Carne vermelha: sim, não ou às vezes?
Por Isabel Pedroso Silva, nutricionista, formadora e criadora da Escola Ouve O Teu Corpo e do O Podcast Da Isabel
Há anos que os profissionais de saúde aconselham reduzir a ingestão de carne vermelha pelo seu potencial inflamatório e riscos adversos à saúde. Mas o que será que os novos estudos têm mostrado?
Um estudo de Novembro de 2023 (PMCID: PMC10797554) tentou compreender esta relação complexa entre a ingestão de carne vermelha e o aumento da inflamação, e descobriu que o problema pode não ser a carne vermelha, mas o índice de massa corporal da pessoa que a consome.
Mas, antes de avançarmos, podemos já afirmar que este estudo tem limitações e que são necessários mais estudos para entender, com toda a certeza, os efeitos negativos e positivos do consumo de carne vermelha.
Nutricionalmente falando
A carne vermelha é rica em proteína, bem como em vitaminas e minerais essenciais para o organismo (vaca, vitela, porco, leitão, carneiro, cabra, cabrito, borrego, cavalo). Mas ao longo dos anos, a sua reputação foi posta em causa, com vários estudos a associar a sua ingestão e o aumento do risco de cancro e outras doenças inflamatórias. A investigação mais recente (referida acima) foi um estudo transversal e os participantes fizeram parte do Estudo Multiétnico de Aterosclerose (Estados Unidos da América). Incluíram 3638 participantes com idades entre 45 e 84 anos, recolheram a frequência alimentar, a altura e peso, tiveram em conta o tabagismo, nível de actividade física, nível de escolaridade, idade, sexo e rendimento familiar, bem como o consumo de carne vermelha não processada e também processada (fiambre, salsichas, chouriço, presunto, carne enlatada).
Pequenas (grandes) limitações
Os resultados do estudo descobriram que o factor que mais contribuiu para o aumentos dos marcadores inflamatórios era o índice de massa corporal dos participantes. Quando tiveram em conta o IMC, não encontraram associação entre o consumo de carne vermelha e indicadores de inflamação. Em contrapartida, quando não levaram em conta o IMC, houve associação entre consumo de carne vermelha e o aumento da inflamação. Vejamos as limitações do estudo:
- por ser observacional, não consegue estabelecer quaisquer relações de causa;
- foram os próprios participantes a dizer o que comiam e outros dados, o que pode ser dúbio;
- não fizeram distinção entre a frequência com que consumiam carne vermelha e o tamanho das porções, nem deram orientação sobre quantidades seguras;
- e, mais importante, recebeu financiamento do grupo Beef Checkoff, um programa americano de marketing e investigação projectado para aumentar a procura nacional e/ou internacional por carne bovina.
Vamos concluir
Poderia ser um óptimo estudo, mas dadas as limitações, voltamos à evidência que tem perpetuado ao longo dos anos. A ingestão excessiva de carne vermelha:
aumenta o risco de cancro, em particular cancro colorretal (intestino);
se associada ao consumo de grandes quantidades de gordura saturada pode aumentar o risco de doenças cardíacas;
pode aumentar o índice de massa corporal, com consequente obesidade;
aumenta o colesterol LDL e o risco de ataque cardíaco;
No final de 2015, a Organização Mundial de Saúde, classificou a carne vermelha como “possivelmente carcinogénica em humanos, com provas ainda limitadas de que o consumo de carnes vermelhas provoca cancro em humanos”, sugerindo cautela no consumo de carne processada (fiambre, salsichas, chouriço, presunto, carne enlatada).
Na página oficial da Comissão Europeia, conseguimos encontrar as recomendações para a ingestão de carne vermelha nos vários países da Europa (em média, até 500g por semana). Sendo que, em Portugal, existem:
- as recomendações quantitativas: 1,5 a 4,5 porções de carne/peixe/ovos/outra fonte de proteína por dia;
- as recomendações qualitativas: moderar o consumo, sendo que as “miudezas” e vísceras não devem ser consumidas com frequência;
- e a referência ao tamanho da porção: 30 g de carne crua e 25 g de carne cozinhada.
Além disso, é importante consumir diariamente alimentos protectores para reduzir o risco de cancro colorretal, como fruta e hortícolas em quantidade de pelo menos 400g diariamente, ou seja duas sopas e 3 peças de fruta diariamente, para além do consumo de cereais integrais e leguminosas (feijões, grão, lentilhas…).
A variedade alimentar é crucial para a saúde intestinal e de todo o organismo.