CEO da Lola Normajean: «Sempre foram ideias a resolver os grandes problemas»

A Lola Normajean desenvolveu dois relatórios relacionados com o novo coronavírus e através dos quais aponta alguns dos efeitos que a pandemia está a ter ao nível da comunicação das marcas e consumo. Indica, por exemplo, que as marcas devem lidar com esta situação da forma mais dinâmica e activa possível e que 80% dos consumidores mudou pelo menos um comportamento desde o início do surto.

Mas e como será o pós-pandemia? Regressaremos ao mesmo mundo que conhecíamos antes? Rodrigo Silva Gomes, CEO da Lola Normajean, conta à Marketeer que tentar antecipar a nova normalidade é um exercício de adivinhação, mas que há motivos para encarar com optimismo a próxima fase. Importante será garantir um fluxo permanente de ideias e criatividade.

O início do fim do dinheiro físico, a revolução da mobilidade (quero mesmo andar de transportes públicos?) e as alterações ao consumo são alguns dos pontos focados pelo CEO da agência:

Muito se fala sobre o regresso à normalidade pós-pandemia. Mas que normalidade será esta?

Tentarmos adivinhar essa coisa a que estamos a chamar de nova normalidade deixa-me dividido. Se, por um lado, transformações profundas como a que sentimos que estamos a viver me deixam apreensivo; por outro, a designação de “new-normal” transporta uma aceitação imediata e pacífica da mesma, o que me tranquiliza. O travo final é de entusiasmo na expectativa de poder tocar em breve os desafios que antevejo bons. Lá diz o ditado: “Depois da tempestade…”

Prevejo evoluções e até algumas revoluções em três estruturas fundamentais: comércio, mobilidade e, evidentemente, consumo.

No comércio, as trocas acontecem de inúmeras formas novas com o valor dos serviços de entrega a explodirem, os modelos de subscrição dos mais variados bens a tornarem-se familiares, a compra online a generalizar-se a tudo e mais um par de botas, os serviços ao domicílio ou por YouTube de unhas, cabeleireiro, treino personalizado, entre outros, a abrirem as portas de nossas casas ao mundo, ao mesmo tempo que nos fechamos dentro delas. E, neste comércio novo, o meio de troca indirecta por excelência a que chamamos “dinheiro” será definitivamente catapultado para um patamar diferente de digitalização, por questões sanitárias que nos vão perseguir por muito tempo – e porque simplesmente essa já era uma tendência.

Na mobilidade, muito se vai alterar também porque, desde logo, vamos simplesmente voltar a pensar quando precisarmos de nos deslocarmos. Já não pensávamos. Íamos… Pegávamos no carro ou apanhávamos o metro ou o autocarro que passa à porta. No futuro já não será assim. Preciso mesmo de ir? Preciso mesmo de ir trabalhar para o escritório ou posso ficar a trabalhar de casa? Será que dá para ir a pé? Será que o transporte público já é seguro? Talvez seja altura para voltar a pensar ter um carro… Talvez um eléctrico… E se for de bicicleta?

E, à frente de tudo isto, o consumo. Interagimos, movemo-nos, compramos e vendemos, alimentamo-nos, pensamos e trabalhamos de forma drasticamente diferente de há um mês. O consumo e o consumidor só podem vir a ser diferentes.

Como podem as marcas responder a estas mudanças?

Ouvindo e pensando… mas depressinha se faz favor. É este novo consumidor pós-COVID-19 que as marcas vão ter que descobrir para poderem continuar a acrescentar valor à vida das pessoas. Quem mais depressa entender como deve adaptar a sua proposta de valor, a começar no produto e a acabar na comunicação, será quem mais ganhará.

Até lá, convém não fazer asneiras que o povo não perdoa. Isto passa por saber ouvir, ser criterioso na forma de agir e transparente na forma de comunicar, aproveitando para reforçar o propósito da marca, assegurando os investimentos necessários na transformação digital e mantendo todos os cenários em cima da mesa porque ainda não sabemos bem o que será esse tal de “novo-normal” de que todos falamos.

As lições do passado dizem-nos que, em tempos de crise, as marcas devem permanecer ágeis e abertas à mudança, e devem ser capazes de tomar decisões rapidamente. A capacidade de resposta, reacção e adaptação da parte das marcas num período de crise é sempre importante – e aqui a atitude faz toda a diferença. Mas nunca abdicando de pensar. Se só houver cinco minutos para pensar, que se usem bem esses cinco minutos.

De que forma podem as agências de criatividade e comunicação apoiar neste processo?

É precisamente aí que as agências tem um papel fundamental. No pensamento. Garantindo um fluxo permanente de ideias, criatividade e soluções de negócio para que as marcas se mantenham relevantes na vida dos seus clientes.

Sempre foram ideias a resolver os grandes problemas da humanidade. E estamos a assistir, mais uma vez, à genialidade do ser humano em acção, na criação e implementação das mais variadas soluções no combate à COVID-19 e a todos os seus efeitos colaterais. Temos inovado em todas as áreas: investigação, industria, comércio, serviços, investigação e comunicação.

Do nosso lado, nunca tivemos na unidade de estratégia da Lola Normajean tantas solicitações. Externa e internamente. As iniciativas locais, vistas tradicionalmente como tácticas, são hoje incontornavelmente estratégicas. A acção “local”, durante crises como esta, é determinante para a forma como as marcas sairão delas e para como os consumidores as olharão.

O digital está a ajudar as pessoas e as empresas a sobrevivem à quarentena e é expectável que continue a crescer depois. A pandemia veio acelerar algo que já era inevitável?

Vou-me referir unicamente ao aspecto da transformação digital no Marketing/Vendas. Há anos que muitos marketeers e directores comerciais falam de transformação digital, mas é numa altura como esta que vemos até que ponto ela é essencial.

A transformação digital é o uso de tecnologia digital nova, rápida e em constante mudança para resolver problemas. Não é um shortcut para as marcas, mas sim um investimento a longo prazo que ajuda a construir o futuro de uma marca.

Estamos, neste momento, a enfrentar problemas com os quais nunca nos tínhamos confrontado anteriormente. Com distanciamento social, quarentenas, restaurantes, retalhistas e agências de viagens e turismo a fechar para evitar a transmissão de um vírus. Este é o derradeiro desafio para os marketeers e para as suas agências digitais que terão definitivamente de inovar, pensar de forma diferente e – sem querer cometer nenhum sacrilégio – aproveitar ao máximo este momento difícil.

Só em Fevereiro de 2020, assistimos às dificuldades que as empresas tradicionais de retalho enfrentaram enquanto, inversamente, as aplicações e plataformas digitais registaram um pico na procura.

Também vimos o mercado de alimentos frescos e de mercearia online crescer entre 250% e 300%. Como podemos começar a utilizar novos canais e a força do digital para as nossas indústrias? É a pergunta que espero que esteja mesmo a ser feita onde ainda não o tinha sido.

Muitas indústrias/empresas nunca consideraram sequer aplicáveis soluções que agora desejariam ter e que hoje podia fazer toda a diferença para manter a posição da marca em tempos de necessidade ou a própria sobrevivência da empresa. Alguns negócios só nestas circunstâncias limite é que se aperceberam do quão mal preparados estão no ambiente digital.

Respondendo directamente à sua pergunta: espero sinceramente que a pandemia tenha vindo acelerar o processo no maior número possível de negócios porque, de facto, inevitável já o era. Mais para uns do que para outros.

Estas mudanças de que falamos – e que são mencionadas nos relatórios – começam já a notar-se? Se sim, quais são as primeiras a dar sinais?

Sim, os consumos alteram-se muito e é necessário entender onde estão os nossos consumidores neste momento (física e emocionalmente).

Uma pesquisa recém-lançada pela Gartner mostra que, na China, o tempo passado online subiu 20% à medida que as pessoas se confinavam às suas casas. Apesar de as redes sociais continuarem a ser a actividade favorita das pessoas, houve mais tempo gasto em jogos móveis (até 44% entre Janeiro e Fevereiro de 2020), a ver pequenos vídeos (até 14%) e a ler notícias e outras informações (até 14%).

Estes comportamentos ajudam a combater os sentimentos de isolamento, solidão e medo provocados pela pandemia. Com o distanciamento social a reger o dia-a-dia das pessoas, como é que as marcas podem ajudar a aproximá-las, aliviar os seus medos e lutar contra o sentimento de solidão? Neste momento, qual será o melhor tipo de comunicação para uma marca?

A comunicação também teve que mudar e mudou logo. O contexto psicológico em que as nossas mensagens passaram a ser recebidas mudou drasticamente.

Analisámos também alguns destes temas quer no nosso 1.º relatório COVID-19, quer no 2.º Pós-COVID.

Há marcas que não devem comunicar de todo?

A comunicação é sempre, e em qualquer circunstância, acessória daquilo que existe para comunicar. E, portanto, se não temos nada que seja relevante para dizer e que acrescente à discussão, mais vale estarmos calados. Mais ainda num momento de crise em que anda tudo com os nervos à flor da pele.

O que também aprendemos de experiências anteriores é que, por vezes, dar um passo atrás é a melhor coisa que se pode fazer. É essencial perder algum tempo a respirar, a pensar, e a analisar se, enquanto marca, devemos ou não ter uma voz activa neste momento. Os consumidores de hoje exigem conversas autênticas e reais às marcas com as quais interagem e poderão rapidamente pôr de lado aquelas que tentam tirar partido dos tempos difíceis.

Mas se puderem realmente ajudar os consumidores de alguma maneira durante este período, enquanto consumidores exigimos que façam a coisa certa e participem na conversa. E mais tarde vamo-nos lembrar. Como pudemos confirmar no pós das últimas crises e conflitos.

Quais são os principais erros a evitar?

É importante ter em conta que participar na conversa não significa o mesmo para todas as marcas. É essencial medir até que ponto a marca em concreto deve agir. Pensar se a mensagem que quer transmitir, os temas que pretende abordar, ou o tipo de conteúdo que vai criar, estão realmente alinhados com o seu ADN e propósito e se isso estará claro para os seus consumidores. Desvios nestes temas julgo que serão fatais. Não se deve colocar a integridade da marca e das empresas em causa nunca. Se for para isso mais vale ficar calado.

A forma como agem agora vai determinar a sua base de clientes e notoriedade no período pós-pandemia?

Sem dúvida. Para o bem ou para o mal. Na sequência da pandemia de SARS de 2003 na China, os consumidores adoptaram um comportamento prudente durante o seu auge e algum tempo depois, mas assim que a epidemia se tornou menos generalizada, esses consumidores voltaram a fazer compras, a gastar e a viajar.

Em Janeiro de 2004, a economia chinesa tinha crescido para além do que se previra para 2003. E as marcas que souberam partilhar com o povo chinês o momento difícil saíram da crise claramente em vantagem.

Quando ultrapassarmos a pandemia de COVID-19, ou pelo menos quando esta se tornar menos ameaçadora, seremos confrontados com a tal nova normalidade. O que podemos prever é que haverá mudanças duradouras, tanto nas atitudes como nos comportamentos. Essa nova normalidade vai criar novas necessidades, novas prioridades e novas oportunidades competitivas no seio de várias indústrias. Na nossa, certamente.

Teremos de olhar para todos os aspectos do negócio e pensar no futuro – como podemos proteger o nosso negócio e estar preparados caso algo do género volte a acontecer.

Para a Lola Normajean, vejo-me a entrar numa fase de “back-to-basics” talvez, onde o nosso valor acrescentado parece estar no revisitar das origens, reunindo talento que saiba pensar e mentes criativas. Isto é, mais pensamento estratégico e mais e melhores ideias para satisfazer a exigência de maior propósito e de maior profundidade nos conceitos, que o é das marcas mas principalmente do consumidor da nova normalidade.

Texto de Filipa Almeida

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