
Tendência ou hype?
No meio da avalanche de relatórios de tendências que marcam o início de cada ano, distinguir o que é realmente uma mudança estrutural no comportamento do consumidor e o que não passa de um fenómeno passageiro tornou-se um desafio crescente para os profissionais de marketing. Para ajudar a clarificar essa questão, a Publicis Groupe lançou o estudo “Trend or Hype”, uma ferramenta que visa preencher a lacuna entre percepção e realidade, fornecendo dados concretos para orientar as decisões estratégicas das marcas.
De acordo com Patrícia Araújo, Chief Strategy Officer (CSO) da Publicis, o estudo surge como resposta à proliferação de análises e previsões feitas por diferentes entidades. «No início de cada ano, muitas empresas, como a Mintel ou a Warc, publicam relatórios que avançam o que é tendência e o que não é. O resultado é um manancial inacreditável de previsões», explica. «O que nós fazemos no “Trend or Hype” é olhar para todas essas tendências, isolar dez fenómenos- chave (de 300) e validá-los, de forma a perceber se representam, de facto, uma tendência relevante para o mercado», refere a responsável.
O projecto, que nasceu em Espanha, já está a ser realizado noutros países, como Itália. No entanto, apesar de a metodologia se manter e de os fenómenos analisados serem os mesmos, os resultados variam consoante os mercados. «Os temas analisados são idênticos em todas as edições, mas os resultados são sempre diferentes. Isto é muito interessante, porque mostra como o impacto das tendências varia de país para país», destaca Patrícia Araújo.
A importância da conexão genuína na comunicação é um dos pontos-chave desta reflexão sobre tendências e relevância das marcas. Para Alexandra Varassin, CEO da Publicis Groupe Portugal, esta discussão não pretende definir verdades absolutas, mas sim incentivar um pensamento crítico sobre o impacto real da comunicação na vida das pessoas. «Numa sociedade onde a atenção está cada vez mais fragmentada e em que tanta informação passa de forma superficial, é essencial questionarmos o que realmente vale a pena. O que mobiliza as pessoas? O que resgata o verdadeiro propósito da comunicação?», reflecte. No seu entender, muitas marcas, ao tentarem seguir tendências, acabam por perder a conexão humana e a autenticidade.
DECISÕES ESTRATÉGICAS MAIS INFORMADAS
Mais do que mapear tendências, o estudo propõe-se a trazer rigor e clareza. «O objectivo é precisamente ajudar as empresas a decidir onde investir e de que forma, percebendo em que ponto estão as pessoas, como pensam e como se comportam», acrescenta a CSO.
O estudo analisa anualmente dez fenómenos que reflectem as principais dinâmicas sociais e culturais do momento. Inicialmente, quando o projecto foi lançado no país vizinho, houve uma abordagem mista, combinando fenómenos sociológicos com temas mais ligados ao marketing, como a sustentabilidade. No entanto, a experiência desse primeiro ano levou a uma reformulação da metodologia. «O que percebemos foi que olhar para fenómenos sociológicos e de comportamento humano traz muito mais riqueza e relevância para entender o mercado», explica Patrícia Araújo.
Partindo da premissa de que “um Hype é uma tendência sem (o comportamento das) pessoas”, o estudo passou a focar-se exclusivamente em fenómenos sociais, analisando padrões de comportamento, pensamentos e reflexões humanas. Para a profissional, esta abordagem é mais eficaz do ponto de vista estratégico, e, por outro lado, intelectualmente mais estimulante.
DIVERSOS FENÓMENOS SOCIOLÓGICOS EM ANÁLISE
Um dos fenómenos analisados nesta edição do “Trend or Hype” é o orgulho low-cost, que reflecte uma mudança na percepção dos consumidores face às marcas acessíveis. «Hoje em dia, as pessoas têm orgulho em usar produtos low-cost, o que é muito interessante», afirma Patrícia Araújo. «Antes, havia um certo preconceito associado a estas escolhas. Mas o recente contexto económico instável contribuiu para uma normalização e até valorização destas opções.»
A transformação tornou-se visível na cultura popular e no consumo do dia-a-dia. «Quando pensamos que, de repente, um casaco do Lidl se tornou num objecto desejado e cool, percebemos o quão radical foi esta mudança de mentalidade. É um verdadeiro game changer na forma como as pessoas encaram o consumo», sublinha.
Outro fenómeno identificado pelo estudo é o Senior Power, que destaca o crescente poder dos consumidores seniores. No entanto, segundo Patrícia Araújo, este ainda não é um movimento dominante. «Quando olhamos para a sociedade como um todo, percebemos que o mercado ainda não está completamente alinhado com esta realidade», explica.
Esta análise reforça a importância de as marcas estarem atentas a fenómenos emergentes e compreenderem quando e como investir neles. «O estudo permite perceber quais os temas que já fazem parte do comportamento generalizado e quais os que ainda estão em fase de desenvolvimento », avança.
Entre outros fenómenos analisados pelo “Trend or Hype”, um dos que mais surpreendeu a equipa foi a chamada “sociedade sem tempo”. Isto, porque as marcas têm um papel fundamental na forma como as pessoas gerem o seu tempo e interagem com o mundo ao seu redor. Para Alexandra Varassin, CEO da Publicis Groupe Portugal, a questão não é apenas reconhecer a sociedade sem tempo, mas sim reflectir sobre como as marcas podem devolver tempo de qualidade aos consumidores. «Se pensarmos, por exemplo, numa marca de leite infantil, há inúmeras possibilidades. Como é que esta marca pode ajudar os pais a terem mais tempo com os filhos? Como pode simplificar o dia-a-dia e eliminar aquilo que não vale a pena?», questiona.
Outro fenómeno incontornável é a sociedade polarizada, que, segundo a mesma, já não é apenas uma tendência, mas sim um comportamento enraizado. «Já não se trata de prever se a sociedade se tornará polarizada – já vivemos assim há pelo menos 10 ou 15 anos», observa. Para as marcas, o desafio passa por criar espaços de diálogo e trazer novas perspectivas. «As redes sociais reflectem essa polarização, mas o que as marcas podem fazer é mostrar que não há apenas dois pontos de vista. Existem múltiplas formas de ver o mundo, e isso pode abrir caminho para discussões mais ricas e construtivas», explica a CEO.
AUTENTICIDADE E COMPROMISSO DAS MARCAS
Um dos principais objectivos do “Trend or Hype” é ajudar as empresas a construir marcas culturalmente relevantes e a estabelecer uma ligação mais autêntica com os consumidores. Para Patrícia Araújo, a relevância de uma marca passa por um factor essencial: fazer parte da vida das pessoas. «Ser relevante significa entregar uma proposta de valor real. O desafio é enorme, porque o mercado está muito fragmentado, há um excesso de comunicação e, por outro lado, marcas que não comunicam acabam por não ser conhecidas», explica.
A identificação das tendências mais relevantes permite às marcas compreender onde devem investir e como alinhar a sua comunicação com os interesses e comportamentos dos consumidores. Para isso, a Publicis desenvolveu uma metodologia própria, baseada num algoritmo que cruza múltiplas fontes de dados. Através da combinação desses dados, o algoritmo calcula o índice de relevância social de cada fenómeno, permitindo perceber não só o que as pessoas falam, mas como realmente agem.
O estudo reflecte, ainda, sobre o impacto da polarização social e da crescente discussão em torno da diversidade. Neste contexto, as marcas podem desempenhar um papel relevante – mas apenas se forem autênticas e coerentes. «Se uma marca decide intervir ou posicionar-se sobre um tema, tem de ter propriedade para o fazer. Se não houver autenticidade e compromisso, essa actuação perde credibilidade e não tem impacto real», defende Patrícia Araújo.
Para que possam promover uma sociedade mais inclusiva, as marcas devem garantir que os valores que comunicam estão alinhados com a sua proposta de valor, produtos e serviços. «Uma marca que fala sobre diversidade, sem ter nada no seu ADN que sustente essa posição, dificilmente será vista como genuína. Mas aquelas que realmente têm algo para oferecer nesse campo podem, de facto, fazer a diferença», enaltece.
COMUNICAÇÃO NUM MUNDO CHEIO DE ESTÍMULOS
Num contexto onde a informação circula a uma velocidade sem precedentes, captar a atenção do consumidor tornou-se um dos maiores desafios das marcas. O “Trend or Hype” identifica, nesse sentido, a sobrecarga de informação como um factor limitador da percepção e da tomada de decisão.
«Vivemos num ciclo contínuo de estímulos e escolhas, estamos numa espécie de espiral», observa Patrícia Araújo. «Acredito que a sociedade começará a reflectir mais sobre este tema e que possam surgir medidas para desacelerar este ritmo. Isso terá impacto na forma como gerimos a atenção, apesar de serem esferas um pouco diferentes», destaca.
UM ESTUDO SOCIAL EM CONSTANTE EVOLUÇÃO
Para as marcas, o caminho continua a passar por um princípio essencial: relevância. «Tem de haver um espaço autêntico para comunicar. Se a marca tem algo a oferecer, algo que realmente ajuda e facilita a vida das pessoas, a sua mensagem será mais clara e impactante», reforça a CSO da Publicis.
Assim, mais do que identificar tendências, o “Trend or Hype” pretende ser uma ferramenta dinâmica que acompanha a evolução dos fenómenos sociais e antecipa novas realidades.
Alexandra Varassin considera que este estudo representa apenas o início de um trabalho contínuo que a Publicis Groupe quer desenvolver no mercado português. «O grupo está a fazer uma aposta importante em Portugal», afirma. A ambição passa por trazer cada vez mais estudos proprietários, dados relevantes e informação qualificada, para ajudar o sector a fazer as perguntas certas e a avançar de forma estruturada nesta transformação. «O nosso papel é contribuir com conhecimento e perspectiva para esta evolução. No fundo, este estudo é o nosso pequeno contributo para uma sociedade em constante mudança», conclui a CEO da Publicis Groupe Portugal.
Este artigo faz parte da edição de Fevereiro (n.º 343) da Marketeer.