
Debate: Literacia e incentivos são fundamentais para crescer
Texto de Maria João Lima
Foto de Paulo Alexandrino
Houve uma época, há não muito tempo, em que a sustentabilidade se tornou moda. Ou seja, todas as empresas andaram a tentar arranjar formas de fazer algo que se enquadrasse em sustentabilidade. Depois, numa segunda fase, percebeu-se que estavam todos a fazer e a falar do mesmo. Mas isso não quer dizer que tenha havido um desapaixonar da sustentabilidade.
Em bom rigor, o que tem vindo a acontecer é que as empresas têm começado a olhar para o core do seu negócio e a perceber, a partir daí, como é que podem trabalhar a sustentabilidade – em vez de andarem a falar em reciclagem. Talvez tenha menos visibilidade este trabalho, mas tem mais a ver com aquilo que elas são.
No debate periódico do sector de seguros escuta-se que a estratégia passou a existir onde antes havia actos isolados ou iniciativas um pouco aleatórias. «Hoje, todos temos dentro das companhias estratégias de sustentabilidade com acções mais incisivas e menos publicitadas, ou com expressão para fora.» Um caminho necessário até para se distanciarem do greenwashing que outras empresas fizeram.
Presentes no pequeno-almoço, que se realizou no Hotel Vila Galé Ópera, estiveram Afonso Barata (Mudum Seguros), Ana Sereno (Allianz), Fernanda Owczarek (MDS Seguros), Inês Simões (Ageas), José Villa de Freitas (Fidelidade), Raquel Almeida (CA Vida), Rita Leotte (Mudum Seguros) e Sofia Mendes (Verlingue).
Aliás, entre os presentes há quem tenha matrizes internas de construção de ofertas para clientes de maneira a que respondam a vários desafios de sustentabilidade. Por exemplo, num seguro casa vão olhar para o mercado da habitação e perceber quais os temas de sustentabilidade que há, sejam de carácter social ou de alterações climáticas. A partir daí, caracterizam o produto em função de responder ou não a desafios, tentando fazer a evolução do mesmo para responder o mais possível. Claro que há uma análise custo/benefício sobre até onde justifica o benefício face ao custo. Isto é tudo feito internamente, não sendo objectivo ser divulgado. Ou seja, toda a análise de risco existe e está a ser trabalhada, mas tem menos visibilidade porque é uma parte técnica interna.
Por outro lado, para os mediadores e para as empresas com as quais trabalham, as seguradoras estão a alertar para estes temas. «É um caminho que está a ser feito com menos visibilidade para fora, porque a parte mais difícil é tornar tangível isto de que se está a falar. A preocupação existe, mas não é fácil transformar isso em coisas tangíveis de produto», explica-se entre os participantes na conversa.
O que continua a ser muito visível para fora, enquanto sector, é pegar em temas que estão dentro da sustentabilidade – como a literacia, a poupança, a diversidade, equidade e inclusão – e fazer o caminho de dinamizar espaços onde esses temas (que estão dentro do core das seguradoras) são discutidos. Ainda que não sejam publicidade directa, dão palco às empresas seguradoras. E como a sustentabilidade se tornou numa buzzword e um chapéu muito grande, à mesa defende-se que se pode falar de literacia ou de poupança sem se falar, obrigatoriamente, de sustentabilidade.
São várias as empresas sentadas à mesa que têm procurado fazer esse trabalho de levar a literacia financeira e de seguros para o mercado. «Aproveitando as alterações climáticas e as grandes catástrofes, temos falado em outros ramos de seguros que não são tão discutidos habitualmente, como os seguros para médicos, a prevenção do risco…» Tem havido uma aposta em levar esse conhecimento para o mercado, nomeadamente com especialistas a falar nos media sob a óptica da prevenção. Outra voz junta-se, assegurando que é aí que as seguradoras acrescentam valor. A mudança de mentalidades demora tempo e tem de se repetir muitas vezes para as pessoas interiorizarem.
E sob o tema das alterações climáticas, importa ainda salientar que não está fora do radar destas empresas e dos grupos a que pertencem a nível global, quer ao nível dos investimentos, quer ao nível dos seus posicionamentos. Aliás, é um dos pilares estratégicos de desenvolvimento para os próximos anos. Mas transpondo para a realidade de Portugal, muitas vezes deparam-se com a incapacidade de agir individualmente. «Poderá haver algumas iniciativas, mas individualmente depende muito da dimensão de cada empresa. Como o mercado é pequeno, é difícil concretizar algo que tenha mais expressão.»
Certo é que, seja por via da legislação ou de exigências dos clientes, todos os players serão pressionados, cada vez mais, para cumprir determinados parâmetros ESG. «A CSRD (Corporate Sustainability Reporting Directive) pode vir a pressionar, além das cotadas em bolsa (que não têm outra hipótese), também as restantes empresas», escuta-se. E isso pode voltar a fazer as empresas “reapaixonarem-se” pela sustentabilidade, uma vez que as coimas associadas ao não cumprimento são expressivas. Em algumas das seguradoras sentadas à mesa, 2025 será um ano piloto para conseguirem perceber como é que vão conseguir entregar a informação exigida pela directiva para que, em 2026, seja, então, adoptada e cumprida.
Ou seja, enquanto os EUA e a China discutem vantagens na IA, chips e tecnologias, na Europa a vantagem competitiva que se apresenta é relativa à regulação, inclusão e superioridade moral. «Os outros fazem, continuam a avançar, nós continuamos a perder terreno em relação àquilo que vai fazer mudar a produtividade e o investimento.»
COMO CRESCER EM 2025?
Segundo a terceira edição do “Barómetro Seguro de Vida e de Saúde”, da empresa de consultoria, corretagem e soluções WTW, cerca de 4 milhões de pessoas têm seguro de saúde em Portugal. Ainda está longe dos cerca de 10 milhões de habitantes, mas é um número substancialmente mais expressivo do que era num passado recente.
À mesa do pequeno-almoço acredita-se que com uma notoriedade acima dos 80%, neste momento só não tem seguro de saúde quem não puder ter, não sendo necessário convencer quem quer que seja. «Até já há uma percepção bem melhor do que são as coberturas de seguro de saúde ou dos planos de saúde», sublinham, não restando dúvidas de que o seguro de saúde joga na liga das principais prioridades dos portugueses. Resta saber qual o rendimento disponível que as famílias terão e que determinará se os seguros de saúde ainda vão crescer.
Há que não esquecer – salienta uma voz – que 30% dos gastos nos hospitais privados estão a ser pagos directamente do bolso das famílias. Ou seja, pessoas que não têm seguros e uma oportunidade para crescer nestes produtos.
Outra aposta das seguradoras poderá ser a oferta de produtos de seguro de saúde mais acessíveis, isto é, produtos light, com um nível de coberturas diferente. «Não é a situação ideal ao nível de protecção, mas já é alguma.» Também a maior aposta na tecnologia e na digitalização ajudará ao fomento da telemedicina, por exemplo, que ajuda à redução de custos. E entre os convivas lembra-se que a questão da telemedicina – que ainda não é amplamente abraçada por uma questão de iliteracia – passa por fazer as pessoas perceber que quem está do outro lado do ecrã são, de facto, médicos. «Em muitas situações o que é feito presencialmente é o mesmo do que é feito pela telemedicina. Em outros casos não e, por isso, têm de ser presenciais. Mas é necessário que as pessoas entendam isso.»
Entre os participantes há também quem lembre a ineficiência entre o privado e o público, com duplicações de custos (nomeadamente exames que são feitas duas e três vezes por não haver comunicação). «Se não se arranjar forma de reduzir estas ineficiências, dificilmente os seguros não vão continuar a aumentar preços para cobrir os riscos.» Um aumento que – derivado do aumento da frequência, da demografia do País e da subida de preço dos prestadores e serviço – veio colocar um travão no crescimento das pessoas com seguro de saúde.
Outra área que as seguradoras identificam como tendo potencial de crescimento, mas que não se está a verificar na prática, é a financeira. E acreditam tratar-se, uma vez mais, de um problema de literacia, de conhecimento e de notoriedade, já que as seguradoras lançaram instrumentos financeiros que permitem ser alternativas aos depósitos a prazo. Aliás, no início do ano, a presidente da ASF, Margarida Corrêa de Aguiar, defendeu que os PPR perderam o seu ADN sem terem um substituto. E entre os participantes no pequeno-almoço comenta- se que não se percebe o tempo que se demora a corrigir algo que só pode ajudar as pessoas no futuro. «A sustentabilidade da Segurança Social está em causa. As pessoas têm de se defender.» É importante que percebam do que é que vão viver e como é que esses rendimentos podem ser prevenidos.
Recordando que as pessoas delapidaram os seus PPR com as medidas implementadas desde a pandemia, lamenta-se que se tenha deitado fora «o esforço que os portugueses fizeram ao longo de muitos anos». E a partir do momento em que as pessoas perdem o hábito de poupança, recuperá-lo é muito mais difícil. Um dos caminhos poderá ser pela introdução de medidas que incentivem essa poupança. Há que não esquecer que continua a haver dinheiro para festivais, mas não há a preocupação de reservar um montante para a poupança.
O desabafo surge: «Por muito bons produtos que se possam vir a colocar no mercado – e no último ano até houve porque as rentabilidades assim o permitiram –, o nível de poupança não é tão elevado como seria expectável.» Um problema que, não se cansam de repetir, se resolve com literacia. Mas o primeiro passo tem de passar por medidas concretas de incentivo à poupança, porque isso é que vai ajudar e mostrar às pessoas que vale a pena. «As pessoas têm de ver o benefício imediato.»
É um pouco o que acontece com os seguros de vida. Porque é que as pessoas não contratam um seguro de vida?, questionam. «Porque na maior parte das vezes não vêem o benefício imediato. Há os “ses”, mas estão lá muito à frente. Não temos a cultura de prevenção. Tem de haver incentivos e estímulos para que as pessoas façam essa prevenção.»
Nos PPR continua a haver benefícios (ainda que não sejam os mesmos) e por isso as pessoas ainda correm um bocadinho no final do ano para fazer as suas entregas, apesar de não ser com o mesmo volume que existiu no passado. O sector acredita que o Estado poderia e deveria fazer mais e melhor para promover a poupança. «O nível de poupança é actualmente tão baixo, que basta começar a haver um pouco de incentivos que há um espaço interessantíssimo para crescer.»
No entanto, há quem duvide da eficácia dos estímulos, já que numas alturas existem, depois são retirados, depois voltam a existir. Desta forma as pessoas deixam de confiar.
Um caminho que poderá ser abraçado por empresas de diversos sectores, como foi o dos seguros de saúde, é o dos fundos de pensões. Com este mecanismo, todos os meses o colaborador coloca uma percentagem do rendimento e a empresa duplica essa percentagem. «Esse pode ser um caminho e uma responsabilidade partilhada por empresas e colaboradores.»
À CONQUISTA DE NOVOS CLIENTES?
A realidade é inegável. Cerca de 20% da população activa em Portugal são não portugueses. Mas isso não está a fazer alterar – pelo menos para já – as estratégias de comunicação e marketing das seguradoras presentes em Portugal. Em bom rigor, grande parte dessa população fala português, isto é, todos os que são originários dos PALOP e do Brasil. Em menor número há os que estão integrados e procuram aprender português. Para todos estes não há necessidade de grandes esforços de comunicar de forma diferente, porque são falantes de português.
Os restantes e mais recentes no país não estão debaixo dos holofotes das empresas seguradoras, ainda que haja um esforço por parte dos mediadores para os trabalhar. «Há segmentação a fazer. Os americanos são um público, os brasileiros outro, os franceses outro e os indianos/nepaleses outro. O caminho passará por ter áreas específicas para tratar estas comunidades, com pessoas que falem nativamente essas línguas.»
A verdade é que começam a surgir pedidos para segurar o quarto – e não a casa, uma vez que é partilhada – e há que analisar o risco. «As pessoas não deixam de ter a preocupação dos bens. São desafios para os quais temos de olhar», assume-se.
Este artigo faz parte do Caderno Especial “Seguros”, publicado na edição de Fevereiro (n.º 343) da Marketeer.