% dos alunos são estrangeiros e oriundos de diversas geografias e continentes.
Além disso, no final do ano passado, o Governo anunciou um plano de requalificação e modernização da rede de escolas do Turismo de Portugal, para o qual serão alocados cerca de 30 milhões de euros. O Plano de Transformação e Modernização da Rede de Escolas do Turismo de Portugal vai abranger 12 instituições. Além das infra-estruturas, equipamentos e tecnologia, vai abranger novidades ao nível do modelo formativo para alinhar o ensino português com as melhores práticas internacionais, nomeadamente através da criação de acções de formação executivas, dirigidas a lideranças nas empresas de turismo.
Este artigo faz parte do Caderno Especial “Turismo”, publicado na edição de fevereiro (n.º 331) da Marketeer.