Fidelidade: AI! Interjeição ou (r)evolução?
Texto: Sérgio Carvalho, Chief Marketing Officer da Fidelidade
Nos últimos anos, a evolução da tecnologia tem revolucionado diversos sectores e o marketing não é excepção. A utilização da inteligência artificial tem vindo, de facto, a redefinir a forma como as empresas interagem com os consumidores, criam estratégias e tomam decisões e a utilização crescente e massiva de ferramentas de IA coloca na ordem do dia questões relevantes sobre o futuro, não apenas relativas ao valor a aportar a cada consumidor, mas muito também sobre o modo como os profissionais do marketing e comunicação passarão a utilizá-las.
Será a utilização massiva da IA uma ameaça ou uma revolução que nos desafiará e nos fará evoluir?
(R)EVOLUÇÃO
Análise de dados complexos
A capacidade das máquinas de imitar os diferentes processos cognitivos humanos, como aprendizagem, raciocínio e resolução de problemas no marketing, tem vindo a ser cada vez mais utilizada como ferramenta indispensável à recolha, análise e interpretação de um grande volume de dados, permitindo às empresas a extracção de insights valiosos sobre clientes, concorrentes e tendências do mercado que, de outro modo, não eram viáveis.
A IA tem, na verdade, uma capacidade, impossível de ser igualável ou alcançada por nós, de processar enormes volumes de informação e identificar padrões. Esta habilidade traduz-se num conhecimento e visão de mercado mais precisos, permitindo previsões de tendências confiáveis, tomada de decisões conscientes e em tempo real e respectivo ajuste de estratégias de actuação.
Automação e segmentação
Da mesma forma, aos poucos, as rotinas respectivas e demoradas têm vindo a ser substituídas pela automação impulsionada pela IA e, no marketing digital, o seu uso revela-se essencial na gestão de campanhas, agendamento de posts em redes sociais, envio de emails marketing segmentados e análise de métricas. Tudo isto liberta os profissionais de marketing para actividades criativas e estratégicas de maior valor, da mesma forma que simplifica e agiliza os processos.
Personalização e optimização de campanhas
A personalização, por exemplo, é uma das áreas mais impactadas pela utilização da inteligência artificial, ou melhor dito, talvez apenas viável devido a esta. Com a capacidade de analisar os dados de comportamento e preferências dos consumidores, a IA torna-se essencial para criar mensagens altamente relevantes e dirigidas, permitindo, do mesmo modo, a concepção de campanhas direccionadas, que se relacionam especificamente com o público-alvo, o que se traduz em maior eficiência das mesmas.
Acompanhamento permanente
Além disto, a experiência do cliente está também a ser redefinida e equacionada pela introdução crescente de chatbots e assistentes virtuais ao longo das diferentes jornadas, permitindo um atendimento e acompanhamento instantâneo 24/7.
A utilização da inteligência artificial está a transformar a forma como cada empresa comunica com os consumidores, optimiza processos e desenvolve estratégias. À medida que a tecnologia continua a evoluir, é essencial que nós, profissionais de marketing, estejamos dispostos a aprender e a nos adaptar, porque a IA não é apenas uma ferramenta, mas sim um catalisador que impulsiona a inovação e a eficiência. Com uma abordagem ética e uma compreensão profunda das suas capacidades, podemos posicionar-nos para aproveitar ao máximo esta revolução tecnológica e criar um impacto significativo no mercado.
O uso da IA no marketing não nos torna profissionais obsoletos, mas exige, sim, uma redefinição do nosso papel. A criatividade e estratégia continuam a ser vitais, mas agora enriquecidas pela capacidade de interpretar dados complexos e aplicar insights accionáveis. Estamos mais orientados por dados, podemos tomar decisões baseadas em evidências e adaptar assim as nossas estratégias de acordo com os resultados pretendidos.
INTERJEIÇÃO
Contudo, apesar dos aparentes claros benefícios, surgem os inerentes e não tão simples desafios, potenciados hoje pela massificação do uso da IA, ou seja, esta tornou-se fácil de usar, apetecível e até mesmo tentadora. E aqui (ai), as questões multiplicam-se…
Privacidade
Desde logo, a privacidade dos dados dos consumidores é uma preocupação inerente. A recolha e a análise de informações pessoais para personalização levantam questões éticas sobre o uso adequado e transparente desses dados e temos de encontrar um equilíbrio entre a personalização e a privacidade, já que a recolha excessiva de dados ou o seu uso inadequado podem prejudicar a confiança do consumidor.
Dependência tecnológica
Mas o uso fácil da inteligência artificial leva-nos a um outro patamar de equações. Será que a dependência excessiva desta multiplicidade de ferramentas, hoje ao dispor de todos e rápidas e simples de utilizar, nos conduzirá a um facilitismo capaz de induzir no futuro a uma negligência de criatividade e pensamento crítico, tendo como resultado campanhas genéricas e menos autênticas? Ou, muito pelo contrário, conduzir-nos-á a um desenvolvimento do pensamento disruptivo, capaz de desafiar o trivial, “artificialmente” produzido, e acrescentar valor?
Alteração da tipologia das profissões
Há preocupações de que a automação impulsionada pela IA possa resultar na redução de empregos em algumas funções de marketing e agências de publicidade e muito se tem nos últimos tempos falado sobre esta temática.
Tal como o surgimento da internet provocou uma revolução no desempenho de muitas actividades, parece-me inevitável uma futura alteração da tipologia das actividades associadas ao marketing e comunicação. Não uma redução, mas sim uma alteração que passará pela extinção de algumas funções, exigindo requalificação de diferentes profissionais, mas também criação de novas áreas, novas funções, permitindo-nos evoluir nessas áreas.
O que me parece fundamental é não esquecermos que sobre o retorno da IA, ou seja, as vantagens que nos proporcionará, teremos de aprender a acrescentar valor e a evoluir. Como o vamos fazer será a interrogação, mas o caminho é de construção, como sempre o temos feito e não de embrutecimento ou abandono.
Algo tão simples como a diferença entre o modo como, até há bem pouco, fazíamos uma pesquisa nos diferentes browsers e hoje, quando utilizamos ferramentas de IA, colocamos as questões que já exigem praticamente um briefing bem dirigido para que o resultado seja proficiente, é um exemplo simples, mas que retrata o percurso evolutivo que já estamos a traçar.
Curva de aprendizagem
Teremos todos de aprender. Até a IA. E quanto mais investirmos no nosso próprio desenvolvimento e na nossa evolução, maior será também a capacidade da inteligência artificial de crescer e proporcionar-nos mais valias.
São já muitas hoje as ferramentas ao dispor, desde a simples geração de conteúdos, a escrita, imagem, etc., mas sabemos que há uma enorme curva de aprendizagem a percorrer e é necessário que, após o que é gerado pelas diferentes ferramentas de IA, haja capacidade crítica para avaliar a sua veracidade e adequabilidade, não apenas em termos factuais, mas muito em matéria cultural e emocional.
Tudo levará o seu tempo e seguramente este boom exponencial ao qual estamos a assistir continuará por ora a crescer, para diminuir depois e estabilizar por fim. E aqui, neste tempo então, registar-se-á a verdadeira convivência humana e artificial, a qual, como optimista que sou, acredito que constituirá mais um passo no caminho da nossa evolução.
Seguramente que, como em todas as áreas, as ferramentas de inteligência artificial continuarão a desafiar e revolucionar o marketing, trazendo uma combinação de vantagens e desafios. A automação de tarefas rotineiras, a personalização aprimorada e a optimização de campanhas são benefícios notáveis. No entanto, é crucial equilibrar o uso da IA com a criatividade humana, garantindo a ética no uso dos dados e mantendo uma compreensão profunda das necessidades e desejos dos consumidores.
Acredito que os profissionais de marketing e as agências de publicidade que abracem a IA de maneira estratégica e ética terão uma oportunidade de elevar as suas estratégias e obter um novo patamar de resultados, preservando sempre a autenticidade, a criatividade e o valor humano.
Este artigo faz parte do Caderno Especial “Seguros”, publicado na edição de Agosto (n.º 325) da Marketeer.