Da (busca da) perfeição

A questão é simples (de formular, pelo menos): quando é que “bom” é “bom” o suficiente? Quando é que um headline (ou um filme, ou um logótipo) está feito? Ou, mais concretamente, até onde é que devemos levar a nossa busca pela perfeição?

Se calhar sou só eu (e admito que sou, para além de gordo, esquisito) mas o que é facto é que passo os dias a perguntar-me “será que já está bom?”.

E se calhar também sou só eu (eu sei que não sou, mas deixem lá o meu ego em paz, que esta página é dele), mas de 10 em cada 10 casos a resposta que dou a mim mesmo é “não”.

Algo que, admito, tende a causar alguma frustração em mim e muita frustração em boa parte das pessoas que me rodeiam (pelo menos até perceberem que é sempre assim); mas que, estou em crer, tende a elevar a qualidade do (nosso) trabalho seguinte.

Que é como quem diz, sou um chato. De primeira. Vá, de segunda, que conheço alguns colegas e um ou dois clientes muito mais chatos que eu.

Mas já lá vamos.

O meu primeiro contacto com a busca da perfeição remonta à década de 80, então estudante (ma non troppo) no Conservatório de Música Nacional, classe de flauta transversal (ou pífaro, se me quiserem ver aborrecido). Numa altura em que os meus colegas estudavam duas a quatro horas por dia (no mínimo) e eu 30 minutos dia não, dia não (no máximo), rara era a aula em que eu não ficava irritado com a minha falta de qualidade técnica e evolução. Até ao dia em que o meu muito paciente professor de flauta (um senhor chamado Alexandre Branco Weffort, o melhor professor que alguma vez tive e que, mais do que a tocar flauta – ele bem tentou –, me ensinou a aprender, uma das minhas melhores qualidades ainda hoje) concluiu que eu era o pior tipo de perfeccionista que existe: aquele que exige de si mesmo a perfeição, mas não está disposto a trabalhar para isso.

Ou, em menos palavras, concluiu que eu era português. O que 30 anos passados, no fundo, no fundo, ainda sou.

Mas agora isso irrita-me tanto, mas tanto (na altura eu era pequenito e, portanto, só me irritava um bocadinho) que não tenho como não fazer alguma coisa sobre o assunto.

“Para quem é está bom”, ou “está bom para o nosso mercado”, são expressões que vou ouvindo aqui e ali como argumento para convencer alguém a deixar de insistir numa qualquer tarefa e que me dão vontade de arrancar, literalmente, a cabeça de quem as profere. E ainda que perceba que aquilo que os move é um misto de procura de uma qualquer rentabilidade adicional com uma preguiça mais ou menos autóctone, não consigo deixar de pensar que devíamos todos fazer como o menino Gonçalo da “Ilustre Casa de Ramires” lá para o final do livro e ficar um bocadinho mais irritados, mais vezes.

Não falo, notem, na falta de brio.

Sequer no desleixo.

E muito menos na incompetência.

Quanto a isso não há irritação que nos valha e não tem tanto a ver com ser português, mas antes que ver com ser um (português ou outra coisa qualquer) idiota.

Não, aquilo que vos falo é de perfeccionismo, da importância da procura (obsessiva se formos latinos, metódica se formos anglo-saxónicos) da melhor versão possível de uma coisa qualquer. Falo-vos de pormenores (por oposição a pormaiores), de detalhes, de uma grandeza que se encontra apenas nas miudezas de um projecto. Falo-vos de esticar a corda, de ir mais longe, de ter a noção que não esgotámos (nunca esgotamos) todas as possibilidades – e de usar essa insatisfação para chegar todos os dias um bocadinho mais longe.

É claro que a coisa tem que parar algures, algum dia, em algum momento. Não só porque há prazos a cumprir como, tão ou mais importante, contas para pagar.

Pelo que a pergunta que se coloca é, mais uma vez, muito simples (de formular, pelo menos): esse dia é hoje? Ou será que, mesmo ouvindo uns berros daqui e uns insultos dali (um pequeno preço a pagar por uma ideia melhor), ainda conseguimos trabalhar até amanhã de manhã?

Texto: Tiago Viegas
Partner da The Hotel

Artigo publicado na edição n.º 242, de Setembro de 2016, da revista Marketeer.

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