A Autenticidade dos Valores das Marcas e o Futuro Sustentável do Marketing

Por Susana Costa e Silva, docente na Católica Porto Business School e directora do Mestrado em Gestão

O papel das marcas na promoção da sustentabilidade e o modo como os seus valores impactam as decisões dos consumidores são questões que vêm conhecendo uma importância acrescida para as empresas. Reconhece-se cada vez mais que os seus valores sociais, económicos e ambientais estão a receber uma atenção especial, não apenas pelos seus clientes, mas por outros players relevantes, como os trabalhadores, os distribuidores, os accionistas, a media, e a sociedade civil, de uma forma geral. Mas, viver os valores que defendem pode ser um grande desafio para as empresas. O prémio, pode, no entanto, ser crucial para a credibilidade da marca e fazer a diferença no “momento da verdade”. Algumas empresas tomaram por isso a decisão de alinhar as suas operações com seus valores declarados, implementando práticas sustentáveis nas suas cadeias de fornecimento, reduzindo a sua pegada de carbono, apoiando causas sociais ou adotando práticas comerciais éticas. Outras, viram-se na necessidade de o fazer por imposição dos organismos que, tutelando a sua actividade, assim o exigem.

Em qualquer um dos casos, porém, é necessário ter presente que a defesa de valores – sobretudo da sustentabilidade – expõe a organização ao rigor e ao escrutínio dos diferentes públicos da marca, bem como dos stakeholders que contribuem para o sucesso das suas operações. Há vários casos de experiências malsucedidas a este respeito. Um exemplo clássico é o da Volkswagen que, durante anos, divulgou e promoveu a sua imagem como uma fabricante de carros ambientalmente consciente, com veículos ecologicamente correctos e de baixa emissão. No entanto, em 2015, foi envolvida num escândalo de emissões de poluentes, tendo-se descoberto que a empresa instalava dispositivos de manipulação de software nos seus veículos para enganar os testes de emissões. Este caso revelou uma discrepância significativa entre a imagem que a empresa promovia e as suas práticas reais, o que resultou numa perda substancial de confiança do consumidor e impacto negativo na sua reputação: a empresa proclamava certos valores publicamente, mas agia de forma diferente nos bastidores.

O mesmo acontece com algumas marcas que por razões estratégicas julgam por bem associar-se a causas tendo em vista aumentar o seu capital reputacional no mercado, mas que acabam a tomar ações de gestão que revelam o desalinhamento de valores e um fraco ou nulo comprometimento com a causa. Um dos casos mais conhecidos envolveu a KFC nos EUA que, a exemplo de outras marcas americanas em busca de uma parceria ganhadora com uma causa social, se associou à “pink ribbon”, uma organização sem fins lucrativos que procura chamar a atenção para a prevenção e tratamento do cancro da mama. Na sua promoção “Buckets for the Cure” (“Baldes para a Cura”), parte das vendas seria doada para o combate ao cancro da mama. Desnecessário será dizer que a promoção foi mal recebida e criticada pelo facto de que alguns produtos da KFC serem considerados menos saudáveis, o que contradiz a prevenção de doenças como o cancro. Parecia, portanto, haver uma preocupação de comunicação mais do que um genuíno compromisso com a causa.

Esse tipo de situação, onde uma empresa tenta associar-se a uma causa social ou ambiental para promover sua imagem sem realmente alinhar suas práticas com esses valores, é frequentemente chamado de “washing”. “Pink washing” refere-se especificamente a estratégias de marketing que exploram causas ligadas ao cancro da mama sem necessariamente apoiar a causa de modo autêntico. Temos igualmente campanhas de tipo “rainbow washing”, “blue washing” e “green washing” que são usados quando empresas tentam capitalizar a favor de questões LGBTQ+, saúde mental e sustentabilidade, respetivamente, sem um real compromisso ou ação consistente de apoio. Essas estratégias podem ser percebidas como oportunismo e levam à desconfiança dos consumidores atuais que estão cada vez mais conscientes e informados, muitas vezes preferindo pagar mais por marcas que se alinham com seus próprios valores.

Faz então sentido que as empresas que demonstram um compromisso genuíno com os valores propalados, possam usar isso como uma vantagem competitiva. Se embarcam em iniciativas ambientais e sociais, podem e devem mostrá-lo, evidenciando de forma transparente os seus esforços por meio de campanhas, certificações ou rótulos que os consumidores reconhecem e confiam. Estes valores ou causas, que podem perfeitamente ir além de questões de sustentabilidade, vão constituir cada vez mais um factor de diferenciação entre as diferentes opções. E se o preço deixar de ser o fator principal da tomada de decisão, então benefícios de longo prazo de produtos ou serviços sustentáveis, e aos quais se associam valores positivos, passam a ganhar relevância na estratégia das empresas. Se a isso se somar uma estratégia consistente em que, por exemplo, à sustentabilidade, se somam fatores como a qualidade, a durabilidade, a reparabilidade e a consequente redução do impacto ambiental, o consumidor pode até aceitar a justificativa de um preço mais alto.

As decisões dos consumidores baseadas nos seus próprios valores estão a tornar-se cada vez mais correntes, especialmente entre os segmentos mais jovens. À medida que a consciencialização cresce e os valores evoluem, as empresas que abraçam autenticamente causas estarão em melhor posição para conquistar a confiança e a fidelidade do consumidor, destacando-se assim num mercado competitivo.

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