Aluguer de vestuário: alternativa sustentável ou falha ecológica oculta?
A ideia de alugar roupa em vez de a comprar está a convencer cada vez mais consumidores, especialmente porque a indústria da moda continua a ser amplamente responsabilizada por grandes emissões de CO2. Com efeito, com um crescimento anual de 10%, o mercado do aluguer de roupa parece responder a uma necessidade de compromisso mais responsável, nomeadamente para limitar a pegada ecológica ligada à fast fashion. Mas será que esta abordagem é realmente benéfica para o planeta? A resposta é mais complexa do que parece.
Uma solução que promete, mas que não é isenta de limitações
A indústria da moda é uma das mais poluentes do mundo e é neste contexto que surgiram os serviços de aluguer de roupa, que prometem uma alternativa mais sustentável. Em vez de comprarem roupa, os consumidores podem agora alugá-la por um período limitado, devolvendo-a após a sua utilização para obterem uma nova. Plataformas como a Coucou popularizaram esta prática, atraindo consumidores que querem vestir-se de forma elegante e, ao mesmo tempo, reduzir a sua pegada de carbono.
No entanto, um estudo realizado conjuntamente pela escola de gestão francesa EDHEC e pela universidade belga UCL Louvain revela um fenómeno surpreendente: o aluguer de roupa pode, em certos casos, não reduzir a pegada ecológica, ou mesmo piorá-la.
O efeito de ricochete: aumento do consumo
O “efeito de ricochete” é um conceito económico que descreve uma situação em que os ganhos ambientais esperados de uma solução, como o aluguer de roupa, são compensados por comportamentos compensatórios. Este estudo, baseado em investigação qualitativa e quantitativa, revela que o aluguer de roupa pode, por vezes, incentivar o consumo acelerado em vez de o reduzir. O facto de se poder alugar roupa de forma fácil, barata e com uma grande variedade, incentiva alguns consumidores a multiplicar os seus alugueres, ou mesmo a comprar impulsivamente a roupa que alugam.
Além disso, alguns indivíduos que poupam dinheiro com o aluguer utilizam essas poupanças para comprar outros bens, como eletrónica ou equipamento doméstico, o que aumenta a sua pegada ecológica.
Efeitos diferentes consoante os grupos de consumidores
O estudo concluiu que o efeito de ricochete não é homogéneo e varia consoante os grupos de consumidores. Entre os utilizadores de serviços de aluguer de vestuário, há dois grupos em particular que têm maior probabilidade de apresentar efeitos de ricochete negativos. O primeiro grupo, os “que procuram estímulo e prazer”, composto principalmente por homens, procuram novidade e diversidade. Para eles, o aluguer estimula o desejo de renovar constantemente o seu guarda-roupa, o que pode aumentar o seu consumo.
O segundo grupo, os “jovens apáticos urbanos”, embora não particularmente motivados pela procura de prazer, tendem a aumentar as suas compras noutras categorias após o aluguer de roupa. Este grupo, constituído principalmente por homens jovens urbanos, muitas vezes solteiros e instruídos, representa cerca de 18% dos utilizadores e é particularmente propenso a efeitos de ricochete indirectos.
Um mercado em crescimento mas ecologicamente complexo
O mercado de aluguer de vestuário tem registado um crescimento impressionante e foi estimado em 1,77 mil milhões de dólares até 2024. Prevê-se agora que atinja 2,47 mil milhões de dólares em 2029, com uma taxa de crescimento de quase 7% durante este período, de acordo com o relatório da Mordor Intelligence. Empresas como Rent the Runway, Gwynnie Bee ou Tuileries dominam este sector, mas muitas novas empresas estão a entrar no mercado para responder à crescente procura. Estes serviços oferecem subscrições mensais ou anuais, permitindo aos consumidores aceder a uma vasta gama de vestuário.
No entanto, mais uma vez, é importante notar que este crescimento do mercado não garante que o aluguer de vestuário seja efetivamente mais amigo do ambiente. Se utilizado incorretamente, pode tornar-se um simples meio de consumir mais sem ter em conta as verdadeiras questões ambientais.
Como maximizar os benefícios ecológicos?
O estudo mostra que, embora o aluguer de vestuário possa ter benefícios ambientais, também pode incentivar comportamentos contraproducentes. Para maximizar o seu potencial ambiental, as empresas precisam de repensar as suas estratégias. Em vez de promoverem apenas os benefícios hedonistas do aluguer (como a variedade e a novidade), poderiam concentrar-se nos verdadeiros benefícios ambientais e incentivar práticas de consumo mais sustentáveis.
As plataformas devem também incentivar o aluguer a longo prazo de produtos de design ecológico de marcas que partilhem valores ecológicos. Limitar o número de peças alugadas por utilizador e reduzir a frequência das trocas também podem ser alavancas eficazes.
Rumo a uma moda mais responsável
Para atingir este objetivo, é necessário que as empresas e os consumidores adotem uma abordagem mais responsável. Os consumidores devem repensar a sua relação com a moda e o consumo, optando por roupas de qualidade em vez de quantidade, e questionando-se antes de alugar: “Preciso mesmo disto?”, ‘Quantas vezes vou usar esta peça de roupa?’. Ao tomarem consciência do impacto das suas escolhas, poderão contribuir para um consumo mais consciente.
As empresas de aluguer de vestuário devem também desempenhar o seu papel na educação dos consumidores sobre o impacto ambiental das suas decisões, fornecendo informações transparentes sobre a pegada de carbono dos produtos que alugam. Ao colaborarem com outros agentes do sector, poderão compreender melhor os impactos reais e promover práticas mais responsáveis.
O aluguer de vestuário pode ser uma alternativa atractiva à compra tradicional, mas não deve ser visto como uma bala de prata para resolver os problemas ambientais da indústria da moda. Tem as suas vantagens, mas também os seus desafios, nomeadamente devido ao efeito de ricochete que pode anular os benefícios ecológicos esperados. Para que esta solução seja verdadeiramente sustentável, é essencial adotar uma abordagem ponderada e responsável, tanto por parte das empresas como dos consumidores.