Como pode o Turismo continuar a crescer?

TurismoCadernos
Daniel Almeida
04/06/2025
11:52
TurismoCadernosEdição Impressa
Daniel Almeida
04/06/2025
11:52
Partilhar

Depois de um ano de 2024 em que foram batidos novos recordes para o Turismo nacional, com mais de 30 milhões de turistas estrangeiros e receitas superiores a 27 mil milhões de euros, este ano o principal desafio que o sector enfrenta passa por manter a trajectória de crescimento. E são vários os factores que poderão contribuir para alguma incerteza. Os sinais de alerta já soaram há muito tempo no aeroporto de Lisboa (o hub nacional), que estará no limite da sua capacidade, os preços na aviação continuam a subir, o que poderá impactar a procura, e as notícias que chegam do outro lado do Atlântico sobre as tarifas impostas pelo Governo norte-americano prometem continuar a arrefecer o clima económico, com consequências que ainda são difíceis de prever para a actividade turística.

No meio de todas estas dúvidas, que soluções e alternativas estão à vista para o sector? O tema deu o mote ao mais recente almoço-debate do Turismo promovido pela Marketeer, onde responsáveis de empresas e organizações dos mais variados segmentos que compõem este ecossistema aceitaram o desafio de apontar o caminho. E este passa, referiram em uníssono, por três grandes áreas de actuação: diversificação do destino, aumento da estadia média dos turistas em solo nacional e qualificação da oferta para atrair segmentos de turistas com maior poder de compra.

Olhando para a cidade de Lisboa, com os constrangimentos actuais do aeroporto, o aumento da estadia média parece ser o «único caminho» para o futuro. «Se conseguíssemos duplicar a estadia média, aumentávamos o número de dormidas e de turistas. Porque uma coisa são os unique visitors e outra o número de visitantes totais ao longo do ano», lembram os responsáveis à volta da mesa. Além disso, explanam, é preciso entender que muitos dos turistas que aterram no aeroporto de Lisboa não pernoitam no País (por exemplo, apenas 30% dos turistas brasileiros ficam em Portugal) e esse é um dos «elefantes na sala», apesar de o hub ser «relevante» do ponto de vista estratégico e económico.

Certo é que o relatório inicial da ANA – Aeroportos de Portugal prevê a abertura do novo aeroporto de Lisboa, no Campo de Tiro de Alcochete, apenas em meados de 2037 e até lá será preciso encontrar soluções para manter o crescimento sustentável do destino. Porventura, será preciso colocar um foco diferente nas restantes infra-estruturas aeroportuárias nacionais. «Quando falamos do aeroporto [de Lisboa], parece que é um problema nacional, mas há vários aeroportos internacionais em Portugal (Lisboa, Porto, Faro, Madeira e Açores). Temos de considerar que o País não é Lisboa», salientam os participantes. «Não vai haver novo aeroporto nos próximos anos e não vale a pena chorarmos. Vamos ter de mudar mentalidades. Vamos ter de qualificar o turismo, aumentar a estadia média e procurar alternativas: falar mais dos outros aeroportos e encontrar estratégias que possam servir o País como um todo», acrescentam.

Esta tem sido uma das prioridades do Turismo de Portugal, que tem um programa de captação de rotas aéreas para Portugal e as rotas fora de Lisboa são, do ponto de vista do investimento em campanhas de marketing, as mais dispendiosas. Esta tem sido a tendência nos anos recentes, com o objectivo de estimular as companhias aéreas a voarem para outros aeroportos nacionais, sendo certo que, no final do dia, quem decide que rotas melhor servem os seus interesses estratégicos são as companhias aéreas e os operadores. Não obstante, têm sido dados passos relevantes nesse sentido, como prova, por exemplo, a nova rota da United Airlines que, a partir deste mês de Maio, passa a ligar Faro ao aeroporto de Newark, em Nova Iorque, com quatro frequências semanais.

Álvaro Covões (Everything is New), André Araújo e Sá (Leading), Diogo Fonseca e Silva (Altis), Inês Leitão (Tazte), Isabel Tavares (The Editory Hotels), Lídia Monteiro (Turismo de Portugal), Manuel di Pietro (Tazte), Paulo Monge (SANA Hotels), Pedro Costa Ferreira (APAVT – Associação Portuguesa das Agências de Viagens e Turismo), Roberto Santa Clara (Savoy Signature), Solange Moreira (Ukino Hotels), Teresa Gonçalves, Teresa Moreira (Neoturis) e Timóteo Gonçalves foram os participantes no mais recente almoço-debate do Turismo, que decorreu nas instalações da empresa de catering Tazte, na Amadora.

Diversificar o destino Portugal

Nos últimos anos, foi realizado um trabalho meritório de posicionamento e promoção do destino Portugal nos mercados externos, com reflexo na evolução expressiva dos números do sector. Agora, com todos os constrangimentos que o sector enfrenta, o que é preciso é uma estratégia nacional para diversificar o destino e levar os turistas a chegarem por outras portas de entrada e a conhecerem outras regiões do País. Contudo, «infelizmente, não há um plano nacional para o Turismo. A organização política do País não está pensada para o Turismo. O Turismo de Portugal faz um esforço hercúleo, mas tem um secretário de Estado, não um ministro», lamentam alguns dos responsáveis ouvidos pela Marketeer. À volta da mesa, outras vozes contrapõem que «o ministro da Economia é também ministro do Turismo» e que o secretário de Estado tem poder institucional no conselho de secretários de Estado. Além de que, lembram, o Turismo é «o único sector em Portugal que tem uma estratégia nacional».

Mas o que implica diversificar o destino? Implica, desde logo, aumentar e melhorar a oferta, nomeadamente a oferta hoteleira, noutras regiões do País, que, neste momento, não estão preparadas para receber grandes fluxos de turistas. Actualmente, existem linhas de apoio financeiras à requalificação da oferta e estão disponíveis no País inteiro. «Mas, primeiro, temos de mapear o País e perceber onde queremos desenvolver», frisam. Depois, é preciso melhorar a mobilidade, para que os turistas não tenham dificuldade em movimentar- se a partir do aeroporto de Faro, por exemplo, para outros pontos do País. E, por fim, é urgente criar conteúdos (culturais e não só) que sejam atractivos. Só assim será possível captar mais turistas para outras regiões.

No que respeita aos conteúdos, há também pequenas entropias que poderiam ser resolvidas para que possamos prestar um melhor serviço a quem nos visita, como o facto de algumas das principais atracções em Lisboa não terem ainda uma plataforma de venda online de bilhetes, nem uma política de agendamentos que permita controlar melhor os fluxos de visitantes. Depois, o que acontece é que os turistas vão para as filas e não estão a consumir noutros sítios.

Além disso, com as ferramentas tecnológicas que existem hoje ao dispor, seria possível recorrer, por exemplo, a Inteligência Artificial para controlar melhor os fluxos turísticos nos principais pontos da capital. Certo é que o tema da diversificação será central para a sustentabilidade do sector e das próprias cidades, uma vez que, nos grandes pólos turísticos, como Lisboa e Porto, o que assistimos é a um mal-estar crescente dos residentes. «Tem que haver um equilíbrio entre os locais [residentes] e o turismo. Estamos sempre a falar em crescer, crescer em número de visitantes. Será que é o caminho certo? Veja-se o que acontece em Barcelona. Chega a um ponto em que a sociedade entra em choque. Temos de encontrar esse ponto de equilíbrio e temos essa oportunidade forçada, por estarmos nos próximos anos sem um novo aeroporto em Lisboa, para posicionar a oferta», defendem os responsáveis.

Neste ponto, atribuem uma das principais causas da tensão entre residentes e turistas ao crescimento do alojamento local nos últimos anos, porque «os locais não têm grandes problemas que os turistas estejam nos hotéis. O problema é quando estão nos bairros deles».

Lembram ainda que algumas das principais plataformas de reservas de alojamento vendem hoje, em Lisboa, mais alojamento local do que hotéis. E a quem cabe a gestão desta dualidade entre residentes e turistas? «Esta gestão é a autarquia que tem de fazer, porque está a receber novas receitas de empresas, impostos e taxa turística. Há aspectos em que a indústria [do Turismo] não deve enfiar a carapuça», salvaguardam os participantes.

Claro que, como em tudo, há excepções. Na Madeira, por exemplo, a população local continua a ser mais receptiva ao turismo, também porque a região insular está mais dependente da actividade turística. No entanto, assiste-se a outro problema, que é o reverso da medalha: há «problemas sérios de degradação do produto», que se começa a sentir cada vez mais, o que está directamente relacionado com a massificação do destino. E se, há uns anos, a capacidade dos aeroportos da Madeira (Funchal e Porto Santo) era apontada para 3,5 a 4 milhões de turistas, no ano passado estas infra-estruturas ultrapassaram a barreira dos cinco milhões de passageiros.«Não é só [o aeroporto de] Lisboa que está a começar a ficar esgotado», alertam.

Tarifas de Trump adensam incerteza

Passado o primeiro quadrimestre do ano, é também tempo de fazer um balanço do ano até ao momento, nas mais diversas áreas de actividade, e perspectivar o futuro.

Na hotelaria, o sentimento geral à volta da mesa é que o ano começou bem, nomeadamente no segmento de grupos. Alguns dos grupos hoteleiros representados no almoço-debate reportam crescimentos homólogos de quase dois dígitos no primeiro trimestre do ano, particularmente devido ao aumento, em volume e preço médio, registado no segmento MICE (Meetings, Incentives, Conferences and Exhibitions). Já no segmento particular, sente-se uma grande pressão nos preços na época baixa, em particular na cidade de Lisboa. «O segmento MICE continua muito forte em Lisboa. A grande preocupação são os clientes individuais. O sentimento é que só chegamos lá pelo preço», afirmam.

Já nos grupos com presença no Algarve, há quem anuncie crescimentos em preço médio e ocupação, face ao ano passado. Também a Páscoa correu de forma positiva, com os hotéis a encherem-se maioritariamente com hóspedes portugueses e espanhóis, mas as reservas foram sobretudo para os três dias do fim-de-semana pascal. «Já não se vende tanto para a semana toda, como acontecia antigamente», comentam. Para o Verão, as reservas estão bem adiantadas para Julho e Setembro – em Agosto, ao contrário do que se possa pensar, as reservas na região algarvia são tipicamente mais last minute.

Já na área do catering e eventos, houve uma quebra homóloga no número de pedidos em Janeiro e Fevereiro, seguida de uma recuperação em Março. «O ano está a arrancar devagar.» Nas empresas de organização de eventos, o grande objectivo passa por ancorar os congressos e eventos internacionais em Portugal, fazer com que se realizem por vários anos seguidos na mesma cidade. O ano passado houve um evento que teve um retorno de 70 milhões de euros para a cidade de Lisboa, que foi o SBC Summit, que trouxe cerca de 25 mil pessoas para a cidade. «Este ano vai voltar a acontecer, mas para o ano corremos o risco de o voltar a perder», porque, «quando falamos em apoios [financeiros] de entidades, perdemos alguma competitividade em relação a outros destinos», lamentam.

Ainda assim, há boas notícias para o sector: em Novembro, o Porto vai receber o 64.º congresso anual da ICCA – International Congress and Convention Association. «Vai ser um momento muito importante para o País, e sobretudo para o Porto, para se posicionar nesse segmento», antevêem os responsáveis, lembrando que, «hoje, somos claramente reconhecidos como um excelente destino para congressos e grupos».

Por sua vez, no sector das agências de viagens, o que se assiste é a um crescimento «muito grande» no outgoing, com os portugueses a continuarem a comprar viagens para o exterior. Neste mercado, há cada vez mais reservas antecipadas – no ano passado já houve mais do que no anterior, e este ano mais do que no ano passado. Por essa razão, «há, normalmente, um pequeno susto em Maio/Junho – que este ano começou um bocadinho mais cedo –, porque há um pequeno travão, mas depois no Verão há uma retoma», salientam.

Em relação a perspectivas para o Verão, há dois grandes pontos de interrogação que se colocam. Em primeiro lugar, o preço da aviação, que continua a subir e poderá impactar as vendas para clientes individuais. Em segundo, a questão das tarifas do Governo norte-americano, que contribuem para um clima de incerteza e dificultam as previsões para o resto do ano. Neste momento, é quase impossível prever como irão reagir os mercados americano, asiático e europeu. O que se pode perspectivar é que o impacto será maior nalguns mercados do que noutros. «Há mercados que são muito conservadores e que, perante a incerteza, preferem esperar para ver. O mercado alemão é um bocado assim, os nórdicos também», sublinham os participantes. «Naturalmente que é preocupante, porque os EUA são um dos mercados mais importantes para o destino português. Neste momento, é o terceiro mercado emissor», acrescentam.

Não obstante, à volta da mesa as opiniões são, de uma forma geral, no sentido de desdramatizar a situação. Desde logo, porque as tarifas deverão prejudicar sobretudo a classe média-baixa norte-americana, e portanto o que se espera é que uma grande fatia dos turistas continue a viajar. «Só seremos afectados indirectamente por menor procura, porque, de resto, a nossa exportação consome-se cá. Se os vinhos aumentam para os americanos nos EUA, mantêm-se ao mesmo preço para os que os vierem consumir cá. Podem é vir consumir menos, por efeitos de incerteza e inflação», explanam.

Dito tudo isto, será que o cenário é mesmo assim tão negativo para uma indústria que, nos últimos anos, tem dado provas de resiliência e que é, actualmente, o grande motor da economia nacional? «Não. Nós queremos é ser perfeitos. Esta é a indústria da perfeição», concluem os participantes.


Notícias Relacionadas

Ver Mais