Eu não quero ser um homem
Aviso aos incautos: este artigo não é sobre transexualidade, é sobre igualdade de oportunidades. Ou seja, também não é sobre igualdade de género. Porque igualdade de oportunidades e igualdade de género são coisas diferentes. As mulheres não querem ser iguais aos homens tanto quanto os homens não querem ser iguais às mulheres. A não ser que queiram e aí tudo bem.
A igualdade de oportunidades é a causa pela qual devemos bater-nos. E a verdade é que ela não existe de forma generalizada para o género feminino. Tal como não existe para outros grupos de pessoas. Ainda. (Sim, eu sou optimista por natureza.)
E para complicar mais as coisas acredito que a ideia de igualdade de género prejudica a causa da igualdade de oportunidades. Porque o valor das qualidades femininas numa organização ou ao serviço de um país ou ao serviço de uma causa não implica de modo algum assumir as qualidades típicas dos homens. A liderança no masculino é definida por qualidades como agressividade, sentido analítico, independência, resiliência, enquanto o sucesso no feminino está ligado a qualidades como colaboração, lealdade, paixão, intuição, paciência, flexibilidade e empatia. Não faz sentido ter sempre mais do mesmo. Faz sentido activar e explorar a nossa diversidade. Faz sentido equilibrar o hot power tradicionalmente ligado aos homens com o cool power característico das mulheres. As mulheres querem progredir nas suas carreiras, sejam elas quais forem, pelos seus méritos e qualidades e não apenas pelo seu género. Durante a Women’s March em Washington, a senadora Kamala Harris pode não ter feito o discurso mais inflamado, mas fez seguramente um dos mais acertados do meu ponto de vista: “Querem falar dos problemas das mulheres? Então vamos falar sobre educação, vamos falar sobre o sistema de saúde, vamos falar sobre alterações climáticas (…)” Porque os problemas das mulheres são os problemas da humanidade, independentemente do género. E temos uma palavra a dizer e valor a acrescentar. Palavras e valores diferentes dos dos homens e, por isso, tão enriquecedores. Dêem-nos acesso e reconheçam-nos o mérito de fazer diferente. E fazer bem. Muitas vezes fazer melhor.
A discussão da igualdade de oportunidades está na ordem do dia em todas as “indústrias” e também, obviamente, na da comunicação comercial. E se pensam que por as indústrias criativas serem lugares progressivos, informais e liberais, a igualdade de oportunidades existe em pleno, desenganem-se. Não existe. Num departamento criativo começam tantos rapazes como raparigas e ao longo do tempo as raparigas vão desaparecendo. Porquê? Porque trabalhar mais tempo é igual a trabalhar melhor. Não é. Porque é preciso escolher entre família e carreira. Não é. Porque é preciso assumir o papel de “cabra” para chegar ao topo. Não é. Mas para provar tudo isto ainda é preciso lutar por acesso. E o acesso vai chegando às vezes de forma retorcida, como as quotas. Recentemente fui convidada para fazer parte do júri de um dos mais prestigiados festivais de criatividade do mundo. Fiquei contente e orgulhosa, como é normal, até que ouvi a frase “eles andam à procura de senhoras”. E a dúvida instalou-se: talvez eu não estivesse a ser escolhida pelo meu valor profissional e reputação criativa, mas apenas porque nasci sem uma pilinha. Esta dúvida é o preço que temos de pagar pelo acesso. Ainda.
Texto: Judite Mota
Directora criativa Young & Rubicam Redcell
Artigo publicado na edição n.º 247, de Fevereiro de 2017, da revista Marketeer.