Debate: É preciso valorizar o Turismo
Depois de ter registado em 2022 o melhor ano de sempre, o sector do Turismo entrou em 2023 com o pé direito. Segundo o Instituto Nacional de Estatística (INE), em Janeiro as receitas dos alojamentos duplicaram, em termos homólogos, para 212 milhões de euros. Com efeito, o sector mantém-se como um dos principais motores da economia nacional, tendo tido um peso de 8% sobre o PIB português em 2021 (ainda abaixo dos 11,8%, em 2019), de acordo com as estimativas do INE.
Apesar de tudo, ainda persiste a ideia, em certos quadrantes da sociedade e da política, que Portugal precisa de mudar de uma economia baseada em Turismo para uma economia de maior valor acrescentado, porque ainda há «o estigma de que os ordenados são baixos». Os responsáveis do sector que estiveram presentes no mais recente almoço-debate dedicado ao Turismo, organizado pela Marketeer, refutam esta ideia. «O Turismo em Portugal é forte porque, sendo um segmento económico que é global, temos vantagens comparativas naturais em relação a outros destinos e temos trabalhado para que essas vantagens comparativas sejam visíveis em termos de mercado. O problema não é o Turismo ser forte, mas os outros sectores não o serem!», argumentam os participantes, apesar de reconhecerem que «uma monocultura da economia nunca é positiva».
Nesse sentido, e aproveitando uma expressão utilizada por Luís Araújo, presidente do Turismo de Portugal, na XXIV Conferência Executive Digest (também detida pelo Multipublicações Media Group), defendem a necessidade de “desacantonar” o sector do Turismo, para que o País possa aproveitar todas as oportunidades que este sector oferece. Mas o que significa este “descantonamento”? Significa acabar com «este constante “mandar abaixo” que faz com que o Turismo seja pouco valorizado», passando para um discurso que «puxa o sector para cima e que valoriza as profissões turísticas».
Este é um trabalho que deve ser partilhado pelas empresas do sector do Turismo, pelos media, pela sociedade civil, mas também pela classe política, que muito tem contribuído para o “acantonamento” do sector nos últimos anos, como se vê pela regulamentação do Alojamento Local ou o debate mediático sobre o impacto do Turismo nos centros históricos. O paradigma tem que mudar, porque a verdade é que «o Turismo é o primeiro sector a acrescentar valor à marca Portugal e alavanca um conjunto de outros sectores», reiteram.
Andrea Granja (Tivoli Hotels & Resorts), Álvaro Covões (Everything is New), Carlos Bessa (Turismo do Porto e Norte de Portugal), Catarina Figueiredo (Pestana Hotel Group), Catarina Pádua (Vila Galé), Filipe Bonina (Discovery Hotel Management), Francisco Paixão (Turkish Airlines), João Machado (Pestana Hotel Group), José Theotónio (Pestana Hotel Group), Lídia Monteiro (Turismo de Portugal), Margarida Blattmann (Wamos), Paulo Monge (SANA Hotels) e Pedro Ribeiro (Dom Pedro Hotels & Golf Collection) foram os participantes no mais recente debate do sector do Turismo promovido pela Marketeer, que decorreu no Hotel Pestana Palace, em Lisboa.
A MUDANÇA DE MIX E A OPORTUNIDADE DA IA
2022 foi um ano que contrariou positivamente várias perspectivas, em reservas e resultados. O mercado voltou, mas voltou de forma diferente, com um peso maior ao nível do comércio electrónico e da distribuição turística, e com o negócio a ser mais tecnológico que nunca, o que tem impactado a forma como as empresas têm que se organizar para chegar ao mercado.
O destino Madeira, por exemplo, foi um dos que mais sentiu esta mudança, tendo a entrada da Ryanair reforçado o número de voos, obrigado a que o preço baixasse – com uma “invasão de portugueses” – e levado a que a tour operação, que representava cerca de 50%, passasse a ter um peso inferior a 20%. Não só cresceu em quantidade como em valor.
Outra mudança visível o ano passado foi o aumento dos preços de dormidas, com alguns dos presentes a considerarem que mais importante ainda foi a mudança de mix. No continente, e em particular no Algarve, o aumento directo ficou acima dos 20-25%, sendo esta uma tendência que se continua a verificar com um aumento do preço médio, nestes primeiros meses de 2023, de 15% (em cima do ano passado).
Analisando o RevPar dos dois primeiros meses deste ano face aos dois primeiros meses de 2019, sobressai uma subida de 35%. A ter em conta, ainda, que o share de clientes/turistas portugueses se mantém, sendo que em zonas como a Madeira, este indicador não só se manteve como cresceu. Além de que, até à data, as reservas para o Verão são animadoras, adiantam. «2023 está com um nível de procura que não esperávamos, com as reservas a serem feitas com antecipação e para destinos caros como as Maldivas», referem. Nota-se, ainda, a procura por novos destinos, mesmo que não sejam baratos – sendo um deles o Japão.
No que diz respeito às novas tecnologias – nomeadamente de IA –, o que todos os presentes consideram é que ainda é prematuro fazer uma análise ao seu impacto no sector, apesar de algumas plataformas (como o ChatGPT) já serem utilizadas em determinados momentos do negócio. As reservas, e os automatismos de resposta nos sites, são um dos casos já existentes e onde se poderá notar uma maior evolução no curto prazo. «A evolução poderá ser no tratamento da informação. Nós temos muita informação e estas ferramentas vão acelerar a forma como é tratada e analisada», comenta-se.
Em paralelo, a IA já tem o seu espaço, hoje, ao nível de interim management, assim como na gestão do cliente. O que também não têm dúvidas muitos dos responsáveis é que players tecnológicos – como Booking.com ou Expedia – serão os primeiros a escalar estas tecnologias, de forma quase impossível de acompanhar por parte das cadeias hoteleiras. «Temos que tentar antecipar recolhendo o maior número de dados dos clientes possível», dizem, apesar de saberem que isso implicará uma maior “invasão” de privacidade desses mesmos clientes.
Será, por isso, fundamental um balanço entre o que é aceite, o que é considerado uma mais-valia em termos de serviço, e o que não é pretendido de todo. Porque de uma coisa têm a certeza: é que a IA veio para ficar e irá, a prazo, substituir um sem-número de processos. «O Turismo já está refém das plataformas », admitem.
VALORIZAR AS PROFISSÕES DO TURISMO
De acordo com os responsáveis, esta ideia instalada de que o Turismo é um sector de baixo valor acrescentado tem tido repercussões directas no mercado de trabalho e na capacidade que as empresas têm em atrair talentos, porque actualmente o sector é visto como sendo direccionado para pessoas com poucas qualificações, que paga mal e não dá oportunidades de progressão, quando é «exactamente o contrário». Não só pela formação constante que as empresas dão, mas porque empregam cada vez mais perfis analíticos, de áreas como Data Science e Tecnologias de Informação.
Além disso, a ideia de que o ordenado médio do Turismo é muito mais baixo do que a média da economia é «uma falácia», porque aqui mistura-se os salários das empresas que estão estruturadas no mercado e têm actividade há muitos anos com os ordenados de milhares de microempresas que pagam salários mínimos. «Esta tendência de juntar tudo no mesmo saco dá legitimidade a esse discurso», criticam. Pelo contrário, os salários médios têm subido no sector e acompanhado a subida dos preços, além de que muitas empresas distribuem prémios e dividendos pelos seus colaboradores, entre outros benefícios.
«É preciso valorizar as profissões turísticas», voltam a referir os participantes, lembrando que o sector abrange um espectro muito diverso de profissões, desde a restauração (e a profissão de chef é hoje das mais valorizadas) à hotelaria, passando pelas actividades de animação turística e pela tecnologia. Este é um desafio que deve começar por um trabalho junto das instituições de ensino, onde é preciso mostrar que o «Turismo é muito mais do que aquilo que as pessoas pensam. É muito mais do que o serviço, do que fazer camas ou servir à mesa. O Turismo é hoje uma área altamente tecnológica e isso é muito aliciante para as novas gerações», salientam. «As empresas de Turismo são das que mais vendem online em Portugal, das que mais investem em marketing digital… há uma série de indicadores que o transformam num sector de referência numa série de áreas», reiteram.
O IMPACTO DAS TAXAS MUNICIPAIS
Outro dos temas colocados em cima da mesa foi o da Taxa Municipal Turística, que tem sido adoptada por cada vez mais municípios, sendo o mais recente o de Coimbra, onde, desde o início de Abril, o valor da taxa implementada é de um euro por pessoa/dormida, até um máximo de três noites seguidas. Mas que impacto é que este tipo de medidas tem para o sector?
À volta da mesa, o consenso é que a taxa turística «pode ser positiva», desde que seja utilizada numa óptica de sustentabilidade, de compensar a pegada do sector. «O princípio de uma taxa turística é o de ajudar o Turismo a ter menos impacto socialmente. Para que o turista tenha um compromisso com o local que visita para ajudar a que esse local tenha melhores condições, em geral. Não é para ser utilizada para gerar mais negócio no Turismo», defendem.
Nesse sentido, é importante garantir que as verbas decorrentes da Taxa Municipal Turística são aplicadas na renovação de património urbano e que esse valor não é incluído no orçamento global das Câmaras, porque «se é verdade que o Turismo tem uma pegada e obriga a investimento público para os picos de turistas que vêm, não é menos verdade que o sector já paga impostos», seja através da actividade normal das empresas, seja pelo facto de os turistas estrangeiros também pagarem IVA em Portugal, lembram.
Os responsáveis dão inclusive como exemplo a Taxa Municipal Turística de Lisboa, que foi implementada em 2016 e, desde então, tem revertido para o Fundo de Desenvolvimento Turístico da cidade, tendo já contribuído para terminar o Museu da Ajuda ou o Arco da Rua Augusta. «O caso de Lisboa é um bom exemplo porque [a taxa] não foi aplicada na promoção de Lisboa como destino turístico, mas na renovação de património da cidade, que por sua vez ajuda o Turismo. Há um equilíbrio positivo», sustentam.
Neste momento, o tema está também a ser debatido na região do Algarve, onde, por enquanto, a Taxa Municipal Turística apenas existe em Faro e Vila Real de Santo António.
Este artigo faz parte do Caderno Especial “Turismo”, publicado na edição de Maio (n.º 322) da Marketeer.