Como a fast fashion está a transformar a indústria do luxo
Os consumidores mais jovens, habituados à Zara, Shein e Boohoo, esperam agora a mesma rapidez de comercialização da Gucci, Burberry e Coach. Como parte do The Drum’s Fashion & Beauty Focus, analisamos se estas marcas de luxo correm o risco de perder o seu prestígio ao agradar à nova geração de compradores.
A moda de luxo, outrora definida pela sua exclusividade, artesanato meticuloso e ritmo de produção deliberado, está a enfrentar uma transformação significativa.
A ascensão de gigantes da moda rápida, como a Zara, a Shein e a Boohoo, condicionou os consumidores a esperar novidades constantes. Em resposta, as marcas de luxo estão a sentir a pressão de ter de as acompanhar. De acordo com a imprensa britância, marcas como a Gucci, a Burberry e a Coach aceleraram os seus processos de produção para lançar colecções com maior frequência.
«As marcas de luxo estão a fazer o que qualquer empresa faz e a tentar manter-se competitivas através de estratégias inovadoras», explica Jeanel Alvarado, fundador e director executivo da agência de notícias RetailBoss.
«A moda rápida mudou a forma como as gerações mais jovens fazem compras e alterou os hábitos de compra e as expectativas dos clientes.»
No entanto, esta mudança traz consigo desafios, especialmente no que respeita à questão da qualidade. Como observou Amy Francombe, da Vogue Business, «há uma disparidade crescente entre a qualidade e o preço final cobrado pelos produtos de luxo – e os consumidores estão a aperceber-se disso».
Uma mudança fundamental na moda de luxo é a adopção pelo sector de ciclos de produção mais rápidos e de disponibilidade imediata. Marcas como a Gucci, a Ralph Lauren e a Burberry estão a adoptar estratégias de colocação rápida no mercado, reflectindo a rapidez de resposta da moda rápida.
O Art Lab da Gucci em Itália, por exemplo, concentra-se em acelerar a produção de artigos de couro e calçado, permitindo à marca lançar novas colecções mais rapidamente do que nunca.
«A rapidez de comercialização é um elemento essencial do comércio retalhista», explica Alvarado. «Com os avanços tecnológicos, como a modelação 3D e a robótica, aumentar a velocidade será mais fácil do que nunca.»
Outros especialistas partilham preocupações semelhantes. Juanita Carmet, uma estratega de moda experiente que trabalhou com marcas como Fila, Red Carter e US Polo Assn, salienta que a qualidade não pode ser apressada.
«Ciclos mais rápidos significam que os cantos estão a ser cortados e que a qualidade está a ser comprometida, quer se trate de costuras que não são precisas ou de materiais mais baratos que estão a ser utilizados», afirma.
Embora alguns consumidores possam não notar estas mudanças imediatamente, Carmet adverte que, com o tempo, «as pessoas vão começar a perceber que as suas compras caras não estão realmente à altura».
Este desejo de rapidez também levou as marcas de luxo, incluindo a Burberry e a Tom Ford, a adoptar o modelo “ver agora, comprar agora”, que permite aos consumidores comprar artigos imediatamente após a sua estreia na passerelle.
Esta abordagem rompe com o modelo de luxo tradicional, que normalmente envolve uma espera entre a apresentação e a disponibilidade.
Alvarado observa que os consumidores mais jovens consideram o modelo anterior desactualizado: «As gerações mais jovens acham estranho não poderem comprar um artigo online; isso causa fricção desnecessária no ponto de venda».
A linha entre o luxo e a fast fashion continua a esbater-se à medida que as colaborações entre estes segmentos de mercado se tornam mais comuns.
Designers de topo de gama como Versace, Moschino, Mugler e Balmain estabeleceram parcerias com a H&M para lançar colecções exclusivas, tornando os artigos de luxo mais acessíveis do que nunca.
Alvarado acredita que estas colaborações podem efectivamente aumentar a confiança dos consumidores mais jovens. «Muitos compradores mais jovens só conheceram a marca através de campanhas digitais, redes sociais e online. Ao vender num retalhista de moda rápida, um comprador da Geração Z pode comprar com confiança – e com um bónus de um preço mais acessível – a sua primeira peça de designer.»
Jennifer Hinton, directora criativa da marca de vestuário de surf Carve Designs, concorda: «Não me parece que tenha um efeito negativo na identidade da marca. Penso que, na verdade, dá à pessoa comum mais acessibilidade e a capacidade de possuir algo de topo de gama sem o preço de topo de gama. Também permite que a marca de luxo tenha um maior conhecimento da marca.»
Enquanto alguns vêem estas parcerias como vantajosas para todos, aumentando a acessibilidade e a confiança na marca, outros não têm tanta certeza.
«Isto pode diminuir o valor percebido da marca de luxo e quebrar a confiança do consumidor», diz Nguyen Tran, fundador e director executivo da marca de moda ética de luxo Le Réussi. «É crucial que as marcas de luxo mantenham os seus padrões e valores ao estabelecerem tais parcerias.»
Carmet faz eco desta preocupação, descrevendo as colaborações como “complicadas”. Ela reconhece os benefícios comerciais, mas também destaca as potenciais armadilhas: «Quando vemos algo como uma colecção Versace x H&M, isso faz-nos questionar o valor da marca. Difunde o valor da marca e torna mais difícil para os consumidores determinarem o que é verdadeiramente luxo».
Então, como é que as marcas de luxo podem manter o seu prestígio e, ao mesmo tempo, apelar às novas gerações com expectativas diferentes? Alguns acreditam que as marcas de luxo devem manter-se fiéis ao seu trabalho artesanal.
«A autenticidade das marcas de luxo reside no seu design, qualidade e história», afirma Tran. «Desde que mantenham estes elementos, a adopção de ofertas de produtos mais rápidas não prejudicará a sua autenticidade. Os consumidores continuarão a ver valor nas marcas de luxo se estas se mantiverem fiéis aos seus valores fundamentais.»
Enquanto alguns, incluindo Tran, defendem que as marcas de luxo devem apostar mais no artesanato, outros, incluindo Hinton, acreditam que as iniciativas de sustentabilidade podem oferecer um caminho a seguir. Ela sugere que as marcas de luxo deveriam inspirar-se nos programas de retoma iniciados pela Zara e pela The Real Real.
«O problema é: o que estamos a fazer com todas estas roupas? Seria fantástico ver as casas de moda de luxo criarem os seus próprios programas de retoma… Se receberem 100 vestidos iguais devolvidos, podem recriá-los em algo novo.»
Acrescenta ainda que o aumento das compras em segunda mão pode representar uma oportunidade para as marcas de luxo repensarem as suas práticas de produção.
«Quando as marcas de luxo começam a copiar a fast fashion, perdem o seu toque especial. Não se trata apenas do nome ou do logótipo, é o trabalho artesanal, os materiais, a atenção aos detalhes – a qualidade do produto que lhes dá a sua vantagem competitiva. As marcas de luxo precisam de se concentrar na criação de peças que valham verdadeiramente os preços incrivelmente elevados que cobram. Deveriam ser elas a definir as tendências, e não o contrário».
Alvarado acrescenta que não se trata necessariamente de adoptar práticas de fast fashion, mas de compreender e adaptar-se aos hábitos da próxima geração de compradores. «As marcas de luxo precisam de corresponder aos hábitos da próxima geração de compradores. Não se trata tanto de adoptar práticas de fast fashion, mas sim de acompanhar os consumidores mais jovens.»