Corporate ghosting

Ghosting, para quem não é Millennial ou GenZ, é o acto de passar a ignorar subitamente um amigo ou amante sem razão nem aviso prévio. Ignorar chamadas, não responder a mensagens, desaparecer das redes para essa pessoa especificamente. O ghosting é o parente próximo do infantil “não falo mais contigo”. No recreio durava algumas horas, nas famílias podia durar uma vida inteira. Mas o ghosting parece estar também a florescer noutras áreas como, por exemplo, nas relações entre clientes e agências ou, melhor dizendo, entre potenciais clientes e as agências.

Acontece assim:

Lança-se um concurso. Chamam-se os grandes, os pequenos, os médios, os assim e os assado, sem um critério claro para os participantes. Não se refere qual é o budget disponível para “não limitar a criatividade”; pede-se uma estratégia a dois anos, mas a remuneração será a projecto com a possibilidade de entregar projectos a diferentes agências; dá-se um prazo curto porque “os criativos trabalham melhor sob pressão” e porque há muita urgência em pôr a comunicação no ar. Os médios, pequenos e grandes que, com mais ou menos remos, estão todos no mesmo barco, aceitam a oportunidade. E as estratégias, ideias e activações são apresentadas na data e hora marcadas. Às vezes, ouvem-se parabéns e muito obrigado pelo vosso trabalho, damos notícias em breve e todas as frases do costume e da boa educação e depois… nada. Radio silence. Espera-se uns dias passado o prazo, liga-se a quem nos contactou e não nos atende; manda-se um email que não tem resposta, manda-se outro e nada. Passam-se meses e ainda nada. Ghosting, portanto. Uma infantilidade de recreio de escola. É uma questão de respeito? Sim, mas sobretudo uma questão de resposta. É preferível uma resposta que falta ao respeito do que a ausência de resposta. Preferia ouvir: essa proposta é uma m**** ou, só queríamos mesmo picar umas ideias ou explorar estratégias alternativas sem pagar nada, ou só fizemos o concurso porque não temos budget, mas queremos fingir que sim, para não nos aborrecermos. Qualquer uma destas respostas seria mais respeitosa do que a ausência de resposta. Também não se vê nenhuma campanha no ar, por isso pensamos que todos, pequenos, médios e grandes receberam o mesmo tratamento.

Eu nem fico zangada. Apenas apalermada. O que pode levar profissionais a ignorar outros profissionais? Para não ferir os nossos sentimentos? São como os miúdos que se enrolam uma noite mas à luz do dia, afinal, decidem que não querem mais nada com o outro mas preferem desaparecer a dar uma qualquer explicação?

Na nossa área as explicações nem precisam de grande capacidade de imaginação. Há toda uma panóplia de Templates por onde escolher, “não és tu, sou eu”.

Os seres humanos precisam de fechar assuntos, closure. Nem é preciso pedir desculpa. Bastaria um “olhe afinal, não.”

E pronto.

Judite Mota
CCO na VMLY&R

judite.mota@vmlyr.com

Artigo publicado na edição n.º 297 de Abril de 2021

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