Não há duas sem três: Pêra-Manca tinto volta pelo terceiro ano consecutivo
As portas da Adega Cartuxa, na Quinta de Valbom, em Évora, voltaram a abrir-se para uma ocasião especial. Neste edifício historicamente ligado à Companhia de Jesus, que no século XVIII já estava equipado com um lagar de vinho, e que hoje pertence à Fundação Eugénio de Almeida, somos desde o primeiro momento assaltados pelo peso da história deste lugar. Sentimo-lo no chão de pedra que pisamos e que não esconde o passar dos séculos, nos arcos que adornam o tecto caiado de branco – tal como as paredes -, nas estátuas jesuítas que continuam a abençoar o espaço ou no cheiro inconfundível das pipas que ladeiam o corredor em frente.
A visita à Quinta do Valbom valia, por si só, a curta viagem de Lisboa a Évora. Mas, desta vez, a Fundação Eugénio de Almeida tinha algo de extrema importância para apresentar: o novo Pêra-Manca tinto 2015. O vinho de excepção desta casa, e um dos mais emblemáticos (e caros) com selo nacional, está de regresso pelo terceiro ano consecutivo.
Debaixo dos amplos arcos que decoram a entrada da adega, Pedro Baptista, director Vitivinícola da Fundação Eugénio de Almeida e enólogo da Adega Cartuxa, conta aos jornalistas presentes que este é um acontecimento inédito. Desde que a Fundação produziu o primeiro Pêra-Manca tinto, em 1990, já houve alguns períodos em que o vinho foi engarrafado em dois anos consecutivos (como, por exemplo, em 1994/95 ou em 2010/2011), mas nunca, até agora, em três anos seguidos. Isto porque este é um vinho que só se produz quando «os requisitos de excepcional qualidade [das colheitas] se cumprem», garante o mestre. E tanto assim é que, em 31 anos, esta é apenas a 16.ª colheita de Pêra-Manca tinto, numa edição limitada a 44 mil garrafas.
A prova inicial foi feita logo ali, sem mais demoras, na entrada da adega, com toda a pompa que um vinho destes pede e merece. Elaborado a partir das habituais castas Aragonez (55%) e Trincadeira (45%), provenientes de vinhas com mais de 35 anos, e um teor alcoólico de 14,5%, o Pêra-Manca surpreende desde logo pela sua frescura e leveza, que contrastam com a cor carregada em tom granada. «Quanto ao aroma, remete para ameixa seca e morangos maduros, bem como notas balsâmicas a alcaçuz, esteva e folha de tabaco», elucida Pedro Baptista.
Após a prova inicial, seguimos pelo corredor recortado pelas pipas, dos dois lados, até uma ampla sala escura, iluminada apenas pela luz das velas, onde nos espera um jantar preparado pelo chef José Júlio Vintém (do restaurante Tombalobos, em Portalegre) para confirmar o sabor do Pêra-Manca tinto 2015 (e de outras referências do portefólio da Fundação). Aqui, a elegância do novo vinho casou na perfeição com um prato de caça, neste caso Perdiz à Cartuxa. Porque este também não é um vinho para acompanhar qualquer refeição!
Antes de chegar à mesa, o Pêra-Manca tinto 2015 estagiou um pouco mais do que o normal (seis anos, em comparação com os habituais quatro ou cinco), tendo cumprido um estágio de 18 meses em balseiros de carvalho francês, ao qual se seguiram 48 meses em garrafa nas caves do Mosteiro de Santa Maria Scala Coeli (também conhecido como Convento da Cartuxa). Já está disponível, com um preço à saída da adega de 275 euros.
Para quem tiver vontade (e carteira), este poderá ser um investimento para os próximos anos, assim haja paciência e autocontrolo para não abrir a garrafa. É que apesar do Pêra-Manca tinto 2015 se apresentar ao mercado «num ponto de evolução que permite, desde já, mostrar o seu elevado potencial», este é um vinho que poderá permanecer engarrafado durante os próximos 20 a 30 anos sem perder qualidade, antes pelo contrário, «deixando para os anos que se seguem a possibilidade de acompanhar um infindável conjunto de nuances que só os grandes vinhos possibilitam», explana Pedro Baptista.
Mas se o futuro parece risonho, terminamos com mais um pouco de história, para dizer que o Pêra-Manca remonta à Idade Média e que o seu nome é inspirado no terreno onde estavam os vinhedos, um barranco com pedras soltas. «Dizia-se, na época, que as pedras balançavam, mancavam. Eram ‘pedras mancas’», recorda a Fundação Eugénio de Almeida. Quanto ao vinho, prometemos, escorrega muito bem.
Texto de Daniel Almeida