Turismo: Não se pode desistir do futuro

Não há como escapar: 2020 tem sido um “annus horribilis” para a indústria do Turismo, devido à pandemia da Covid-19. Reportando- nos apenas aos dados do sector da hotelaria, revelados pelo Instituto Nacional de Estatística (INE), nos primeiros oito meses do ano houve uma quebra homóloga de 62,5% das dormidas totais.

Entre os responsáveis do Turismo ouvidos pela Marketeer no mais recente debate do sector, existe a noção de que a situação é grave, mas também que nem tudo estará a ser feito, sobretudo por parte dos responsáveis políticos e da Direcção-Geral da Saúde (DGS), para que a retoma seja mais célere e efectiva. Apontam, por exemplo, falhas estratégicas ao nível da comunicação e do discurso: cada vez que alguém fala na televisão, em particular as grandes figuras políticas, há um reflexo negativo imediato sobre o sector. «Quando anunciam estados de calamidade e restrições ao nível de ajuntamentos de pessoas, dá de imediato a ideia que é melhor não ir a um restaurante, hotel ou espectáculo », lamentam.

Até porque esta imprevisibilidade, em cima do medo generalizado, adensa as dificuldades em termos de definição de planos de marketing: «Olhamos para o Natal e não só não sabemos como vai ser, como sabemos que sempre que há uma notícia ou um comentário de algum político, as reservas são canceladas. A reacção é na hora!», garantem os responsáveis presentes no debate do sector. E vão ainda mais longe: «Estar a discutir o Natal em Outubro é a mesma coisa que mandar fechar as empresas. Um verdadeiro acto de irresponsabilidade.»

O sector, alegam, organizou-se para cumprir as regras mas, enquanto isso, o Estado não tem polícia suficiente na rua para controlar a população. Além disso, defendem alguns dos presentes, as associações deviam ser mais interventivas em vez de “amigas” do status quo («quando não se está num momento normal, todos ficam à espera para ver o que o Governo quer fazer»).

Ainda assim, confirmam que tem havido algum lobby por parte de várias e diferentes empresas, seja junto da Secretaria de Estado ou do Turismo de Portugal, no sentido de mostrar a necessidade, entre outros pontos, de abertura de fronteiras. «O problema é mais de regulamentação do que de falta de mercado», dizem, exemplificando: «Se as fronteiras não estivessem fechadas, o mercado brasileiro estaria a voar para Lisboa, o Reino Unido para o Algarve…»

Apesar das dificuldades, existe à volta da mesa a convicção férrea de que não se pode baixar os braços, acreditando os participantes que o actual momento vai passar e, sobretudo, que é preciso reconstruir a confiança. «Temos que estar preparados para ser o primeiro destino organizado da Europa. Temos que estar no topo da lista nos conteúdos, nos hotéis, nos cruzeiros, porque a abertura vai acontecer. E é fundamental contrariar o discurso miserabilista», explanam os participantes.

Porque se há regras para o distanciamento e a segurança, a hotelaria ou a restauração deveriam ser os primeiros a dizer “é seguro vir”. É preciso trabalhar o presente e preparar para o futuro. «Não se pode desistir do futuro!», dizem.

Álvaro Covões (Everything is New), Bernardo Corrêa de Barros (Associação de Turismo de Cascais), Catarina Pádua e Silva (Grupo Vila Galé), Eduardo Cabrita (MSC Cruzeiros), Mário Ferreira (NAU Hotels & Resorts), Pedro Miguel Ramos (SANA Hotels) e Pedro Ribeiro (Dom Pedro Hotels) foram os responsáveis que aceitaram o convite para debater o estado actual da indústria. O encontro decorreu presencialmente no Hotel Dom Pedro Lisboa, cumprindo todas as regras de higiene e segurança.

A prioridade é sobreviver

Os participantes no debate do sector do Turismo promovido pela Marketeer apontam a impreparação dos Governos europeus como um dos principais factores que permitiram que a pandemia da Covid-19 alastrasse de forma tão repentina às economias nacionais. Se no início do ano as autoridades diziam que a pandemia não ia chegar ao Velho Continente, porque era essa a mensagem transmitida pela Organização Mundial de Saúde (OMS), a verdade é que a doença chegou «em força» ainda no primeiro trimestre. «E ninguém estava preparado ao nível do discurso, da comunicação, das medidas imediatas a tomar, de como resolver o problema. As empresas têm que ter planos para tudo, os hotéis têm de ter planos de emergência, mas os Governos não tinham um plano para fazer face a uma pandemia!», constatam.

O resultado desta falta de preparação é que, à crise sanitária, rapidamente se sucedeu uma crise financeira, que é diferente das anteriores, nomeadamente as de 2008 e 2011. «Nunca houve uma crise como esta, porque as anteriores tinham algo estrutural. Esta é uma crise conjuntural, que pode ter consequências estruturais se as economias forem demasiado afectadas, mas parece que os Governos estão a fazer tudo para que isso não aconteça. Os orçamentos do Estado de todos os países da Europa apontam para quebras brutais do PIB e défices significativos este ano, mas todos eles esperam crescimentos elevados no próximo ano», frisam.

Não obstante, por ser uma crise com carácter conjuntural, os responsáveis ouvidos pela Marketeer acreditam que será, em teoria, mais facilmente recuperável do que as crises do passado. «Da mesma maneira, ou talvez até com mais rapidez com que em Março as pessoas se recolheram, porque apanharam um susto de morte, quando existir uma retoma de confiança ou uma sensação de que “já passou”, a retoma vai aparecer.»

Neste momento, explanam, o importante para as empresas do sector do Turismo é «sobreviver, para não desaparecer», mesmo assumindo que «muitas vão ficar pelo caminho ». Alguns grupos hoteleiros estão inclusivamente a aproveitar a actual fase para não só não avançar com projectos que estavam em carteira, como para recuperar algumas unidades que precisavam de melhorias.

2021 será ano de transição

Para alguns dos participantes no debate promovido pela Marketeer, 2021 é já encarado como um ano de transição, confiando na retoma a partir de 2022. Mas o sentimento reinante é de expectativa, até porque há uma variável que será determinante não só para a saúde pública mas também para a economia: o timing do surgimento de uma vacina.

Por essa razão, algumas empresas desenharam dois orçamentos: um que prevê um recomeço da actividade no início do próximo ano, se houver uma vacina já este mês de Novembro e começar a ser administrada de imediato; e outro para o caso de a vacinação começar mais tarde e tudo demorar mais tempo (a reabertura das fronteiras, dos aeroportos, entre outros factores).

TAP: os ares da discórdia

Outro tema que foi a discussão diz respeito à situação financeira da TAP. A proposta de Orçamento do Estado para 2021 reserva mais 500 milhões de euros para os cofres da companhia aérea, em caso de necessidade. Assim, se a TAP precisar do dinheiro, o Estado vai injectar não os 1,2 mil milhões de euros previstos inicialmente, mas sim 1,7 mil milhões de euros.

Ora, esta decisão dividiu as opiniões à volta da mesa, com alguns dos participantes a considerar que o Estado «não deve defender uma empresa a qualquer preço». Nos últimos anos, argumentam, sucederam-se os erros estratégicos, a começar pela reentrada do Estado como maioritário no capital da transportadora aérea, em 2016. «A reentrada do Estado na TAP foi um disparate. Se os accionistas privados não tinham capacidade financeira para manter a empresa, a TAP devia ter ido para insolvência. E depois acontecia uma de duas coisas: ou desaparecia ou fazia-se um Processo Especial de Revitalização (PER) e começava-se com novas bases. O Governo patrocinava a criação da nova empresa, com um novo contrato colectivo de trabalho. E continuávamos a ter uma empresa nacional», defendem, lembrando que há uns anos aconteceu o mesmo à Swissair (hoje, Swiss International Air Lines).

Outros participantes não concordam com esta visão e defendem que o novo apoio anunciado pelo Estado «não é um custo desmesurado, mas uma questão de gestão», lembrando que a TAP é «estrutural na economia portuguesa», pelo que deve ser controlada pelo Estado. Além disso, acrescentam, a TAP «faz muito mais» pela promoção do País em qualquer mercado internacional do que o Turismo de Portugal. «Portugal é o país mais periférico da Europa e tem de ter uma companhia de aviação própria. Porquê? Porque temos de controlar como chegar e como sair daqui, porque se não morremos. O Turismo é a grande indústria do mundo ocidental e todos concorrem contra nós», explanam os convidados.

Mas é preciso Portugal continuar a ter uma companhia de bandeira para esse efeito? Deve a TAP manter a dimensão que teve até aqui? Mais uma vez, as opiniões polarizam- -se. Há quem defenda que sim, porque este é um vector estratégico para o controlo das rotas, e sem a TAP «haveria muitas rotas que nunca seria possível realizar, sobretudo as intercontinentais. Se não houver uma filosofia de hub em Lisboa, como a TAP tem, há muitas rotas internacionais que não são viáveis ». «Para ser uma companhia com interesse para a economia portuguesa não pode ser uma companhia ponto a ponto. Tem de ser uma companhia com uma óptica de hub com rotas intercontinentais com uma ligação de hub à Europa e vice-versa», reiteram.

Do outro lado, argumenta-se que países como os EUA, a Bélgica ou a vizinha Espanha não têm sequer uma companhia aérea nacional e teme-se que a tentativa de «manter a empresa a todo o custo» possa continuar a pesar sobre o Estado português. «O Estado não pode deixar cair uma empresa onde tem 50%! Esse é o grande problema da TAP. O Estado não pode deixá-la cair e vai meter o dinheiro que for preciso. E não vai ser menos de três mil milhões de euros, para no fim ficar com uma TAP mais pequena», vaticinam alguns dos presentes.

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