Américo Vizer, diretor criativo da LLYC: “A IA é uma extensão da criatividade, não uma substituição”
Na batalha entre máquinas e humanos, quem ganha? As discussões sobre a inteligência artificial (IA) adensam-se e este ano tornaram-se mesmo centrais no que diz respeito tendências de mercado previstas para 2025. Em quase todas, a IA é incontornável.
Na publicidade e no marketing, esta presença também é notável. Cada vez mais as campanhas envolvem inteligência artificial no produto que chega depois ao público. O novo anúncio da Nike com Travis Scott, por exemplo, envolve mais de cinco mil imagens geradas por IA.
Mas até que ponto a pode mudar? Será mesmo capaz de substituir a criatividade humana?
Para responder a algumas destas questões, a Marketeer falou com Américo Vizer, diretor sénior criativo da LLYC Brasil e diretor criativo da LLYC Portugal.
1. De que forma a IA pode ser uma ferramenta útil na publicidade?
As IAs têm-se mostrado uma grande ajuda durante o processo criativo, aumentando a velocidade de criação e ampliando as possibilidades de execução de uma ideia. Sinto muito isso com a equipa no dia a dia. Desde um recorte e fusão de imagem no Photoshop, que antes demorava uma hora a ser feito e hoje é possível fazer em dez minutos ou menos, à na forma de tangibilizar a criação para aprovação de uma ideia, seja como referência ou storyboard para a produção de um filme.
Tudo o que ajuda a vender uma ideia ou campanha, a área criativa acaba por usar. E não é de hoje. Para aprovar um manifesto, por exemplo, antes escrevíamos apenas o texto da locução. Com o tempo, as agências começaram a gravar uma locução guia, a montar um filme monstro, um storyboard, um moodboard, um gif ou um animatic. O que antes levava uma semana a ser feito, hoje, com as IAs, faz-se num dia.
Para mim, as IAs são uma ajuda importante para entregar algo mais palpável a clientes e consumidores, dentro daquilo que foi criado.
2. Esta não retirará a “alma” da publicidade que só nós humanos podemos dar?
Ela irá tirar a “alma” da publicidade se permitirmos. O que quero dizer é que, se pedirmos a uma IA que faça algo muito automático e sem um propósito claro ou emocional, o resultado será frio, sem emoção e não fará diferença na vida de ninguém.
Mas, se usarmos uma ferramenta de IA para transmitir uma emoção, uma sensação, uma conexão que antes não era possível, a “alma” da publicidade, da comunicação, continuará presente como algo “real”. Porque a intenção e o propósito mantêm-se humanos. O que muda é apenas o meio de alcançar isso.
É como escrever uma carta com uma mensagem sincera. Podemos enviar essa mensagem por e-mail, que chega mais rápido, ou via WhatsApp, acompanhado de um sticker. A “alma” e o propósito do conteúdo permanecem, o que muda é o meio.
3. Concorda com a ideia de que a criatividade e a inovação são insubstituíveis?
Concordo que são insubstituíveis. A criatividade é o que move o mundo para a frente. É a insatisfação com o comum, o normal, o igual, que desperta as ideias necessárias para que possamos avançar, tornar-nos mais práticos, divertir-nos mais ou experimentar mais emoções.
No final do dia, o que colocamos numa IA são os nossos desejos, vontades, insatisfações e a vontade de fazer algo diferente. A criatividade é o verdadeiro prompt para o mundo seguir em frente.
4. Qual é a sua visão sobre a utilização desta ferramenta num trabalho que requer tanta criatividade?
As ferramentas de IA são uma extensão da criatividade, não uma substituição. Se deixarmos tudo para uma IA fazer, não vai resultar. Qualquer IA é o reflexo do que se coloca nela. Se não a alimentarmos com coisas novas, com criatividade, com uma nova perspectiva, ela também não nos devolverá isso.
Se delegarmos tudo à IA, nem nós nem ela estaremos a dar o nosso melhor. O papel das pessoas na relação com uma IA é desafiá-la e orientá-la para entregar aquilo que a nossa criatividade precisa para se materializar. Usar uma IA não significa deixar de pensar ou de ser criativo. Pelo contrário, exige mais criatividade para não nos tornarmos semelhantes a uma IA que só entrega resultados baseados num mesmo prompt ou conteúdo.
5. Poderá, no futuro, a IA “ganhar” aos humanos nesta área?
Não vejo isto como uma competição entre humanos e máquinas. Vejo as IAs como um complemento ao trabalho criativo, um impulsionador, não uma substituição. Portanto, não vejo as IAs a “ganhar”, mas sim a acelerar processos ou a oferecer novas formas de mostrar criatividade ao mundo.
Fazendo uma analogia com a música, a música eletrónica, os sintetizadores, os programas e as IAs de tratamento de áudio não surgiram para substituir os artistas. Vieram para acelerar a produção, melhorar a qualidade ou disponibilizar novos “instrumentos musicais”. Mas é a emoção, a alma, o lado humano na criação de uma letra, melodia ou ritmo que torna uma música inesquecível.
Se olharmos para a lista da Billboard, todos os artistas utilizam algumas dessas tecnologias presentes na música. Ainda assim, o trabalho final deles não é inferior. Pelo contrário. O que não podemos é querer copiar o estilo de um artista e recriar algo como se fosse dele. Primeiro, porque é totalmente errado. Segundo, porque isso não é criatividade; é apenas imitação do trabalho de outra pessoa.