Debate: 2023 será o novo ano de referência

O sector do Turismo continua a crescer e os números comprovam-no: só entre Janeiro e Agosto, as receitas da hotelaria atingiram 4.109 milhões de euros, o que representa um aumento de 22,3% em relação aos primeiros oito meses do ano passado, de acordo com os dados do Instituto Nacional de Estatística (INE).

Nesse contexto, que balanço é que os agentes do sector fazem? E, olhando ao facto de os preços cobrados terem subido de forma significativa, esta é ou não uma situação sustentável? Estes foram apenas alguns do temas servidos no mais recente almoço-debate de Turismo organizado pela Marketeer, onde os responsáveis de algumas das empresas e instituições mais relevantes do sector confirmaram que 2023 será a nova referência nos eventos, na hotelaria, no transporte aéreo, sendo considerado o melhor ano de sempre, com tarifas que ultrapassaram, de longe, a média do ano passado.

Com efeito, só no mês de Agosto atingiu-se o marco de 10,1 milhões de dormidas, número que jamais se tinha registado e, até final do ano, a perspectiva mantém-se positiva – apesar do conflito em Israel ou do aumento da inflação, entre outros factores menos favoráveis.

Contudo, este é um tema que preocupa a maioria dos players do sector. Porque se, por um lado, a procura continua em crescimento – seja por parte do mercado português como pelo estrangeiro, em particular o norte-americano –, por outro, o nível de serviço e oferta não acompanham essa mesma valorização. Há quem considere mesmo ser “o tema do sector”. «Na hotelaria, a maior parte dos players quis posicionar-se em cinco estrelas, mas não estamos a oferecer o serviço que estamos a vender e isso vai acabar por danificar o destino», alertam.

Não obstante sermos um destino que continua na moda e com vários prémios recebidos nos últimos tempos (incluindo a distinção de “Melhor Destino Turístico da Europa”, na edição deste ano dos World Travel Awards), se não se resolver o problema do serviço, se não houver uma solução concertada, poderemos começar a cair em breve, avisam.

O mais recente almoço-debate de Turismo decorreu no Hotel Vila Galé Ópera, em Lisboa, e contou com a participação de Álvaro Covões (Everything is New), Catarina Pádua e Silva (Vila Galé), Graça Silva (SATA), Isabel Tavares (The Editory Collection Hotels), Justyna Valente (TAP), Lídia Monteiro (Turismo de Portugal), Luís Capdeville Botelho (Turismo dos Açores), Manuel di Pietro (Taste – Catering & Events), Teresa Gonçalves (SATA) e Timóteo Gonçalves (B Travel).

UMA QUESTÃO DE DELIVERY

O sector nacional do Turismo não está apenas a crescer em proveitos e em número de dormidas. De acordo com o INE, também os preços cobrados pelo sector da hotelaria aumentaram nos primeiros oito meses do ano, com o rendimento médio por quarto ocupado (ADR) a atingir os 115 euros, um aumento de 9,3% em relação ao período homólogo do ano passado.

Tudo isto deriva, em grande parte, do sucesso da marca de Portugal, que se está a impor no mundo. E muito há que contribui para esta valorização – veja-se, por exemplo, a forma como organizámos a Jornada Mundial da Juventude.

Tendo em conta esta tendência, à volta da mesa há quem defenda que o problema do sector é, de facto, delivery, porque muitas das vezes estamos a entregar um produto abaixo do preço cobrado. «Aumentou-se os preços porque a procura é muita, mas não temos capacidade de recursos para entregar um serviço. Mas ainda mais complicado, para um cliente com maior poder aquisitivo, é o que encontra quando cá chega, como os engarrafamentos quando vai ao Pico do Areeiro, na Madeira, ou a confusão de trânsito e de pessoas na zona do Chiado, em Lisboa», lamentam.

Da parte da hotelaria, tem que haver o cuidado de perceber até onde se pode aumentar preços, até quando se deve olhar para o bottom line, cuidando que não se pode defraudar um cliente, que não só não regressará, como falará mal, lá fora.

Já ao nível das agências de viagens, a maior procura fez-se entre o início do ano e Abril, mês após o qual se registou uma ligeira quebra. «Neste momento, compra viagens quem já não tem hipotecas para pagar», referem os participantes. Além de que um dos principais problemas identificados no sector é precisamente o oposto, ou seja, uma tendência para a redução de preços. «Sempre que entra um novo operador, alinha pelo preço, reduzindo valor», lembram, acrescentando que isso leva a que os destinos e todas as restantes empresas a operar tenham que alinhar em outros patamares.

A NECESSIDADE DE PROFISSIONALIZAÇÃO

E já há valorização do sector? Para voltar a começar a atrair colaboradores qualificados? Nos hotéis e restaurantes, de um modo geral, a maioria do staff ainda não é qualificada, confirmam os participantes. Em Portugal precisamos de evoluir nesse sentido, até porque, até à data, continuamos a alicerçar grande parte do nosso crescimento em mão-de-obra barata. Por isso, concordam, é preciso garantir que há pessoas qualificadas no mercado e, depois, valorizá-las. «Mas não se prevê que seja fácil, porque são muitos anos no mesmo modelo.»

Nesse sentido, dizem que é fundamental investir na formação. Um hotel de cinco estrelas ou um restaurante de topo não podem ter pessoas sem formação, porque depois perdem em qualidade de serviço. E não basta ter pessoas qualificadas apenas na cozinha.

Além disso, os responsáveis presentes no almoço-debate acreditam que faria sentido a regulação do sector a nível governamental, porque neste momento «qualquer pessoa pode servir à mesa». «O sector está a crescer. Como pode haver progressão de carreira se não há formação?», questionam.

Um pequeno sinal de esperança vem do facto das inscrições nas escolas superiores de Turismo terem crescido este ano («quase a dois dígitos»), face a 2022 – apesar de um grande número de inscrições ser de estrangeiros –, contrariando a tendência dos últimos anos. «Começa a nascer novamente algum interesse das camadas mais jovens em relação a estes cursos que são técnicos (e não superiores)», frisam.

PERSPECTIVAS PARA 2024

A escalada da inflação e a perda do poder de compra podem ter um impacto significativo para o sector do Turismo, que vive do dinheiro que as pessoas têm disponível na carteira. De resto, se 2023 se prepara para ser o melhor ano de sempre para todas as áreas ligadas ao Turismo, isso explica-se, em grande parte, pelo facto de as pessoas terem poupado dinheiro durante os dois anos de pandemia de Covid-19.

Com a actual crise financeira – que está já a impactar a classe média-alta, que aparentemente mais consome – é fundamental ter atenção a quebras que começam a acontecer. E o que se constata é que as compras com cartão de crédito estão a aumentar, todos os meses, seja em reservas hoteleiras como na compra de viagens. Neste contexto, para o próximo ano, os orçamentos das empresas representadas à volta da mesa estão a ser feitos com novo ajuste de preços, para cima, mas mais conservadores face aos orçamentos deste ano, com alguns dos responsáveis a recearem não ser possível manter os mesmos valores praticados nos últimos meses.

Do lado das agências de viagens, o cenário é de muita incerteza, devido à quebra do poder de compra. «Para o Portugal receptivo, a expectativa é muito boa, porque o nosso País, neste momento, é um refúgio, apesar de todas estas dificuldades no delivery. O turismo receptivo dificilmente corre mal, a não ser que morramos de sucesso – que também pode acontecer. Se houver um tremendo desequilíbrio entre preço e serviço, podemos vir a ter problemas no futuro. Agora, o turismo de exportação vai enfrentar novamente dificuldades», alertam.

Então, como se explica que os voos estejam sempre lotados? No pós-pandemia, as viagens são vistas quase como um bem essencial e isso leva a um aumento da procura. As pessoas estão a poupar noutras áreas para poderem comprar viagens e os preços dos voos também estão muito elevados. Portanto, as perspectivas para o sector da aviação são positivas e, apesar da crise, não se assiste a um decréscimo de reservas, seja a nível nacional ou internacional.

Na hotelaria, as expectativas são igualmente positivas, com uma grande alavancagem do mercado internacional, em especial mercados emergentes como os EUA, Canadá ou Austrália (que já está no Top 10 de mercados emissores). Além disso, as previsões apontam para um crescimento no primeiro trimestre de 2024, ao contrário do que aconteceu nos últimos dois anos.

Já no sector dos eventos, a expectativa para o primeiro trimestre de 2024 é que as reservas estejam ao nível do primeiro trimestre deste ano, que foi excepcional.

Não obstante, os responsáveis presentes no debate garantem que, mais importante do que continuar a crescer em valor, é crescer em qualidade. «Não podemos estar sempre a pensar em crescer. Temos de pensar é em crescer melhor, nas franjas do ano, em mercados que tenham maior capacidade para vir nessas mesmas franjas. O que precisamos é de diversificar segmentos e mercados, para crescermos melhor. Não podemos ter sempre esta ansiedade de crescer mais», concluem.

Este artigo faz parte do Caderno Especial “Turismo”, publicado na edição de Novembro (n.º 328) da Marketeer.

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